Dentre muitas outras coisas, 2017 poderá se destacar como o ano em que a realidade virtual e a realidade aumentada despontaram nos mercados de todo o mundo. É fato que há pelo menos três anos já existiam ferramentas e devices capazes de suportar a tecnologia, mas sua popularidade deu um salto significativo este ano, ganhando mais espaço na produção cultural em diversas áreas que enxergam nela uma nova linguagem capaz remodelar esses segmentos. Para entender melhor essa emergência, a reportagem do iG procurou pessoas inseridas no circuito de produção e distribuição desse conteúdo.

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Realidade virtual pode transformar como enxergamos e entendemos o mundo ao nosso redor a partir das artes
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Realidade virtual pode transformar como enxergamos e entendemos o mundo ao nosso redor a partir das artes


O ano da virada

No mês de abril deste ano a Greenlight Insights , organização que acompanha o desenvolvimento da realidade virtual junto ao mercado e aos consumidores, emitiu um estudo mostrando que até o final de 2017 a indústria deveria faturar por volta de US$ 7,17 bilhões – e que em apenas 4 anos, para a alegria dos entusiastas do setor e dos investidores, esse valor deve aumentar mais de dez vezes. Segundo a previsão feita por eles, em 2021 a rentabilidade global da realidade virtual será de quase US$ 75 bilhões.

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As empresas de tecnologia , produtora e outras companhias já estão cientes de que a próxima grande onda no mercado provavelmente será a realidade virtual. Se por um lado os gigantes correm para aperfeiçoar os devices desenvolvidos para proporcionar essa experiência, ou outros os responsáveis por criar o conteúdo imersivo também já estão se movimentando para aderir à tecnologia antes que seja tarde.

A rede de cinemas IMAX, por exemplo, é uma das corporações que estão na dianteira desse mercado, oferecendo salas especiais com óculos de realidade virtual nos Estados Unidos – e, além disso, anunciaram em novembro de 2016 que irão investir US$ 50 milhões no desenvolvimento de projetos para esses acessórios.

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Para Janaina Augustin, diretora do núcleo Duas Telas da O2 Filmes, segmento especializado em multimídia que é pioneiro no Brasil em realidade virtual, a iniciativa tomada pelo IMAX reflete o atual momento desse nicho: a falta de projetos que atendam essa tecnologia ainda é um problema que o mercado enfrenta para atrair mais interessados. “Ainda falta conteúdo com o suficiente para uma empresa investir. O pessoal está começando agora”, explica.

Caminho das pedras

Uma tecnologia tão recente – e complexa – traz consigo uma série de obstáculos para quebrar a barreira de determinados circuitos e cair no gosto do mainstream. Todo o processo de produção e concepção de projetos em realidade virtual ainda é espinhoso: as questões técnicas exigem um alto grau de especialização, estudos e treinamentos, mas poucas são as pessoas que estão capacitadas para desempenhar funções ligadas à realidade virtual nos mais variados setores em que a tecnologia está sendo aplicada.



(Trailer do projeto "Step To The Line", feito pelo diretor Ricardo Laganaro da O2 Filmes, para o Festival de Tribeca)

Paula Perissinotto, idealizadora da FILE (Festival Internacional de Linguagem Digital), comenta que a manipulação desses sistemas é um fator central para a discussão da produção e da acessibilidade de conteúdo em realidade virtual. Familiarizada com artistas que exploram técnicas digitais há quase duas décadas, Paula comenta que enxerga certa resistência por parte dos artistas em explorar a ferramenta. “Para transcender o uso utilitário [da tecnologia] você precisa manipular a base da existência dela, que são os códigos”.

A visão de Janaina retifica o ponto em questão. A diretora afirma que, pelo menos no Brasil, não há profissionais capacitados para criação de filmes em realidade virtual no momento. Conforme conta, a O2 foi a primeira produtora nacional a investir na criação de uma equipe capaz de lidar com a tecnologia. “Nós fizemos um trabalho de evangelização. [...] Para trabalhar com isso a gente teve que chamar para dentro de casa os profissionais e fazer a capacitação deles aqui dentro”.

