Garota de programa transforma a vida do protagonista de “Amor de Puta”

Veterano do mercado editorial, Ricardo Daumas estreia como autor em “Amor de Puta”, que apresenta uma trama urbana, contemporânea e que reúne elementos suficientes para agradar quem gosta de uma boa história

Uma das grandes delícias da ficção é a possibilidade de pôr a realidade em perspectiva. Ricardo Daumas sempre quis escrever um livro. Mesmo formado em administração, migrou para a comunicação social e chegou ao mercado editorial construindo uma ponte para “Amor de Puta” (Ed. Sensus, 280 páginas), que marca sua estreia como escritor. O livro, nas melhores livrarias do país desde dezembro de 2016, é um exercício de autoanálise com forte inflexão da imaginação como só a literatura pode receber. 

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Deborah Secco em cena do filme 'Bruna Surfistinha'
Foto: Reprodução
Deborah Secco em cena do filme 'Bruna Surfistinha'

“O título na verdade foi a inspiração do livro”, observa o autor em entrevista ao iG sobre como surgiu o nome “Amor de Puta” . “O título é forte, sim; concordo! Impossível não reagir a ele. Alguns se assustam, outros se atraem muito, e isso é o que mais me agrada, não dá pra ficar indiferente”.

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Na obra que propõe um jogo de espelhos entre o Rio de Janeiro e São Paulo a partir das frustrações e anseios de João Maurício, um executivo insatisfeito com seu casamento e com seu trabalho, brinca com a curiosidade que o mundo da prostituição desperta. João Maurício é cativado pela vizinha do flat em que mora em Moema, Celeste, uma garota de programa que o instiga a sair da letargia em que se encontra. “Celeste é um agente catalizador da mudança de João. Nós encontramos várias celestes ao longo da vida, só que nem percebemos...”, observa.

O grande mérito da obra é essa contemporaneidade ardil que nos impele à leitura de uma prosa gostosa, despretensiosa, mas ressonante. Daumas escreve com o ímpeto de estreante, mas com a experiência de um navegante calejado. A comparação com “O Doce Veneno do Escorpião”, ensejada por Marcelo Duarte, escritor e editor, e por Jorge Tarquini, no prefácio, serve mais ao hype mercadológico que Bruna Surfistinha , inspira e projeta do que qualquer outra coisa. A seguir, alguns destaques da entrevista do autor ao iG .

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Metáfora do estado das coisas

Foto: Divulgação
Capa do livro Amor de Puta, já nas livrarias do País

Eu estava escrevendo outro trabalho que está inconcluso, mas é mais denso, e menos contemporâneo. Queria uma pausa para falar das coisas que estavam acontecendo a minha volta, do mundo corporativo que eu conheço tão bem e deste tempo de mudanças de valores, onde as pessoas confundem com frequência o que elas podem com o que elas devem e o que elas querem fazer, e esquecem-se do que aprenderam, se é que tiveram a oportunidade de aprender. Dai veio a frase pronta, amor de puta, como a metáfora de uma vida movida por relações de interesse, sempre, mesmo as que deviam ser mais puras, mais espontâneas.

Amor como remédio para a alma

Eu gosto de deixar as interpretações por conta do leitor, interferir nisso é quase uma desonestidade. Depois que o livro fica pronto, ele não me pertence mais, cada um interpreta e percebe como achar melhor, e normalmente o melhor é aquele que serve melhor á você, naquele momento. Como o livro trata de uma realidade muito comum a um grupo enorme de pessoas urbanas e contemporâneas é normal elas se identificarem com esse ou aquele personagem e fazerem as suas próprias leituras, e se isso acontece o livro alcançou seu objetivo máximo. Para mim, Celeste é um agente catalizador da mudança de João.

Rio x São Paulo

São Paulo trouxe sacrifícios e delícias inesperadas, e o Rio à distância, como tudo, sangrou seus defeitos. O mais interessante é que não foi um processo voluntário, mas João Maurício também não resistiu a ele, ele se entregou por absoluta falta de opção melhor, e nisso ele se reconstruiu. São Paulo não representava nada além de uma obrigação e o Rio era o berço amado, daqueles que a gente não tem coragem sequer de lançar um olhar de crítica, e essa bolha de espaço e tempo na qual ele se viu obrigado a viver deu a ele a chance de uma nova vida, e ele fez bom uso disso, me parece.

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Direto e reto

Leio um pouco de tudo, mas gosto de autores com textos diretos, populares, como Mario Vargas Llosa, Nelson Rodrigues, Hemingway, Saramago. Tento não ler nada quando estou escrevendo, pois é fácil se influenciar, mas é possível que esses aí eventualmente me referenciem.

A minha Celeste

Não vivi nada tão marcante nem tão interessante como o João em “Amor de Puta”. Acho que o mais dramático foi ter perdido uma prova de segunda época por ter esticado as férias por conta de uma moça sedutora, mas garanto que valeu a pena....