Não é de hoje que Marvel e DC Comics brigam para saber quem está na frente – desde a época de ouro dos quadrinhos as duas se enfrentam. Em meados dos anos 2000 ambas partiram para o ataque no cinema e lançaram suas franquias que, futuramente, se tornariam dois imensos impérios na indústria do entretenimento. Depois de quase uma década investindo no segmento, as duas se preparam para lançar os títulos derradeiros que irão determinar o futuro dos quadrinhos no cinema: “Liga da Justiça” e “Vingadores: Guerra Infinita”. Com isso em vista tentamos descobrir quem levou a melhor no cinema, DC ou Marvel?
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De um lado temos a DC , com quatro filmes lançados desde 2013. Do outro lado temos a Marvel, com 16 filmes lançados desde 2008. Pelo menos numericamente a Marvel está na dianteira: além de ter muito mais títulos compondo a franquia , a operação por trás deles teve uma estrutura mais interessante que da concorrente. Os filmes foram planejados dentro de um cronograma estratégico e com o objetivo final de interligar essas histórias. A ideia deu mais do que certo e a empresa conseguiu consolidar o que passou a ser seu universo expandido.
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Mas o que é esse conceito? Vários filmes distintos de heróis diferentes que dialogavam entre si, cada um construindo um fragmento de uma narrativa maior – que irá culminar em “Vingadores: Guerra Infinita”, previsto para estrear em abril de 2018. A estratégia funcionou e rapidamente a DC tentou ganhar o espaço perdido, espremendo seu universo expandido em apenas quatro filmes, dos quais três sofreram com críticas negativas – e a jogada não agradou muita gente, deixando a desejar até entre aqueles mais fanáticos por quadrinhos.
Grande fã de cultura pop, o estudante Matheus Cabral explica que a Marvel conseguiu consolidar uma linguagem particular – sua fórmula do sucesso – enquanto a DC ainda derrapa para se encontrar se opondo diametralmente à outra. Utilizando humor, trilhas sonoras impactantes e visuais chamativos, a Marvel conquistou um público que ainda não era cativo do mundo geek e fez seu nome no cinema. Por outro lado, apostando em se afastar da oponente e com grande influencia da trilogia de Christopher Nolan, a DC se voltou para filmes mais sombrios e pesados.
Isso acabou criando, para além da clássica rivalidade entre elas, uma cisão de nichos. Enquanto uma se especializou em ter um clima mais “familiar”, a outra pende para o lado mais adulto do cinema. “Elas acabam falando para públicos diferentes”, aponta o estudante Luan Godoy. Ele acredita que a forma como as duas marcas trataram seus filmes, cada uma acabou angariando uma parcela diferente do mercado.
Isso se reflete também no tratamento que dão aos personagens. Enquanto a DC permanece mais ortodoxa com relação ao que está nos quadrinhos, a Marvel – sob a égide do produtor Kevin Feige, que controlou exatamente todos os filmes feitos até agora – tem maior flexibilidade para alterar as histórias. Fã declarado da DC, o músico Shad aprecia a fidelidade que o estúdio mantém e explica “se não já vira outra história, outro herói”.
Quem não tem cão, caça com gato
Esse aspecto se relaciona diretamente com um problema que fala cada vez mais forte para a Marvel: muitos de seus principais personagens tem os direitos de uso no cinema concedidos para outras empresas, como é o caso dos X-Men, por exemplo. Por esse motivo a franquia orbita em torno de heróis desconhecidos e abre espaço para alguns “malabarismos” para torna-los atraentes. “Trazendo esses novos personagens dão a eles novas aberturas [...] mas falta de um potencial que eles poderiam ter agora”, comenta Luan.
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Matheus, defensor do lado Marvel no cinema, justifica “essa missão de começar por baixo fez com que eles conseguissem criar uma linguagem de sucesso”. E, para ele, o contrário fez com que a DC envenenasse a mesma. Com a sua “santa trindade” em mãos – Super-Homem, Batman e Mulher Maravilha – a empresa acabou não dando a merecida atenção a eles.
