A arte, em geral, sempre foi vista como um ambiente em que a voz dos desejos e anseios humanos podia ser ouvida, um reflexo da alma, um espaço propício para a desconstrução de conceitos morais rígidos que regem a sociedade e, por esse motivo, a sexualidade sempre foi um tema amplamente explorado. Hoje em dia, mesmo com a abertura de pensamentos e um diálogo mais amplo, algumas questões acerca dessa discussão ainda “incomodam” e, por isso, encontram um refúgio para se manifestarem no campo das artes.
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Poder feminino
Apesar de ter mais aceitação do que no passado, a sexualidade ainda não é vista com naturalidade, sobretudo quando o foco são assuntos mais marginalizados e segregados pela sociedade, como, por exemplo, os corpos femininos. Com a bandeira do feminismo, o coletivo Guerrilla Girls reivindica o espaço das mulheres nas artes como protagonistas de suas próprias narrativas, ao invés de serem objetivos de trabalhos criados por homens. Em um levantamento feito pelo grupo em 2014, apenas 20% dos artistas expostos nos maiores museus do mundo eram mulheres.
A disparidade entre a arte disponível criada por homens sobre mulheres e a falta de representatividade e, por conseguinte, de identificação, foi uma principais motivações para que artistas reivindicassem esse espaço e pudessem explorar suas próprias experiências em seus trabalhos. Lina Cruvinel é artista e a sexualidade feminina é o ponto central de sua produção que, segundo ela, surgiu a partir de sua individualidade, seus questionamentos e a vontade de explorar o tema.
Lovelove6 , criadora da série “ Garota Siririca ”, comentou sobre a tendência de ocupação desse lugar que, historicamente, sempre foi deixado de lado. “Ao longo dos últimos anos houve uma onda de artistas interessadas em uma produção de arte feminista”, disse. Apesar do assunto ainda ser controverso na sociedade, cada vez mais mulheres então lutando pelo reconhecimento de sua sexualidade, sobretudo no meio artístico.
Vozes LGBT
Mesmo com visões de que a arte é um ambiente para a quebra de paradigmas, ela, ainda, reproduz conceitos cristalizados na cultural. A narrativa hegemônica do ramo, em geral, privilegia a visão do homem heterossexual e, dessa forma, outras sexualidades são esquecidas pelos artistas, mas, com a ascensão e a força de movimentos LGBT , as portas estão começando a se abrir para tratar do tema.
Formado em artes visuais, Akira Takahashi dedicou parte de seus estudos para ressaltar uma vivência que, para ele, era fundamental. Ele fez uma série de ilustrações que, através do realismo, exploram principalmente a homossexualidade masculina e diferentes identidades de gênero. “[Minha motivação] talvez tenha vindo de um desejo suprimido e também uma grande vontade de tratar de um assunto que é lidado com muita hipocrisia pela maioria das pessoas”, comenta.
Preconceito velado
Sexualidade é – e sempre foi – um tema proibido, velado. É difícil encontrar um modo de se abrir sobre isso sem que haja reprovação de alguém. Foi através da arte que Lina encontrou um espaço onde podia explorar o assunto. “Dessa forma percebi como nós, seres humanos, somos muito sexuais”, relata ela sobre sua jornada no campo artístico. Mas, se a sexualidade é algo tão natural, por que ainda não é tratada com normalidade?
“É difícil separar a arte da comunidade em que ela está inserida”, comenta Akira sobre a recusa do tema mesmo no meio artístico. Mesmo dando voz para questionamentos e desejos, é impossível dissociar essas variáveis, pois não existem, socialmente, ambientes herméticos e que não mantenham um diálogo com outras áreas. “A sexualidade, em geral, é um tabu em todas as áreas do conhecimento”, reforça Lovelove6.
O preconceito com essa expressão artística é uma realidade e não pode ser ignorado, mas o que se pode aprender com elas? É necessário analisar suas raízes – viria ele da repressão ou da falta de debate? – e, com elas, criar novas narrativas que enfrentem construções sociais arcaicas. “Arte é um meio de questionamento, é subversiva, é um ato de resistência”, comentou Lina sobre sua perspectiva da importância de, através das artes, lutar contra visões deturpadas acerca da sexualidade.
Embora não exista uma definição sobre “o que é a arte”, é possível enxerga-la como um instrumento de conhecimento, de descoberta e, além disso, como um meio para explorar a própria individualidade das pessoas. O sexo está escancarado para quem quiser ver, mas, mesmo assim, ainda existem muitas proibições e estigmas que cercam sua expressão, principalmente em um nível individual. A arte, portanto, poderia assumir uma função quase didática nesse contexto – uma imagem que fala sobre sexo e prazer pode se tornar um meio de autoconhecimento para o espectador.
Existem limites?
A sexualidade por si só já pode causar desconfiança, mas quando se alia ao erotismo ganha outro patamar: praticas sexuais, prazer e fetiches são assuntos quase proibidos na esfera pública – e é exatamente esse limite da aceitação que muitos artistas exploram em seus projetos. Onde ficam os limites dessas categorias? Não existe um consenso sobre, mas, de modo geral, considera-se erótico tudo aquilo que proporciona algum tipo de excitação sexual – e, assim sendo, como delimitar algo que depende quase exclusivamente de uma percepção individual?
Nesse aspecto, como diferenciar expressões artísticas eróticas da pornografia, segmento tão “mal visto” pela sociedade? Todos os artistas entrevistados que tratam da questão foram unânimes com relação a isso: é impossível criar espaços mutuamente exclusivos para arte e pornografia. “Qualquer coisa pode ser arte”, reitera Akira. A fluidez do tema impede qualquer conclusão, mas, por outro lado, levanta inúmeras questões para reflexão. Explorar a sexualidade em sua coletividade – através da arte – ao invés de se fechar em aspectos particulares ainda é um grande tabu para a sociedade que, de certa maneira, não tem ferramentas suficientes para compreendê-la.