Desde que o streaming da Netflix chegou ao mercado nos Estados Unidos, a forma de se consumir filmes passou por uma grande mudança: agora era possível escolher o que assistir na hora sem depender da programação das televisões, de cópias físicas ou da disponibilidade de títulos no cinema. Ver um filme nunca foi tão fácil, contudo toda narrativa tem dois lados. A curadoria e a falta de diversidade da plataforma são um alerta para aqueles que buscam filmes clássicos que escreveram a história da sétima arte.

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Uma história perdida

Oferta de filmes clássicos na Netflix é precária, representando menos de 1% do total de da plataforma
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Oferta de filmes clássicos na Netflix é precária, representando menos de 1% do total de da plataforma


Hoje não é incomum passar horas apenas escolhendo algo para ver na Netflix vasculhando as categorias da plataforma. A biblioteca de streaming parece ser um oceano sem fim para os consumidores – e, de fato, no Brasil, de acordo com o site uNoGS, há um total de 4337 itens disponíveis para serem assistidos entre filmes e séries por aqui.

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O número que é alto esconde um abismo entre a produção atual e os clássicos : existem somente 30 títulos feitos antes de 1970 na plataforma, sendo que a história do cinema teve seu início em 1895. Esse período de 75 anos está praticamente inteiro apagado – o filme mais antigo na Netflix, “The Daughter of Dawn”, data de 1920. Dando um salto de mais de duas décadas os títulos que o seguem são “Prelúdio de Uma Guerra” e “Batalha de Midway”, ambos de 1942.

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O estudante de jornalismo Pedro Daher, cinéfilo e amante declarado da sétima arte, comenta que apesar da vasta biblioteca do serviço a baixa representatividade desse nicho é um problema. “Os filmes considerados ‘clássicos’ [na Netflix] são de 1970 e 1980 para cá e que nem são clássicos mesmo. A Netflix como empresa vai se adaptando as tendências do público e acaba subvertendo a própria história do cinema”.

Falta de títulos de filmes clássicos na biblioteca do Netflix chama a atenção e levanta críticas de fãs
iG São Paulo
Falta de títulos de filmes clássicos na biblioteca do Netflix chama a atenção e levanta críticas de fãs


“Tem na Netflix?”

De acordo com um relatório divulgado em outubro pela empresa, no terceiro trimestre de 2017 eles contabilizavam 109 milhões de assinaturas do serviço, sendo 56 milhões de fora dos Estados Unidos. A previsão é de que até o final deste ano o número total suba para 115 milhões de usuários espalhados por 190 países. Devido ao seu alcance e popularidade a Netflix hoje ocupa um lugar central da discussão sobre consumo cultural, principalmente entre o público mais jovens.

Você viu?

O professor e membro da Associação Paulista dos Cineastas, Mauro Baptista Vedia, explica que ainda é difícil medir o impacto do streaming na cultura por ser um momento que estamos atravessando, porém sua participação já é significativa nesse segmento. “As novas gerações interpretam o catálogo da Netflix como o que está disponível”, comenta.

A ausência de títulos que foram fundamentais para a consolidação dessa arte como a conhecemos hoje em uma plataforma com tamanha abrangência é um aspecto negativo: muitas pessoas acabam se limitando a biblioteca que já está disponível para pautar o que assistir. Assim, com poucas opções de relevância histórica há um claro prejuízo para o público que deixa de ter acesso aquilo. Por outro lado Mauro argumenta que a presença desses filmes na Netflix não configura um problema por si só.

 “Essas pessoas consumiam filmes antigos antes? Quando? Onde? [...] Na TV aberta brasileira você não vê a história do cinema e isso já tem mais de 30 anos. Essa é uma culpa que você deve jogar na mídia em geral. É injusto falar que a Netflix está impedindo [o público] de ver filmes clássicos dessa história do cinema, isso nunca esteve na grande mídia”, justifica.

Mesmo quando estão disponíveis, filmes clássicos ficam pouco tempo na lista da plataforma
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Mesmo quando estão disponíveis, filmes clássicos ficam pouco tempo na lista da plataforma

Pedro, que tem por costume vasculhar os filmes disponíveis para streaming e acompanhar o que entra e o que sai da biblioteca, confirma a visão do professor. “O que o público quer ver tem muito a ver com o que eles vão colocar lá, os filmes que não fazem sucesso são tirados muito rápido”. Sem dados oficiais sobre a audiência, é difícil estabelecer uma opinião certeira sobre a falta de clássicos na plataforma, porém é fato que esse nicho não está entre as prioridades da empresa.

“Não vejo a Netflix como casa de filmes clássicos, eles querem fazer uma plataforma em narrativa contemporânea, principalmente os seriados”, argumenta Mauro. Ele vê nesse serviço uma nova tendência associada, sobretudo, a experiência do consumo de séries – nicho no qual a empresa tem investido em massa para atrair o público e, mesmo com apostas sem retorno, emplacaram títulos que se tornaram fenômenos mundiais como “Stranger Things” e “Black Mirror” – e não de filmes de longa-metragem.

Solucionando limitações

Ficar dentro do que a plataforma já oferta pode ser mais cômodo e prático para grande parte dos usuários, que nem sempre enxergam como uma falha a falta de clássicos no serviço, porém Netflix não é a única resposta quando o assunto é cinema. Há outras empresas do ramo que estão no mercado que podem rivalizar com a gigante nesse segmento.

Usuários criticam seleção de filme da Netflix e optam por procurar alternativas por fora da plataforma na internet
iG São Paulo
Usuários criticam seleção de filme da Netflix e optam por procurar alternativas por fora da plataforma na internet

O MUBI, por exemplo, é uma companhia de streaming voltada justamente para a demanda de clássicos e cinema de arte e, apesar de ser americana, muitos brasileiros já estão recorrendo a ela. A oferta de clássicos na Fandor também é mais satisfatória: eles disponibilizam 86 clássicos em seu catálogo, quase três vezes mais do que a Netflix. “Felizmente tem alternativas ao Netflix e aos poucos o público vai migrando para elas”, comenta Pedro.

Recorrendo a soluções menos ortodoxas, Mauro Baptista Vedia ainda ressalta que da sua experiência com docência que não é incomum ver pessoas se voltam para sites independentes de downloads para buscar filmes clássicos, como é o caso do fórum Making Off, onde só é possível entrar com convite de um membro da equipe e há centenas de títulos disponíveis para serem baixados – inclusive raridades da sétima arte.

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YouTube e pirataria são saídas para os usuários que buscam filmes clássicos e raros

A fala do professor vai de encontro com dados que apontam que no Brasil a pirataria ainda é uma das saídas mais populares entre os usuários desses serviços. Na última pesquisa divulgada pelo IPEA em 2012 sobre o consumo ilegal de músicas e filmes, mais de 80% dos entrevistados admitiram baixar conteúdos não licenciados na rede – o número varia conforme grau de instrução e classe social, porém continua a ser forte evidência sobre essa circulação.

YouTube também é um lugar para o qual muitos fãs de cinema ampliam suas buscas – mesmo sendo impossível mensurar o que está disponível na plataforma, por exemplo, da lista da Abraccine com os melhores filmes brasileiros já feitos, os 10 primeiros estão todos online no site, mas da seleção apenas “Cidade de Deus” está disponível na Netflix.

 “A oferta de filmes clássicos para você baixar na internet é indefinida, você pode baixar a história do cinema na internet. Quem quer achar encontra, está tudo disponível. Nunca esteve tão fácil você conseguir baixar tudo”, afirma Mauro.

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