É natural que artistas se lancem a novos desafios. É habitual vermos atores cantando, cantores atuando, compositores escrevendo livros e outros devaneios artísticos que vemos por aí. A memória é incapaz de alcançar, no entanto, uma aventura, que também podemos chamar de descoberta, como a proporcionada por “Ruído Branco” (Editora Planeta, 2016, 144 páginas), estreia da cantora Ana Carolina na literatura.

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Ana Carolina em imagem que estampa a capa de seu livro
Divulgação
Ana Carolina em imagem que estampa a capa de seu livro "Ruído Branco"

O livro revela uma poetisa aguda, cortante, em profunda sintonia com a alma humana. Capaz de elaborar versos fulminantes como “De mim estou alheio, enquanto meu desejo de ser outro me atravessa em cheio” e “Seu perdão não para de doer”  ou de pura brasa como “O homem que há em mim se apaixonou perdidamente pela mulher que sou”. Mas o grande capital de “Ruído Branco” é a maneira nova, oxigenada e extremamente apaixonante que revela uma Ana Carolina desconhecida, ainda que tão talentosa como a referência que temos da MPB.

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Dividido em quatro capítulos (Poesia, Prosa, Poesia Musicada e Caderninho), o livro tem prefácio de um poeta emérito. Fabrício Carpinejar anuncia: “Não conheço ninguém que seja tão bem um outro quanto Ana Carolina...é capaz dos mais lindos paradoxos e das mais estranhas certezas”. Conforme o leitor vai devorando o livro, e acredite que ele pede para ser devorado, a comunhão com a constatação de Carpinejar, de que a estreia de Ana Carolina como escritora já nasce antiga, coisa de veterana da escureza, vai ganhando forma.

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Ana começa pedindo para não ser lida. “Não sigo Justin Bieber no Twitter”, argumenta já revelando a bifurcação de ironia e sensorialidade que podemos esperar nas poesias que se seguirão. “Ruído Branco” é um livro para quem gostar de exercitar seu sexto sentido e até o sétimo. A prosa se revela amplamente intuitiva e inesperadamente saborosa. “Ausência”, em que revela a angústia de ser observada e brinca com o fato de estar sendo concretada pelo olhar alheio, é um triunfo de sensibilidade e insinuação. O erotismo suave de “Meias-irmãs” rivaliza com a nostalgia borbulhante de “Outubro” e nos faz palpitar pela vida amorosa de uma mulher que sabe nos cativar com a rima de suas inseguranças com seus desejos.

Ana Carolina
Reprodução/Twitter
Ana Carolina

As prosas são entremeadas por pinturas da própria Ana Carolina e não estranhe se seu olhar se demorar sobre eles. O vermelho está sempre lá, convidativo, queimando nossa curiosidade.

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Poesia Musicada, o terceiro capítulo, se prova mais um exercício de estilo do que qualquer outra coisa. O que não lhe priva de mérito. “A Pele” é especialmente embriagante na jornada louca e absoluta que propõe. O último capítulo é um achado. Caderninho recupera poesias escritas entre 11 e 12 anos e escancara que “Ruído Branco” estava fadado a existir há muito tempo.

A estreia de Ana Carolina como escritora não merece ficar circunscrita aos seus fãs. Tem potencial para converter muita gente. “Ruído Branco” tem poesia, tem prosa e tem muito sentimento. Essa mistura, geralmente arretada, resulta em um livro particularmente saboroso para todos aqueles que se permitem tocar pela beleza alheia. 

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