Tropicália emergiu como voz contra ditadura e ecoa até os dias atuais

O movimento da Tropicália começou e terminou durante a ditadura, mas sua influência não morreu: seus debates mudaram o rumo da história brasileira

A década de 1960, sobretudo no Brasil, foi um momento histórico decisivo: a ascensão das forças militares ao poder pelo  golpe de 1964 representou a tomada do governo pelos setores conservadores da sociedade. Concomitantemente movimentos sociais eclodiam por todo o mundo reivindicando liberdade e a mudança dos paradigmas capitalistas e imperialistas que eram dominantes. Se por um lado os governos tentavam sufocar e reprimir vozes contrárias, aqueles que lutavam por seus ideais prometiam gritar para serem ouvidos – e no caso da Tropicália cantar, ensurdecer a repressão com suas guitarras distorcidas, desnortear os conservadores com suas roupas absurdas e cabelos volumosos.

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Tropicália foi grito de resistência contra ditadura e seus questionamentos perduram até hoje na cultura brasileira
Foto: Reprodução
Tropicália foi grito de resistência contra ditadura e seus questionamentos perduram até hoje na cultura brasileira


Contra-ataque

Em 1967, apenas três anos após o golpe que retirou João Goulart do poder central do Brasil, emergiu na Bahia o movimento da Tropicália , capitaneado pelos músicos Caetano Veloso , Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão, Tom Zé e Os Mutantes. Apesar de expressarem sua inconformidade por meio da música , a Tropicália tem um forte componente político intrínseco em sua expressividade, portanto, é impossível dissocia-la do contexto ditadorial da política do Brasil.

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Na visão do pesquisador Cláudio Coelho o golpe regido pelas forças de direita representava mais do que apenas o controle político do país, mas toda uma série de outros aspectos que incluíam valores culturais e comportamentais da época que passaram a confluir com os ideais da direita. “[A Tropicália] era uma reação que tinha sim característica política [...] mas era também uma reação contra o conservadorismo cultural”, ressalta.

De fato, a forma com que o grupo se posicionava provocou fortes reações naqueles que ocupavam o poder e tornaram-se um dos alvos atingidos pela repressão. Não é acaso que o final da Tropicália coincida com o Ato Institucional número 5 (AI-5), que legalizou a censura e a possibilidade de que qualquer um fosse preso sem que houvesse um habeas corpus . Esse foi o pretexto para que Caetano Veloso e Gilberto Gil fossem presos e em seguida exilados na Inglaterra, sinalizando o fim do movimento. “Foi algo quase suicida, mas foi um ato extremamente corajoso. [Porém] pagaram um preço alto por isso”, reflete Cláudio.

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Terra de ninguém

Mesmo sendo clara a filiação do grupo contra a ditadura militar, sua credencial política é algo incerto: ao mesmo tempo em que lutavam contra o regime, não se associavam diretamente às forças de esquerda. Com uma ideologia definida apenas como “vanguardista”, setores da esquerda eram fortes críticos do movimento tropicalista – a historiadora Heloísa Buarque de Hollanda defende essa cisão, pois, de fato, houve reações contrárias ao movimento por parte desse segmento. Nessa perspectiva, eles conseguiam desagradar "gregos e troianos" no Brasil, sendo uma incógnita desse sentido.

Por outro lado, como aponta o pesquisador Cláudio, havia intersecção entre as propostas da esquerda e da Tropicália. “A ideia de guerrilha era muito valorizada inclusive, se não tanto uma guerrilha política, mas talvez uma guerrilha cultural”, explica. A estética absurda e provocativa que adotam era uma espécie de “guerrilha” simbólica para ele, pois gerava estranheza e choques com aquilo que era dominante, assim como a guerrilha política, por trás de suas atitudes havia uma motivação transformadora.

Ponte global

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Tropicália virou tema de pesquisas por seu caráter globalizado anos após seu término e é um marco da cultura brasileira

Mesmo sendo visto como um movimento genuinamente brasileiro, a Tropicália tinha grande influencia externa vinda de outros países. Em um artigo, Heloísa Buarque de Hollanda comenta a efervescência cultural do período da década de 60 como um impulso global que esquentou os motores de produções culturais que passaram a questionar políticas dominantes. Foi um momento em que brotavam expressões críticas ao status quo que regia a sociedade ao redor de todo o globo e, nesse sentido, a Tropicália faz parte desse conjunto que ações que promoviam a transformação através de suas atitudes.

Outra questão que, inclusive lhes causou problemas com os “puristas culturais” que valorizavam a expressão das raízes nacionais na música, foram influência diretas de artistas de outros países. O rock estava vivendo seu auge e foi incorporado ao estilo da Tropicália – guitarras distorcidas e outros elementos do estilo entraram como assinaturas das composições do movimento que soavam com estranheza para os artistas nacionais.

Cláudio aponta que o conceito por trás do tropicalismo explica o fato de terem buscado fontes de todo o mundo para criar sua identidade. “A tropicália dizia que a gente num podia enxergar o Brasil apenas como um país atrasado do ponto de vista cultural”. Assim, escorada na ideia da antropofagia do movimento modernista da década de 1920, o grupo passou a consumir influências dos mais variados formatos para moldar aquilo que posteriormente viria a ser lido como uma vanguarda do período.

Reverberações

Na época a Tropicália fez barulho – e muito. Contudo, mesmo após chegar ao fim em 1968 o movimento plantou suas raízes tanto na cultura brasileira , quanto na internacional, quando passou a ser objeto de análise de estudiosos estrangeiros que começaram a descobrir movimentos que iam além do eixo europeu. O pesquisador indica que após a década de 1990 o tropicalismo passou, pelo menos dentro de círculos mais intelectuais, a ser pauta frequente por suas características ligadas à globalização – idealizadas em um momento em que isso ainda estava longe de ser discutido.

No cenário brasileiro para ele o movimento também perdurou, sendo fundamental para a mudança de paradigmas que até então eram vigentes quando se trata de debates que envolvem transformações sociais. Para Cláudio é importante notar que as críticas comportamentais feitas pela Tropicália passaram a ser cada vez mais incorporadas no discurso político do País, pois, apesar de não serem criadores desses conceitos, foram eles que conseguiram trazer essa dimensão à tona por aqui.

“É uma herança, é algo que veio dessa época e desse movimento. nesse aspecto acho que ele foi um movimento vitorioso”, explica sobre os resultados obtidos pela Tropicália no longo prazo. E, de fato, atualmente quando se olha para a retomada conversadora nas esferas do poder público, questões de grupos identitários que dizem respeito ao comportamento são indiscutivelmente uma das mais relevantes.