“História humana foi abortada”, diz autor do livro “Psicologia Goethiana”
Para Antônio Marques, há pouco interesse na ciência espiritual em tempos de grande afã tecnológico. “Perdemos a liberdade”, observa sobre a natureza do processo de conhecimento vigente
Por Reinaldo Glioche | , iG São Paulo |
De Sigmund Freud a Irvin D. Yallom, passando por figuras tão díspares como Friedrich Nietzsche, Margaret Mead e Martin Seligman. A psicologia é um campo farto para teorias, debates e livros que abarcam teorias e debates. Antônio José Marques , médico antroposófico, autor de livros e artigos científicos e filosóficos e membro da Academia Juizforana de Letras, dilata essa prestigiosa lista com um livro que de modesto não tem nada.
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“ Psicologia Goethiana – Projeto de Sociedade que Todos Queremos” (Ed.Barany, 168 páginas) não objetiva exatamente doutrinar, mas instrumentalizar o cidadão para que ele possa, de fato, se considerar um cidadão do mundo. Para o autor, seu livro não deve ficar restrito à comunidade da psicologia. “(O livro) interessa a todas as áreas humanas, pois foi escrito como forma de resgate da compreensão moderna dos três elementos anímicos humanos (pensar - sentir - atuar) que interagem com o organismo social”.
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A seguir, a entrevista que o autor, especializado em antroposofia, do grego “conhecimento do ser humano”, concedeu por e-mail à reportagem do iG .
iG - O senhor poderia versar um pouco sobre a psicologia Goethiana, seus fundamentos e bifurcações com outras linhas mais consolidadas da psicologia?
Antônio Marques - Psicologia Goethiana não existe como especialidade terapêutica constituída dentro da Psicologia clássica e nem foi criação de Goethe. Esse termo foi criado por Rudolf Steiner para justificar a influência de Goethe sobre Schiller, que refletiram nas Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade. Afinal, poderia ser chamada de psicologia schilleriana, pois Schiller é o autor delas. Mas é o próprio Steiner quem responde que seu conteúdo deve ser caracterizado de psicologia goethiana, a partir de uma “observação pessoal e universal” que Schiller faz a respeito de Goethe.
O que visa a Psicologia Goethiana? Abrir seus dois braços: entender o ser humano como indivíduo que busca a liberdade e abordar o organismo social. Nesse sentido a Psicologia tem como objetivo primário a compreensão do indivíduo e objetivo final o benefício geral da sociedade. Do ‘indivíduo’ que se torna o centro da atenção, na conquista da liberdade, deve-se extrapolar para seu ‘comportamento’, como busca de adaptação ao meio em que vive. A finalidade deste livro: desenvolver a auto-educação a serviço da sociedade, para nos tornarmos cosmopolitas (kosmopolítes: kósmos + pólis) – cidadãos do cosmo ou cidadãos do mundo.
iG - É preciso ter bagagem na antroposofia para enveredar pela psicologia goethiana? Por quê?
Você viu?
AM - Realmente, graças à Antroposofia, se pôde conhecer que o caminho evolutivo ascensional da sociedade moderna foi abortado por forças poderosas do mal, que não querem que o ser humano cresça e evolua. Isso aconteceu a partir do Iluminismo - movimento intelectual europeu, surgido na França, que se espalhou rapidamente pela Europa e Américas durante o século XVIII, o qual buscava novo paradigma social àquele período que o precede; ou seja, a Idade Média, denominado de Idade das Trevas. Os ideais iluministas tiveram sérias implicações sócio-políticas, como o fim do colonialismo e do absolutismo; e marca o início da Idade Contemporânea e lança nova fase da História Mundial. Não foi um movimento isolado, mas está inserido num quadro de revoluções que se iniciaram na América do Norte (1770), difundindo-se para Inglaterra e Irlanda, Países Baixos, Bélgica, Gênova e finalmente França (1789), com seus três ideais: liberté - igualité - fraternité. Inclusive no Brasil ocorreram Revoluções, conhecidas como Conjurações: Mineira, Carioca, Baiana, dos Suaçunas e Pernambucana.
Por que essas revoluções não vingaram? Por que os três ideais revolucionários não foram executados na sociedade? Porque o 'príncipe' Kaspar Hauser não conseguiu realizar seu reinado na região de Baden (sul da Alemanha). A missão do 'príncipe' Kaspar Hauser seria implantar e estruturar as forças culturais humanas da época goethiano-schilleriana, e seu reinado seria uma vitrine para apresentar estes ideais sociais humanos ao mundo moderno - principalmente através d'As Cartas de Schiller. Com o hiato criado pela falta de Kaspar, coube à Rudolf Steiner a tarefa de levar a cabo a ideia da Trimembração do Organismo Social (vide Economia Viva e outros livros a respeito desse tema). Enquanto que Kaspar falaria para o mundo (ainda de uma forma ‘imaginativa’, em imagens, a partir de Schiller) e a repercussão seria fenomenal, coube a Steiner falar para a sociedade antroposófica (pode-se dizer ‘intra-muros’). A missão de Kaspar Hauser, como príncipe de Baden, caso se concretizasse, estabeleceria, através da cultura centro-européia, uma aliança que poderia ter recebido os impulsos culturais da ‘modernidade humanizada’ e favorecido sua expansão no seio da vida social mundial.
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iG - Quem seria o seu leitor primário? Em que termos seu livro contribui com profissionais de psicologia em busca de diversificação na sua prática?
AM - O livro Psicologia Goethiana interessa a todas as áreas humanas, pois foi escrito como forma de resgate da compreensão moderna dos três elementos anímicos humanos (pensar - sentir - atuar) que interagem com o organismo social, nas três esferas da liberdade - igualdade - fraternidade. Ou falando de uma forma moderna: liberalismo - democracia - socialismo.
iG - A ciência espiritual é a solução para esses dias de overdose tecnológica e superinformação?
AM - Atualmente as pessoas não se interessam pelas questões espirituais ou dizem que interessam, mas sem compromisso nenhum. Isso é reflexo do paradigma da visão materialista impingida por Kant, através das seguintes perguntas: "O que eu posso saber? O que devo fazer? O que tenho direito de esperar?". Para isso se necessita de um 'amo', uma autoridade, a ditar as normas e o que fazer. Ou seja, perdemos a liberdade.
iG - Como um leigo pode aplicar cotidianamente alguns dos princípios da psicologia goethiana?
AM - O que podemos fazer hoje a respeito do conhecimento do organismo social trimembrado? Quase nada. Já será de grande valia pelo menos a leitura, para entender que a história humana foi abortada. Schiller esboçou o Estado moderno humanizado (Organismo Social) baseado na compreensão dos “impulsos humanos trimembrados” (Psicologia Goethiana), nas suas famosas cartas.