Calma, o iG Gente
não voltou aos anos 70 e muito menos aos 80. Apesar de ter tido o seu auge durante essas décadas, o hard rock se tornou um subgênero do bom e velho rock’n roll que ainda habita as playlists não apenas de quem viveu aquela época, mas daqueles que sentem falta de grandes representantes do gênero na atualidade.
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Desde que surgiu, o Rock sempre quis chocar as plateias. Não é à toa que o rebolado de Elvis Presley era escondido pelas televisões que apenas o filmavam da cintura para cima. É claro que o Hard Rock
não ficaria de fora. Com guitarras pesadas e bem definidas por seus solos marcantes, as bandas do gênero ficaram conhecidas por seus longos e armados cabelos, visual único e por levar bastante a sério a máxima do "sexo, drogas e rock'n roll". Bandas como Kiss
, Aerosmith, Bon Jovi, Alice Cooper, AC/DC, Def Leppard, Poison e Guns'n Roses são apenas alguns exemplos de grupos que perduram até hoje.
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Era Glam
O Hard Rock teve diversos representantes que cultuavam os mais diversos estilos. Porém, foi o Glam Metal, ou o Hair Metal - como também é conhecido o gênero - que deu vida a grupos que apostavam em roupas de couro coladas e muito coloridas, muita maquiagem e, claro, uma sexualidade exacerbada não apenas em suas músicas, mas também em seus shows.
"Para se rebelar contra a sociedade, chocar e usar tais artifícios em favor da busca por uma carreira musical, muitas bandas se valeram do visual e da exploração da imagem", afirma Ricardo Batalha
, redator chefe da revista
Rodie Crew
, especializada em Heavy Metal e Classic Rock, que bateu um papo com o iG Gente
sobre o assunto. "O uso de cabelos compridos por homens, considerado "sexualmente subversivo" até ser popularizado pelos Beatles, já era regra para compor a aparência dos grupos de Hard Rock", ele comenta.
Segundo Batalha, os astros do Glam da década de 70 adotaram um visual andrógino, com roupas coloridas de couro, jeans rasgados, calças de lycra, plataformas, penteados com muito spray, delineador preto, batom e maquiagem pesada. Conforme conta, tudo isso foi herdado do arsenal cênico de artistas britânicos, como T. Rex, David Bowie, Gary Glitter e a banda Girl. "Já nos Estados Unidos, os que faziam as honras no âmbito de chocar pelo visual eram Alice Cooper, New York Dolls, Lou Reed, Iggy Pop, Brownsville Station, Zolar X, Kiss e Twisted Sister", afirma.
Mas, afinal, como surgiu o hard rock?
Bem, não há uma data ou um acontecimento específico que seja considerado como o marco para o surgimento do Hard Rock. O que se sabe é que, durante os anos 60 - e enquanto a onda pedia estilos mais “comportados” - o Rock’n Roll recebeu um peso maior, marcado pelo uso da distorção musical, arranjos simples, riffs de guitarra mais pesados e solos mais complexos.
Em seu início, o Hard era muito próximo ao Heavy Metal, porém, os gêneros acabaram se afastando graças à influência do Blues. O Hard Rock, então, veio à tona com bandas britânicas do fim da década de 1960, como o Led Zeppelin (que misturava a música das primeiras bandas de rock do país com uma forma mais intensa de blues rock e acid rock) Deep Purple e The Who .
Durante a década de 1970, o Hard Rock se ramificou numa série de subgêneros. Nessa década, o pioneiro do Rock Horror, Alice Cooper colocou o gênero nas paradas de sucesso, com seu álbum "School's Out", que ficou entre os dez mais vendidos daquele ano. Desde então, o vocalista segue com sua típica maquiagem preta e apresentações bastante teatrais, sendo enforcado ou decapitado em todos os seus shows.
Também durante essa década surgiram ícones do gênero como Aerosmith
, Queen
, Kiss
, Rush
, Van Halen
e AC/DC
.
A banda liderada por Fred Mercury utilizou-se de vocais e guitarras superpostas, misturando o hard rock com o glam rock, rock progressivo e até mesmo com a ópera. E não pense que as mulheres ficaram de fora do gênero: a banda Heart foi a pioneira por trazer em 1976 o lado feminino para o hard.
Os anos 80 surgiram com o fim do Led Zeppelin, após a morte acidental do baterista John Bonham, após uma overdose, e a morte do cantor principal do AC/DC, Bon Scott, que seria substituído depois por Brian Johnson. Já outros grupos, como o Queen , se afastaram um pouco do estilo hard e voltaram seu trabalho para o pop rock.
Em 1981, o Hard teve um novo respiro: a banda britânica de hard rock Def Leppard lançou o seu segundo álbum, "High 'N' Dry", e os americanos do Mötley Crüe surgiam com o glam metal, com seu lançamento, "Too Fast for Love". No ano seguinte o estilo manteve a sua expansão com bandas como Twisted Sister e Quiet Riot.
