“A leitura feminista do século XX trouxe para o primeiro plano artistas que eram consideradas marginais por que não faziam parte da história patriarcal”. A frase é de Carolyn Christov-Bakargiev, historiadora, escritora e curadora americana, dita em cena do documentário “ Maria: Não Se Esqueça Que eu Venho dos Trópicos ”. Ela utiliza essa frase para explicar o contexto no qual Maria Martins estava inserida. Um dos maiores expoentes da escultura da primeira metade do século, Maria foi de tudo um pouco, mas seu reconhecimento, principalmente no Brasil, demorou a chegar. Morta em 1973, Martins ganha seu primeiro documentário, dirigido por de Francisco C. Martins e em exibição no Festival “É Tudo Verdade”.

Leia também: “As Falsas Confidências” problematiza as mentiras com boas intenções

Maria Martins entre suas obras. Carreira da artista é retratada em documentário exibido no Festival
Divulgação
Maria Martins entre suas obras. Carreira da artista é retratada em documentário exibido no Festival "É Tudo Verdade"

Uma pesquisa rápida na internet comprova que o mundo cibernético pouco sabe sobre Maria. E que pena. O documentário vem em boa hora, quando mulheres buscam, mais do que nunca, exemplos femininos em que se inspirar. E Maria Martins é inspiradora.

O filme mostra sua infância em berço de ouro, mas logo se dedica ao primeiro grande “escândalo” de sua vida: o desquite do então marido Otávio Tarquínio de Sousa e subsequente casamento com o embaixador Carlos Martins. A vida de embaixatriz levou Maria para muitos lugares no mundo, mas também a aprisionou em um mundo que não a pertencia. Foi assim, tentando escapar da missão de “boa embaixatriz”, que, vivendo na Bélgica, Maria começou a ter aulas de escultura . Seu trabalho começou a dar frutos, mas foi quando se mudou com o marido para os Estados Unidos que sua carreira mudou de vez.

Leia também: "Les Fantômes D'Ismael" abrirá Festival de Cannes de 2017

A vida de Maria é fascinante, e o documentário faz questão de mostrar isso. Contato com Carmen Miranda, pedidos de JK para Brasília, visita a Frida Kahlo , amizade com Picasso e relação com políticos americanos, tudo isso é mostrado no longa. Mas o que impressiona mesmo, além do talento de Maria, é claro, é a liberdade com que ela circulava pelo meio artístico, em um período em que ser uma mulher independente era algo raro.

Maria explorava e expunha a sexualidade em suas obras, e não demorou muito atraiu muitos artistas para o seu meio. O mais marcante deles foi o francês Marcel Duchamp , com quem manteve uma colaboração que ultrapassou as barreiras artísticas. O longa destaca, sem sensacionalismo, a provável relação entre os dois e o impacto que Maria teve na obra de Duchamp.

Reconhecimento

O documentário usa de artimanhas artísticas para dar o tom, como a trilha orquestrada para acompanhar a exibição de suas obras, além de encenar algumas de suas cartas e conversas com Duchamp, Clarice Lispector e artigos escritos para o jornal “Correio da Manhã”. Além disso, a atriz Malu Mader , que inicialmente dirigiria a obra, aparece em entrevista e revisitando suas obras em museus do mundo todo. Mas, esse recursos acabem sendo o ponto mais fraco do longa que, munido de um extenso acervo, entre fotos, imagens das obras, cartas e depoimentos da família, já consegue satisfazer a curiosidade por quem é Maria Martins.

Uma das obras mais famosas de Maria Martins,
Divulgação
Uma das obras mais famosas de Maria Martins, "O Impossível"

Ainda assim, esses momentos não estragam o documentário que, embora convencional na maneira linear e explicativa que retrata Maria Martins , também a engrandece e a destaca pelo que é: uma das maiores artistas brasileiras, e uma das maiores artistas surrealistas do mundo.

Leia também: Como a arte invade o debate sobre o gênero sexual?

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!