“Como estão trabalhando com personagens de primeira linha, eles têm uma tendência a achar que eles vão se vender por si mesmos. Nenhum dos filmes mais recentes da DC tem esse nível de comprometimento com tudo que o personagem pode trazer [...] você percebe muitos personagens sub-explorados”, explica.
Peso da edição
A maneira rasa como os personagens foram explorados é, para grande parte do público, um fator que contribuiu para a recepção negativa que os filmes tiveram. Mesmo fiéis ao conteúdo das HQs, as histórias deixam pontas soltas para aqueles que não acompanharam os quadrinhos. A estudante Vitória Emily reconhece essa falha na DC e acredita que apesar de fazer boas adaptações, isso afasta aqueles que não leem os originais, mas isso não é tudo.
Ela vê a mão do estúdio como um problema nesse processo. “Acredito que a maior parte dos problemas sejam os próprios cortes que a Warner fez”. Quem estava coordenando boa parte da empreitada da DC no cinema até se afastar este ano era o diretor Zack Snyder, indicado para o cargo pelo próprio Christopher Nolan, que dirigiu a trilogia do Cavaleiro das Trevas, considerada a melhor adaptação de um herói para o cinema já feita – ou seja, o nome de Snyder não chegou por acaso nas mãos do estúdio.
Além dele o diretor David Ayer trabalhou em “Esquadrão Suicida”, possivelmente o maior fracasso da DC nas telas, e a diretora Patty Jenkins em “Mulher Maravilha” que, antes de migrar para a produção, estava envolvida com a continuação de “Thor” na rival. Enquanto isso, a Marvel teve uma alta rotatividade de diretores e que, em geral, se submetiam à direção criativa imposta pela Disney, dona da marca no cinema.
Blockbusters x visão artística
Se a DC peca pela falta de coesão na construção do universo, o crítico de cinema Otávio Almeida, da revista Preview e do blog Hollywoodiano , acredita que o trunfo para deslanchar seja justamente esse: apostar em diretores fortes e que possam fazer grandes filmes, seguindo a tradição da Warner e continuando o legado de Nolan. “Se não em quantidade, mas em qualidade eles têm como inverter esse jogo. A DC tem sim mais valor artístico [...] e acho que vai acertar até com mais ousadia que a Marvel”.
Declarações, ainda que confusas, do chefe do departamento criativo da DC, Geoff Johns, apontam que o rumo das produções será esse mesmo. Dentre as notícias que rolaram dão conta de que Martin Scorcese pode se envolver na produção de um filme do Coringa – coisa que na concorrente seria fora da realidade. “Do ponto de vista da empresa eles têm um plano e só vão contratar alguém que aceite fazer o que eles querem”, ressalta Otávio sobre a posição da Marvel.
Embora com algumas nuances que variam entre a explosão de cores de “Guardiões da Galáxia” e os tons sóbrios de “Capitão América 2: O Soldado Invernal”, os filmes da Marvel seguem sempre estruturas muito similares e pasteurizadas, enquanto que a DC deixa que os diretores imprimam mais a sua marca – característica valorizada por Otávio.
“Os filmes da Marvel estão chegando em uma monotonia, são engraçados, mas já deu [...] já há uma saturação enorme de filmes com essa temática”, comenta Matheus Cabral sobre essa fórmula utilizada pela Marvel. “Os Vingadores: Guerra Infinita” poderá significar tanto a supremacia da marca – ou poderá canibalizar o próprio império que criaram, acabando com os atrativos da franquia.
Do outro lado, “ Liga da Justiça ” poderá deslanchar a estratégia da DC de começar a investir em mais personagens com tom mais criativo, dando liberdade para os diretores se expressarem. Mesmo com a briga boa entre a Marvel e a DC– e o destino incerto com títulos tão importantes na reta final para chegarem ao público, o crítico da Preview reforça que isso está longe de acabar. “Esses fãs nunca vão cansar de ver esses personagens, eles que vão sustentar esse tipo de filmes”, finaliza.