Projeto da vida de Martin Scorsese, “Silêncio” levou mais de 15 anos para ser produzido. Adaptado da obra de Shûsaku Endô, o longa-metragem observa o trabalho de formiguinha de padres jesuítas portugueses para evangelizar aldeões no Japão do século XVII. Jesuítas e o cristianismo eram tratados como inimigos de Estado por um país resistente aos avanços do Ocidente sobre o Oriente.
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Quando “ Silêncio ” começa, o padre Ferreira ( Liam Neeson ), mentor dos padres Rodrigues ( Andrew Garfield ) e Garupe ( Adam Driver ), está desaparecido e a igreja portuguesa recebe perturbadores relatos de que ele teria renegado Cristo e abraçado os costumes japoneses. Inconvicto, o padre Valignano ( Ciarán Hinds ) aceita enviar os pupilos de Ferreira para apurar o que de fato se passou com ele.
Chegando ao Japão, Rodrigues e Garupe têm contato com fiéis muito mais devotos do que imaginavam e têm contato, ainda, com os efeitos perniciosos do medo. “Por que, Deus, eles têm que ser submetidos à tão dura provação?”, se indaga Rodrigues quando vê camponeses sequestrados de seus vilarejos para serem torturados por oficiais do governo.
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Problematizando a fé
Reside justamente nesse conflito interno experimentado por Rodrigues a grande força de “Silêncio” enquanto cinema. Pode ser novidade para alguns, mas Martin Scorsese é um católico fervoroso. Superficialmente, o filme pode ser percebido como uma apologia do catolicismo, mas é uma dedução apressada. Aqui o cineasta de “ A Última Tentação de Cristo ” (1988) e “ Kundun ” (1997), incursões prévias do ítalo-americano pela espiritualidade, problematiza a fé e, a partir dessa proposta, questiona a estrutura do soft power. Nos níveis ocidental, em uma escala mais ampla, mas também dos Estados Unidos, maior profeta do american way of life. São ilações que Scorsese propicia com a finesse do grande artesão do cinema que é.
Este não é um filme de grandes conflitos, pelo menos não no escopo que o espectador foi canonizado pelo cinema americano. O litígio interno de Rodrigues, agravado por uma interpretação sensível, mas porosa de Garfield, move a narrativa. O jovem padre se vê mergulhado em uma crise profunda de fé. Do sentimento de utilidade à vaidade por se sentir ele mesmo um Cristo no Japão, Rodrigues se transforma por completo durante sua estadia no país. A serenidade que encontra na resignação, no entanto, responde pelo momento em que Scorsese se permite mais inflexivo e inconcluso.
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“ Silêncio ” é um filme que renuncia à agudeza dramática para se encontrar no detalhe. Se for possível explicar porque se crê em algo – e questões como fraqueza de espírito e martírio são bem adensadas pelo registro – este é o filme a fazê-lo.