Com quase 20% do Pantanal destruído em terras brasileiras, o ano de 2020 já pode ser considerado o pior da história desse bioma em número de queimadas, afirma o Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais). Até 19/9, 2,9 milhões de hectares foram consumidos pelo fogo, algo equivalente a quase 10 vezes o tamanho das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro juntas. Esse é mais um reflexo da sexta extinção em massa – que está ocorrendo por ação da humanidade.
Em meio a essa destruição, no Mato Grosso, o Parque Estadual Encontro das Águas, também foi duramente afetado e até o último dia 13 perdeu 85% de seu verde para as chamas, informa o ICV (Instituto Centro Vida). Essa região, além de ser um dos maiores refúgios de onças-pintadas livres do planeta, também é um importante destino turístico de observação da vida selvagem. Por lá, vire e mexe são produzidos documentários como os da National Geographic.
O retrato da onça
Ainda não é possível calcular quantos animais morreram em decorrência dos incêndios no Pantanal, mas pelas imagens captadas, principalmente do alto, é possível ter uma noção. E como toda grande tragédia tem seus retratos históricos, os de agora estão surgindo pouco a pouco. São várias cenas tristes que ficarão para a posteridade e entre elas uma viralizou – e continua – por mostrar o sofrimento de uma onça-pintada.
A imagem do maior felino das Américas e que já foi um deus para os antigos povos indígenas, em apenas uma publicação no Twitter chegou a ter 80 mil curtidas. Foi compartilhada em peso nas redes sociais principalmente por gente famosa, como Carlinhos Maia, Guilherme Boulos e Manuela D’avila e estampa diversas manchetes relacionadas a esse assunto. Ailton Lara, diretor da empresa de turismo Pantanal Jaguar Camp e que captou o sofrimento da onça, disse que espera com o flagrante mobilizar as pessoas para que preservem e se atentem à natureza.
No dia da foto, feita na última semana, Lara contou que estava em um barco com membros da Aecopan (Associação Civil de Ecoturismo no Pantanal Norte ) à procura de bichos do Parque Encontro das Águas vitimados pelo fogo. O objetivo do grupo, unido em voluntariado, era socorrê-los, e foi então que durante a missão a onça-pintada cruzou o caminho deles.
Machucada e exausta
O animal, um macho, surgiu perto do rio, mas com a aproximação do barco se distanciou alguns metros e parou fragilizado sob a sombra de uma árvore. Lara e os companheiros então ficaram em silêncio e se mantiveram a uma margem segura para observar o predador. Foi dessa forma que foi produzida a foto, que acabou também revelando um triste diagnóstico.
De acordo com Lara, o animal, que se manteve deitado, com um olhar cabisbaixo e sem rumo, deixava as patas voltadas para cima, como se não pudesse tocá-las no solo. A explicação para esse comportamento atípico, ele descobriu em seguida, após notar também que a onça não encontrava uma posição confortável para ajeitar a cabeça e o corpo, é porque ela estaria com muita dor por estar com os coxins (as “almofadas” sob as patas) severamente queimados.
Sem equipamentos suficientes para conter e resgatar o “bichano”, que tem a mordida mais forte entre todos os grandes felinos, o grupo então acionou veterinários voluntários para ajudá-los. Porém, não tiveram tempo de prestar socorros. Após descansar, a onça acabou se levantando e, devagar, aparentando ainda sofrer com as queimaduras, entrou na mata e sumiu. Procurada no dia seguinte, não foi avistada. Somente suas pegadas e muitas cinzas.
Salva apenas na nota
Se onças-pintadas têm aos montes nas notas de R$ 50 (desde o lançamento do Plano Real em 1994), na natureza elas estão escassas. Nem acuadas pelas chamas e a fumaça, desidratadas e com fome estão sendo localizadas facilmente. Os regastes desses animais têm sido bem pontuais e dramáticos, envolvendo até mesmo operações com helicóptero e aviões militares.
Com os incêndios da Amazônia e do Pantanal, com destaque para o Parque Estadual Encontro das Águas, que tem o tamanho da cidade do Rio de Janeiro (109 mil hectares), o risco é que a espécie, que já se encontrava ameaçada, se aproxime ainda mais da extinção. É que onde queima hoje, as onças estavam um pouco melhores em população, ao contrário do que na Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica, onde, em média, 800 delas estão distribuídas.
Se sumirem, também é quase certo um desequilíbrio ecológico. Pois sem elas no topo da cadeia alimentar, suas presas aumentarão de número e isso não é só um problema para a natureza. Como já foi observado algumas vezes na História, quando faltam onças, as capivaras, por exemplo, podem se reproduzir em larga escala e assim não só atacar plantações como aumentar a incidência de doenças, como a febre maculosa, que já rendeu até um surto no ano passado. Bem, é melhor parar por aqui, pois o assunto só piora...
Fontes: Sites ISA - Instituto Socioambiental, Ministério da Defesa, Universidade Federal do Mato Grosso, TV Tem, TV Centro América, programa Fantástico, Jornal Nacional, Panthera.org, Pantanal Jaguar Camp, Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais) e Instituto Centro Vida.