O Def Leppard, que se apresentou no Brasil neste ano de 2017 nos festivais Rock'n Rio e SP Trip , levou o álbum "Pyromania" à segunda posição na Billboard . Além disso, o grupo chegou à marca de dez milhões de cópias vendidas somente nos EUA e teve três clipes exibidos sem parar na MTV, levando a música Photograph ao posto de mais pedida da emissora, ultrapassando Beat It , de Michael Jackson. Este seria o maior marco da banda até lançamento do álbum "Hysteria", em 1987, que chegou à incrível marca de sete hits.
Já no final de 1984, o Deep Purple
ressurgiu após um hiato de oito anos. Com sua formação original, o álbum "Perfect Strangers" chegou ao quinto lugar nas paradas do Reino Unido, e sexto na Billboard americana. Já o final da década foi o palco para o surgimento de outras bandas de sucesso no gênero, como o Bon Jovi
, Whitesnake
, Mr. Big
e Guns'n Roses
, com o álbum "Appetite for Destruction", que chegou à primeira posição nas paradas.
O declínio do Hard Rock
Durante os anos 90, tanto o Hard Rock, quanto ao Heavy Metal tiveram o seu declínio. Segundo Ricardo Batalha, muitas pessoas culpam o surgimento do Grunge por esse movimento, mas este não foi o único fator. "A queda também foi impulsionada pela superexposição do estereótipo do que havia na cena do chamado Hair Metal", argumenta.
"Uma nova geração de adolescentes não via mais tanto motivo para celebrar e farrear a noite toda como se não houvesse amanhã. O aumento das taxas de infecção pelo vírus HIV, a situação política e a retração do mercado imobiliário enfrentado pelos Estados Unidos, no começo da década de 90 contribuíram para que o panorama fosse alterado", diz Batalha.
Segundo conta o entrevistado, esse declínio se deu não apenas em razão ao clima melancólico e mais sombrio que pairava no ar entre os novos músicos, mas também aos grandes excessos cometidos pelos músicos tanto no álcool, quanto nas drogas, o que afetava diretamente a situação interna dos grupos. "Ninguém mais ligava para a criação de boas melodias, refrãos marcantes, vocais harmoniosos e muito menos se os músicos demonstravam destreza e técnica em seus instrumentos", conta o entrevistado.
Já para Eduardo Ardanuy , ex-guitarrista da Dr. Sin que também conversou com o iG Gente , o Rock'n Roll independe de qualquer título ou subgênero. "O Grunge não deixa de ser Hard Rock também. O que mudou é que as roupas dos anos 80 eram muito mais ridículas e os músicos passavam mais tempo no cabelereiro do que ensaiando ou escrevendo bons discos", ele brinca, completando: "as pessoas inventam muitos rótulos, mas é tudo a mesma coisa. Ao invés de juntar tudo para fortalecer a cena, o que se está fazendo é distanciar".
Fato é que, diante do crescente afastamento do público da premissa "party all night long" defendida pelos "hardeiros" e da gradual preferência pelos músicos de camisa flanelada, muitas bandas que faziam sucesso nas décadas anteriores tentaram se adaptar à nova realidade - o que não agradou aos fãs e empurrou essas bandas um pouco mais para o declínio.
Por outro lado, grupos como Bon Jovi e Aerosmith são exemplos dos que conseguiram se manter sob os holofotes. " O Bon Jovi pode sim ainda ser classificado como Hard Rock, mas pelo seu passado, porque faz tempo que deixou de ser uma banda exclusivamente desse estilo. Já o Aerosmith, apesar das baladas, é e sempre foi uma banda de Hard. Basta vê-los ao vivo para comprovar isso", afirma Ricardo Batalha.
O Hard Rock tupiniquim
Durante os anos 70, o Brasil passava pela época mais "casca grossa" da Ditadura Militar. Porém, na contramão a todo conservadorismo, surgiram bandas rockeiras que esbanjavam atitude.
Como pioneiros do Hard brasileiro estão bandas como Made in Brazil, Patrulha do Espaço, Secos & Molhados, Tutti Frutti, Bixo da Seda, O Peso, Barca do Sol, Edy Star e, claro, Serguei , que, do alto de seus atuais 81 anos, continua esbanjando muita maquiagem e performances cheias de conteúdo sexual.
Apesar de tudo, Ricardo Batalha acredita que, durante os anos 80, o Brasil não acompanhou a força que o estilo mantinha no exterior. "Tivemos boas bandas cantando em português – nosso diferencial –, como Golpe de Estado, A Chave do Sol, Anjos da Noite, Taffo, entre outras, mas isso dificultou que elas estourassem no exterior".
Já nos anos 90 surgiram outras bandas que focavam em letras em inglês. Esse é o caso da própria Dr. Sin , formada em 1991 pelos irmãos Andria e Ivan Busic e pelo guitarrista Eduardo Ardanuy - nossa entrevistado. A banda ficou na ativa até 2015, quando decidiram dar um fim definitivo ao trabalho em conjunto depois de mais de duas décadas. "Como toda a banda de rock, estamos sempre na contramão. Amamos o que fazemos e não fazemos por dinheiro. Essa não é a parte mais importante... mas todo mundo espera ser remunerado", afirma Adarnuy.
