Apesar de Milcho Manchevski ser um dos grandes nomes do cinema macedônio, o cineasta confessa: “Não vou muito ao cinema. Prefiro ir para uma galeria ou ler um livro. Acho mais interessante”. Tendo no seu currículo o longa “Antes da Chuva”, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1994 e um Leão de Ouro no Festival de Veneza, Manchevski pode não ficar em frente às telonas durante uma sessão, mas quando o assunto é o trabalho por trás das câmeras, o cineasta se mostra um veterano e vanguardista da arte. Assinando não só a direção, mas também o roteiro de um filme tão contemporâneo que acaba sendo transcendental, “Bikini Moon”, o diretor reascende o clássico conflito filosófico do ser ou não ser – mas desta vez aplicado à sétima arte.
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Exibido na 41ª Mostra de Cinema Internacional de São Paulo ao lado de “O Fim do Tempo”, longa que Milcho Manchevski também assina como diretor, “Bikini Moon” conta a história de um grupo de documentaristas que possuem um anseio de contar uma boa história na frente das câmeras e acabam esbarrando na vida e trajetória de Bikini (Condola Rashad) – apenas Bikini, como Beyoncé ou Jesus, com peitos, como ela mesma se apresenta. Veterana de guerra, a ex-militar acaba sofrendo com uma insanidade mental que a faz se transformar em uma mulher sem-teto, vagando pelas ruas de Nova York solitária e em busca de sua filha, que, segundo ela, foi tirada de seus braços por conta da sua condição.
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“A ideia original veio de uma metáfora em um momento em que eu estava questionando o próprio gênero documentário. E então atingimos um ponto da discussão em que questionamos como um documentário pode gravar coisas que não necessariamente são verdades. E esse foi o começo do pensamento que se desenrolou no filme”, conta Manchevski ao iG Gente . “Queríamos criar um filme que explora questões de como a verdade é vista quando refletida para uma mídia, como a verdade vê a mídia e essa exploração do gravar tudo o que você faz hoje em dia”, completa o cineasta.
Em uma linha muitas vezes tênue entre ficção e realidade, Trevor (Will Janowitz) acompanha a tentativa da namorada Kate (Sarah Goldberg) de ajudar Bikini a reconstruir a sua vida, no que poderia ser um belo conto de fadas moderno e realista em frente às câmeras. Estereotipados como um casal estadunidense perfeito do século XXI, Kate toma a postura de defender Bikini e resguardar a sua dignidade diante das câmeras e da sociedade, que se mostra rejeitando constantemente corpos negros e neurologicamente atípicos. Por outro lado, Trevor assume todo o egocentrismo do mundo da arte de sobrepor a realização de uma obra audiovisual às dores humanas individuais, não deixando de gravar cada passo de Bikini, incluindo seus momentos de humilhação e perturbação.
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“Bikini Moon”, portanto, é um filme dentro de um filme. Mas para Manchevski, dirigir um elenco que, de certa forma, também dirige uma produção, foi um desafio superado com sucesso. “É muito excitante porque tudo isso é um novo território. A produção e o elenco foram pessoas fantásticas e nós trabalhamos com muita gente talentosa. Todo esse processo foi pensado com muito cuidado”, revela o diretor.
Quebra-cabeças
Apesar de estar atrás das câmeras, Manchevski se faz presente em frente delas. Em dado momento, um vídeo de Bikini mexendo com armas é publicado em um canal cujo dono é o próprio diretor. Em outro, a personagem aparece vestindo uma camiseta em que seu rosto está estampado. Apesar de sair da postura de narrador e se tornar também parte da sua própria obra, o diretor diz que tudo isso não passa de um entretenimento. “É apenas uma construção, quero ser brincalhão. O cenário é algo muito sério, muito importante, mas também é um jogo”, comenta.
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Esse jogo fica visível com o desenrolar do filme. Bikini passa a ser não só a protagonista do documentário, mas também a diretora de um outro, que acontece às margens do principal, expondo hipocrisias e revelações daqueles que, até então, pareciam ser os mais lúcidos da trama. Trevor acaba abandonado o projeto e revelando quem era a verdadeira financiadora daquele circo diante da sem-teto. Com idas e vindas, outro cineasta assume o documentário, Krishna (Sathya Sridharan), que antes assumia posição secundária na trama e acaba se rebelando contra Trevor. Diante dos acontecimentos, os espectadores começam a se questionar o que então é verdade naquele cenário - e aqui não apenas em relação aos fatos, mas também às próprias crenças e desejos de cada personagem. Bikini, por sua vez, antes tida como a lunática da trama, acaba ganhando o status de mais sensata de toda uma insanidade que se faz de sóbria.
“Isto é um truque e é perigoso, mas quando funciona você tem algo especial ali, um momento mágico não só para quem produz os filmes, mas também para quem assiste, em um mundo constantemente em movimento”, comenta o diretor. “Ao mesmo tempo que você se questiona, você tem respostas e o contrário também acontece”, completa.
Com cenas em que os celulares e outras câmeras estão sempre ligados, Milcho Manchevski se propõe a gravar as gravações da realidade. “Eu acredito que o que está acontecendo é o fato de que temos muitas pessoas que na verdade são cruéis e sem um entendimento do que é o outo ser humano. Eu acho que gravar essas cenas talvez mostre uma inquietude diante da dor, mas também ao mesmo tempo é uma oportunidade para que essas pessoas impiedosas machuquem outros”, opina. “Isso é o que nós discutimos em 'Bikini Moon', esse interesse maior em filmar. Eu acho que isso afeta como nós nos relacionamos, mas eu continuo tendo a crença que podemos fazer filmes ótimos que realmente se preocupam com o outro”, completa o diretor.
A última exibição de "Bikini Moon" na Mostra de São Paulo acontece no dia 30/10, na sessão das 14h, no CineArte 1.