Limites do acesso

O debate sobre quem tem acesso à realidade virtual é extenso, pois envolve fatores que vão além de usufruir dos produtos. Uma das questões mais recorrentes quando se fala nisso é o alto custo financeiro que a tecnologia requer, tanto para ser feita quanto para ser consumida pelo público. Na ponta dos consumidores dessa equação o valor dos devices é o principal problema.

Um óculos HTC Vive, por exemplo, custa seis mil reais aqui no Brasil, sem contar os hardwares de ponta que são necessários para o processamento que sejam compatíveis com o aparelho. Entretanto, as empresas já fazem esforços para aliviar o bolso de quem quer experimentar a realidade virtual criando alternativas, como é o caso do Google Cardboard, um aparato simples feito de papelão que permite uma visualização mais rústica dos conteúdos. A crescente concorrência no setor também pode influenciar na queda dos preços – contudo, como aponta o relatório da Greenlight Insights , o maior lucro da indústria continuará a ser a vendas dos dispositivos e óculos de realidade virtual.

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Levantando ainda uma nova variável, a idealizadora da FILE comenta: “quando falo de acessibilidade, [falo] do acesso a produzir para essa plataforma”. Para ela é preciso por em perspectiva não apenas quem pode consumir esse conteúdo, mas quem terá o poder de produzi-lo no futuro. “Ter o acesso de um usuário é uma coisa, agora poder desenvolver aquilo é ainda mais poderoso. [...] São dois tipos de acesso diferentes”, explica.

Um universo de possibilidades

Paulatinamente a realidade virtual está conquistando seu lugar ao sol nas principais frentes de cultura do mundo e se apresentando para aqueles que poderão transformá-la em uma nova linguagem com potencial de revolucionar o mercado de comunicação. Abrindo as portas para explorar territórios de uma forma totalmente nova, a tecnologia está pondo à prova tudo àquilo que já se conhecia até hoje. “É como se você pegasse o conhecimento da sua vida inteira e jogasse fora”, reflete Janaina falando sobre o cinema .

 Importantes nomes do mercado audiovisual, como os diretores Steven Spielberg e Alejandro González Inãrritu, se renderam à realidade virtual e estão desenvolvendo projetos cinematográficos. Imersão nesse contexto é uma palavra chave para tentar desvendar o poder dessa ferramenta. A ONU, por exemplo, desenvolveu um núcleo de realidade virtual juntamente com diretor Gabo Arora que registrou, dentre outras coisas, os detalhes da vida dentro de um campo de refugiados sírios. “Você se coloca dentro um outro mundo. [...] O tipo de emoção que a realidade virtual provoca é muito mais forte do que quando você está do outro lado da tela. É uma máquina de empatia”, diz a diretora da O2.

(Projeto da ONU "Clouds Over Sidra", dirigido por Gabo Arora)

Relembrando sua experiência trazendo obras digitais para perto do público na FILE, inclusive trabalhos de realidade virtual, Paula comenta que para ela foi uma surpresa ver a aderência de audiências heterogêneas à experiência que ofereciam. “O público tem uma empatia imediata com essa linguagem, é uma comunicação imediata [...] é um espaço expositivo mais democratizado”.

Futurologia

Em um mercado em que quatro anos representam um salto de dez vezes mais faturamento de uma tecnologia, é difícil arriscar qualquer previsão. “Os próximos 20 anos vão ser uma loucura por conta da quantidade de coisas que vão surgir”, comenta Janaina em tom de brincadeira. De fato, não há limites para onde as empresas podem expandir o alcance da realidade virtual – tal qual não há amarras para artistas, diretores e programadores explorarem as infinitas possibilidades que se abrem diante deles.

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