Para ele, ter mantido a banda durante todos os anos foi a realização de um sonho, o que foi incentivado pela ótima relação musical entre os integrantes. "Eram poucos shows por ano, mas nos últimos oito anos as coisas melhoraram, porém, infelizmente foram rolando alguns desentendimentos", ele revela. Sobre uma possível reunião entre a banda? O guitarrista não descarta totalmente essa possibilidade, mas não acredita que isso acontecerá tão cedo.
Sobre o cenário brasileiro do Hard Rock e do próprio Rock'n Roll, em geral, Adarnuy acredita que houve uma grande dificuldade para que as bandas nacionais fizessem tanto sucesso quanto as estrangeiras. "Por melhor que seja a banda, ela tem que provar que é boa fazendo sucesso fora do país para depois o brasileiro gostar. É preciso provar para o brasileiro que foi aprovado internacionalmente", critica o músico, que, apesar dos obstáculos, segue firme em novos projetos e deve lançar um novo disco instrumental no próximo ano.
Já Ricardo Batalha acredita que outro ponto que dificultou um sucesso maior entre as bandas brasileiras "hardeiras" foi, justamente, o fato da maioria delas preferir seguir as tendências de mercado. O presente preconceito com o estilo glam ou hair metal também teve deu sua contribuição. "Hoje muitos têm orgulho em tocar este estilo e não ficam preocupados com os que fazem chacota – e sempre vão fazer por causa do visual", afirma o entrevistado. Ele também completa: "o radicalismo e o preconceito foram péssimos para o Hard rock e, efetivamente, atrapalharam o desenvolvimento desse tipo de música por aqui"
O Hard Rock ainda vive
Apesar de já ter deixado os seus tempos áureos para trás há muito tempo, o Hard Rock ainda continua na memória - e no gosto musical - de seus adoradores. Prova disso é que, apenas neste ano, o Brasil recebeu shows dos veteranos Bon Jovi , Aerosmith , Def Leppard, A lice Cooper e, no mês de dezembro, shows do Tesla e Deep Purple .
"Não é de hoje que estão abrindo espaço para o Hard Rock. Ocorre que atualmente não existe uma tendência a ser copiada e seguida, como víamos tempos atrás", conta Batalha. Para ele, hoje há um senso de liberdade maior e as bandas estão praticando a música que gostam e querem realmente fazer.
E, realmente, a adoração pelo Hard mantém o espírito desse gênero vivo - inclusive no cenário musical brasileiro. Prova disso é a banda Desert Dance , formada por Leonardo Xavier, Leonardo Gonçalves, Guib Silva e Gustavo Macedo. A banda paulistana se entitula como pertencente ao movimento "hardeiro" não apenas pela sua sonoridade, mas também pela atitude rebelde, energia forte e, é claro, um visual espalhafatoso.
"Existem muitas bandas e um grande público que não se encontram exatamente no que acontece centro cultural e econômico de São Paulo, por exemplo, que é dominado por estilos como sertanejo, rap, brasilidades, ou rock alternativo", diz os integrantes, que completam afirmando que, atutalmente, existe espaço para todos os estilos musicais, porém, as opções são escassas e caras pra muito jovem que não tenha grana.
Um desses jovens que são apaixonados pelo Hard Rock e aderiu o estilo, inclusive, para sua vida pessoal, é Arthur Trigo - que, inclusive, é bastante fã da Desert Dance. Ele, que nasceu em 1993 quando o gênero já estava caindo em decadência, é um dos adoradores que continuam dando audiência para bandas veteranas e, claro, apostando no surgimento de novas. "Quando era moleque me identifiquei com o rock, por meio de algumas bandas nacionais e que estavam fazendo sucesso na época. Era o que passava na TV, já que não havia internet tão acessível. Daí eu ficava acordado ouvindo várias bandas clássicas em horários alternativos da MTV", ele conta.
Para Arthur, as bandas de Hard Rock representavam mais do que um estilo musical, mas uma atitude de rebeldia em uma época que o jovem não tinha voz. "Todo metaleiro pode colocar uma jaqueta de couro e uma camiseta de banda preta e sair pela rua e isso é normal. Agora, com o hard é mais complicado", acredita o fã que brinca confessando já ter roubado várias vezes algumas peças das roupas de sua mãe para se vestir como seus ídolos "hardeiros".
Tanto o jovem quanto os próprios integrantes da Desert Dance acreditam que hoje o rock precisa batalhar pelo seu espaço no cenário musical, porém, por outro lado, existe um espaço maior para todos os estilos.
"O que acaba contando mais no final, é a qualidade do seu produto, do que necessariamente o rótulo que ele leva. Se você tem um produto bem gravado, bem composto, onde as coisas se encaixam dentro da estética proposta juntamente com uma boa qualidade da imagem da banda e divulgação, as chances de ter seu trabalho reconhecido sobem", comenta.
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Os meninos da Desert Dance também vem nesse "folêgo" do Hard Rock atualmente uma chance para que ele continue existindo e evolua. "Não dá pra ficar na cópia. Temos referências e uma base, mas a incorporação de outros ritmos e visuais é importantíssimo para que o estilo não morra", eles ponderam. Vida longa ao Hard Rock!