Não é todo mundo que estreia na direção de longas-metragens adaptando uma crônica de Luis Fernando Verissimo . Nesse contexto, Hsu Chien (pronuncia-se Xu) estreou com sorte. “Ninguém Entra, Ninguém Sai”, principal estreia nacional nos cinemas neste fim de semana, é inspirado no texto “O Motel”, de Verissimo, e propõe uma comédia carinhosa com o Brasil e seus paradigmas.
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“O Brasil está andando em uma dinâmica tão dantesca que tudo que a gente escreveu lá atrás ganha uma dimensão apoteótica agora”, observa o diretor sobre seu filme. “ Ninguém Entra, Ninguém Sai ” é ambientado em um motel. Diversos personagens de procedências, classe social e faixa-etária diferentes ficam presos no motel enquanto o governo investiga uma ameaça biológica que pode ter seu epicentro no local. É natural enxergar vestígios de um comentário político aqui e acolá. Ainda que de maneira bem leve.
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“O motel é o grande personagem do filme”, contextualiza Chien. Para o diretor, a quarentena impõe aos personagens a necessidade de refletir e é daí que sai a força do filme. Alguns podem se surpreender com o grau de reflexão de Chien para viabilizar sua comédia e ele ostenta “A Montanha dos Sete Abutres” (1951), filme canônico das faculdades de jornalismo, como referência para “o carnaval” da situação e o filtro midiático que surge na esteira da ameaça do vírus.
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Vale a pena reparar na participação afetiva do jornalista Ricardo Boechat e às muitas deferências à cultura de reality show inerente ao momento social. É um recurso que valoriza o filme para além do riso fácil. E foi uma decisão consciente de Chien. Assim como a camada de “O Iluminado” que reveste a caracterização de Guta Stresser, que vive uma fanática religiosa, que trabalha como faxineira no motel, e que escala no fanatismo conforme a quarentena avança.
De caso pensado
Fazer um filme de comédia com um elenco com trânsito e fluência no gênero facilita e muito o trabalho de um diretor e Chien sabe disso. “Fomos atrás dos atores que queríamos. Cada personagem é muito particular”, observa antes de constatar que foi pura coincidência preencher seu filme com atores de “A Grande Família”, “Zorra Total”, “Porta dos Fundos”, “Vai que Cola”, entre outros humorísticos.
De caso pensado, o diretor revela que fez um trabalho muito intenso de lapidação de tom com seus atores. “Eu não poderia trazer eles do jeito que são porque ficaria um humor esquizofrênico”, confessa. “O ‘Porta’ tem um humor mais caustico, o Zorra, anárquico...”, continua.
O diretor ressalta um aspecto muito importante de seu filme, de como a figura feminina pauta o desenvolvimento da obra. De fato, todos os conflitos estão a reboque das personagens de Danielle Winnits, uma juíza que curte ser dominatrix na cama, Letícia Lima, uma jovem que sonha em casar, Mariana Santos, uma virgem em busca de uma aventura a la “50 Tons de Cinza” e Guta Stresser, a fanática contrária à sacanagem generalizada. O diretor se orgulha de apresentar variações do feminino e do feminismo em seu filme.
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“ Ninguém Entra, Ninguém sai ” pode ser percebida como uma comédia nacional como tantas outras que invadem os cinemas brasileiros, mas uma brincadeira, genial e generosa, com Sidney Magal demonstra que há uma singularidade que merece ser apreciada no filme. É um ganho tanto da comédia brasileira, em um contexto histórico, como do espectador em sua experiência cinematográfica.