Seja na televisão, no jornal ou nas redes sociais: o humor é algo sempre presente no universo do entretenimento . Com o surgimento da internet, assim como outras áreas, o gênero se resinificou, ganhando novos formatos e também uma maior amplitude do debate. Das charges às notícias cômicas, o humor se consolida como uma ferramenta de informação e um formador de opinião que já existe em vários formatos.
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Para Roberto Kaz, do The Piauí Herald , trazer humor para as notícias do cotidiano pode ser muito mais impactante: “isso consegue ser mais eficiente politicamente do que poderia ser uma coluna escrita sério”, afirmou em entrevista ao iG . Kaz, que trabalha no portal há um bom tempo, acredita que trazer a crítica com a ferramenta cômica tem um poder maior. “Eu acho que às vezes ele consegue ser mais eficiente que uma crítica sem humor. Esse é o poder do humor, ele tem um poder político porque ele penetra não só pela razão, geralmente como um texto, mas o humor entra pela emoção. Então eu acho dessa maneira ele consegue às vezes fixar de forma muito mais forte”, reflete.
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Esse caráter intrínseco ao humor de fixar uma crítica ou uma informação na memória do leitor também se reflete nas charges e quadrinhos. Para o chargista Junião, o fato desse gênero do humor trazer uma situação do cotidiano de uma maneira surpresa com outro recorte é um dos motivos pelo qual geralmente as imagens acabam ficando gravadas na mente dos leitores. “Na verdade a charge não é uma notícia, ela é um artigo. A charge leva a opinião do chargista, mas de uma maneira bem humorada”, comenta. “O humor nem sempre é para rir. Existe a crítica, existem camadas de entendimento no que se fala. A piada é uma coisa mais inocente, embora existam piadas que são preconceituosas. Então o humor tem que ser inteligente”, analisa o chargista.
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Para a professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Cintia Lima, o humor tem um potencial revolucionário. “A gente pensa nesse outro humor que visa criticar, que promove a reflexão e especialmente desestabilizar alguma estrutura. Quando pensamos nesse humor que desestabiliza, com certeza estamos pensando no humor como fonte de informação”, analisa. Cintia também é pesquisadora e estuda a história do humor, em especial, da participação das mulheres nesse cenário. Ela colabora com o site Lady’s Comic que busca trazer a irreverência dos quadrinhos feitos por mulheres e um pouco de toda essa história.
“A minha grande questão é que o humor das mulheres é absolutamente diferente dos homens, elas produzem a partir de uma premissa diferente, que o objetivo das mulheres não é ridicularizar o outro. É um humor que procura refletir, criticar e sensibilizar em relação a alguns temas”, comenta. “O humor para mim só existe enquanto humor na medida em que ele for crítico, reflexivo e subversivo. Enquanto ele desestrutura algo que seja considerado inato, estático na nossa sociedade hoje”, completa a pesquisadora.
O alvo da comédia
O teor cômico das produções humorísticas, entretanto, também enfrenta controversas. ”Acredito que o humor tem limite. Alguns assuntos não são feitos para serem tratados com humor, não se adequam a este tipo de conteúdo”, analisa Cintia. A mesma ideia também permeia o trabalho de Junião, que confessa se preocupar com o conteúdo das suas charges. “Uma vez que você é chargista você é um jornalista também e o chargista que pensa como jornalista tem que se preocupar com a qualidade da informação que passa para frente, com a veracidade do assunto. Então é lógico que vários cuidados tem que ser tomados”, revela.
Esse processo criativo do humor também intercala a discussão do que causa o riso dentro da sociedade, como explica Cintia: “A construção de outro tipo de humor, e pensando humor como a produção de alguém, tem como questão fundamental também a construção da sensibilidade em termos de riso”, comenta a historiadora. “Não tem como definir sobre o que alguém vai rir. O riso extrapola a objetividade. Então dentro dessa lógica de entender o humor como uma ferramenta de criticidade, de informação de conhecimento, nós temos a possibilidade de construir também uma outra sensibilidade para o humor”, afirma. “A premissa tem que ser também construir outra sensibilidade em termos de riso: o que me faz rir? Do que a gente ri, como a gente ri, com quem a gente ri. Que tipo de mecanismo dispositivo regulam esse tipo de discussão”, completa.
Para Roberto Kaz, que trabalha diariamente com as notícias mais quentes do cotidiano, o humor não pode refletir opressões ou alfinetar emoções intensas presentes na sociedade. “Eu acho que tem que bater em quem tá em cima, quem tá no poder. Se for usar imagens de minorias é talvez para criticar não as minorias, mas os preconceitos que se tem com as minorias. Acho que também não se deve fazer humor com tragédias, porque tem alguém que está sentindo muita dor, então acho que você não pode passar por cima disso”, explica.
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A posição do humor
Com o surgimento da internet, encontrar produtores de humor dos mais diversos temas ficou mais fácil. Junião, que já trabalhou em veículos tradicionais, comenta sobre como que essa ferramenta ajudou a ampliar a potência do humor. “Uma coisa que me chateava um pouco quando eu trabalhava para os veículos tradicionais era o espaço ao debate ligado aos direitos humanos. Às vezes não adianta só eu fazer uma charge, todo mundo tem que debater o assunto e eu via muito pouco espaço para isso”, comenta. “Com a democratização da informação, por mais que não esteja ainda perfeita, vejo que está abrindo um caminho para isso na internet. Você não fica dependente de grandes conglomerados. Hoje em dia a internet possibilitou a aproximação de grupos diferentes. Eu acho que essa coisa plural multidisciplinar é interessante”, revela o chargista.
Esse debate, por sua vez, às vezes engloba a parcialidade de muitos humoristas, ainda mais quando se trata de assuntos políticos. ”O que tem que ser debatido mesmo é dentro da sua parcialidade como você consegue ser plural, até que ponto você consegue falar de outras frentes que não são as suas de maneira honesta”, explica Junião. Já para a pesquisadora Cintia, a imparcialidade é algo impossível de ser alcançado. “O que a gente pode tentar fazer é ser justo, construir um humor justo e deixando clara as nossas intenções. Eu acho que em termos de produção, o humor não precisa e não deve tentar ser imparcial porque esse não é o objetivo desse tipo de ferramenta”, comenta.