É curioso imaginar que filme seria “Jackie” se dirigido por qualquer outro cineasta que não o chileno Pablo Larraín , que escolheu o projeto para ser o seu primeiro em língua inglesa. Os Kennedy são o mito americano por excelência e Larraín filma como um estrangeiro que tenta entender esse mito maior que a vida. Mas não é só isso. Seu filme flagra e teoriza o momento em que Jackie deixa de ser uma Kennedy e precisa voltar a ser apenas Jackie.
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A palavra “teoriza” aí é importante porque esta não é uma cinebiografia. Não há qualquer compromisso com a retidão dos fatos, ainda que haja calculada atenção aos fatos históricos. “Eu já vivi bastante para saber a diferença entre a verdade e o que os jornais buscam”, diz a já viúva Jackie ao jornalista interpretado por Billy Crudup (emulando uma entrevista que ela fizera para a revista Life uma semana após a morte de seu marido). “Eu me contento com a versão mias crível possível”, devolve ele. Aí está! É sobre esse terreno que o filme de Larraín se movimenta.
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Temos três linhas narrativas evoluindo. A entrevista, as reações de Jackie à morte de John F. Kennedy, vivido por Gaspar Phillipson, e os arranjos para o funeral. É interessante observar como em uma linha vemos a primeira-dama enlutada, personagem que a mulher Jackie vestiu tão bem, na segunda vemos a colisão entre a primeira-dama e a mulher, e no terceiro vemos a mulher despida dos cerimoniais. Não à toa surge a figura de um padre (John Hurt) para ouvir suas confissões. “Há dois tipos de mulher. As que querem o poder no mundo e as que querem o poder na cama. O que me restou?”, indaga ao padre entre um lamurio e outro.
O que mais impressiona no filme é o grau de confiança que Larraín deposita na imagem. São poucos os cineastas a trabalhar a imagem, elemento vital no cinema, com o engenho do chileno. Outro fator que atesta a coragem do cineasta é o fato de seu filme não ser do tipo que ganha a simpatia do espectador logo de cara. Justamente por rejeitar fazer uma cinebiografia convencional, Larrain incorre no risco de perder o espectador acostumado a um cinema biográfico pouco provocador e muito lisonjeiro. “Nós somos apenas os bonitões. Podíamos ter feito tanta coisa e o que fizemos?”, desespera-se Bobby Kennedy, interpretado com a competência habitual por Peter Sarsgaard. “Olhe para você. Ridícula!”, dispara contra Jackie, indecisa sobre fazer ou não uma procissão para enterrar seu marido. Se há uma coisa que este filme não é lisonjeiro. Não que a figura da biografada não surja forte, vigorosa, mas a ideia não é reverenciar Jackie.
O trabalho de composição de Natalie Portman, por sinal, é dos mais impressionantes do cinema recente. Talvez desde que Jamie Foxx encarnara Ray Charles ou que Eddie Redmayne personificara Stephen Hawking. Diferentemente dessas duas atuações oscarizadas, Portman adentra o flagelo emocional da personagem com os dotes da grande atriz que é.
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Sem melodrama e sem qualquer catarse, “Jackie” é um filme que agrava o cinema que se pretende provocador e investigativo e justamente por isso faz por merecer, mais do que atenção, todos os prêmios possíveis.