É natural que artistas se lancem a novos desafios. É habitual vermos atores cantando, cantores atuando, compositores escrevendo livros e outros devaneios artísticos que vemos por aí. A memória é incapaz de alcançar, no entanto, uma aventura, que também podemos chamar de descoberta, como a proporcionada por “Ruído Branco” (Editora Planeta, 2016, 144 páginas), estreia da cantora Ana Carolina na literatura.

Leia mais: Maju lança livro e vê futuro como escritora: "Trabalho insano, mas enriquecedor"

Ana Carolina em imagem que estampa a capa de seu livro
Divulgação
Ana Carolina em imagem que estampa a capa de seu livro "Ruído Branco"

O livro revela uma poetisa aguda, cortante, em profunda sintonia com a alma humana. Capaz de elaborar versos fulminantes como “De mim estou alheio, enquanto meu desejo de ser outro me atravessa em cheio” e “Seu perdão não para de doer”  ou de pura brasa como “O homem que há em mim se apaixonou perdidamente pela mulher que sou”. Mas o grande capital de “Ruído Branco” é a maneira nova, oxigenada e extremamente apaixonante que revela uma Ana Carolina desconhecida, ainda que tão talentosa como a referência que temos da MPB.

Leia mais:  Charlie Hebdo será mais agressivo em 2017, diz diretor da revista

Dividido em quatro capítulos (Poesia, Prosa, Poesia Musicada e Caderninho), o livro tem prefácio de um poeta emérito. Fabrício Carpinejar anuncia: “Não conheço ninguém que seja tão bem um outro quanto Ana Carolina...é capaz dos mais lindos paradoxos e das mais estranhas certezas”. Conforme o leitor vai devorando o livro, e acredite que ele pede para ser devorado, a comunhão com a constatação de Carpinejar, de que a estreia de Ana Carolina como escritora já nasce antiga, coisa de veterana da escureza, vai ganhando forma.

Ana começa pedindo para não ser lida. “Não sigo Justin Bieber no Twitter”, argumenta já revelando a bifurcação de ironia e sensorialidade que podemos esperar nas poesias que se seguirão. “Ruído Branco” é um livro para quem gostar de exercitar seu sexto sentido e até o sétimo. A prosa se revela amplamente intuitiva e inesperadamente saborosa. “Ausência”, em que revela a angústia de ser observada e brinca com o fato de estar sendo concretada pelo olhar alheio, é um triunfo de sensibilidade e insinuação. O erotismo suave de “Meias-irmãs” rivaliza com a nostalgia borbulhante de “Outubro” e nos faz palpitar pela vida amorosa de uma mulher que sabe nos cativar com a rima de suas inseguranças com seus desejos.

Ana Carolina
Reprodução/Twitter
Ana Carolina

As prosas são entremeadas por pinturas da própria Ana Carolina e não estranhe se seu olhar se demorar sobre eles. O vermelho está sempre lá, convidativo, queimando nossa curiosidade.

Leia mais: Vencedor da Palma de Ouro, "Eu, Daniel Blake" critica Estado burocratizante

Poesia Musicada, o terceiro capítulo, se prova mais um exercício de estilo do que qualquer outra coisa. O que não lhe priva de mérito. “A Pele” é especialmente embriagante na jornada louca e absoluta que propõe. O último capítulo é um achado. Caderninho recupera poesias escritas entre 11 e 12 anos e escancara que “Ruído Branco” estava fadado a existir há muito tempo.

A estreia de Ana Carolina como escritora não merece ficar circunscrita aos seus fãs. Tem potencial para converter muita gente. “Ruído Branco” tem poesia, tem prosa e tem muito sentimento. Essa mistura, geralmente arretada, resulta em um livro particularmente saboroso para todos aqueles que se permitem tocar pela beleza alheia. 

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!