Por trás da frequente roubalheira de dinheiro público no Rio de Janeiro – como no Brasil inteiro – é muito comum haver o envolvimento de facções políticas. Geralmente elas são comandadas por governantes poderosos, e quando alguém é descoberto e preso, são eleitos sucessores para continuar o “serviço”. Isso me faz lembrar os ataques seguidos de roubos polpudos que ocorriam no passado por aqui, só que envolvendo piratas e nações europeias. 

No início do século XVIII, os franceses Jean François Duclerc e René Duguay-Trouin eram bem conhecidos e temidos. Piratas corsários, eles detinham uma carta de corso, ou seja, uma “autorização” do seu país de origem para atacar e saquear embarcações de nações rivais carregadas de tesouros extraídos das colônias. Em retribuição, como viravam cidadãos legalizados, não podiam atacar seus apoiadores e ainda entregavam a eles parte da pilhagem.

Rio vivia uma era reluzente

Os piratas tinham motivos para estar de olho na Cidade Maravilhosa. Em meados da década de 1700, ela possuía um “brilho” que interessava muito às grandes potências europeias. Com a recente descoberta de ouro em Minas Gerais, a posição estratégica do Rio de Janeiro serviu para a abertura de uma estrada fundamental para suprir as minas e receber delas e escoar para o porto, principalmente os minérios que abasteciam os navios que partiam para a Europa.

Foi o tráfego intenso de matéria-prima, mas também de gente e mercadorias pelo chamado “caminho novo”, que se estendia da Baía de Guanabara até a região atual de Ouro Preto, em Minas Gerais, que fez o Rio de Janeiro prosperar. A região, que não era muito desenvolvida e chegou a enfrentar momentos de aperto no século anterior, em pouco tempo adquiriu uma importância para a Coroa portuguesa, que passou a tratá-la como sua “queridinha” no Brasil. 

Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, no Velho Mundo, a França recebia as notícias e se contorcia. Havia 200 anos que ela desejava ter uma base comercial no litoral do Brasil. Tentou no começo usar da diplomacia para pressionar Portugal, mas não funcionou. Contrariada e tendo gastos financeiros por estar em guerra, passou a maquinar estratégias e, veladamente, usou aliados para executá-las. Entre suas apostas, aumentou a distribuição de cartas para os corsários. 

Inimigos vindos da França

Em 1710, François Duclerc, que atuava na costa de Pernambuco e obteve êxito nas ofensivas contra navios portugueses, resolveu dar um passo maior e se dirigiu para o Rio de Janeiro. Ele esperava tomar a cidade com a participação de mais cinco navios corsários e cerca de mil homens. Porém, encontrou uma cidade bem informada de sua chegada e que já o esperava.

Isso não significava, porém, que o Rio de Janeiro estivesse preparado, longe disso. Uma carta enviada ao rei de Portugal, Dom João V, relatava que as fortificações da cidade estavam em péssimo estado ou inacabadas e que faltavam armamentos, navios e soldados para enfrentar os inimigos. Como o rei ignorou a situação, o governador Francisco de Castro Moraes decidiu então que a defesa seria feita com o que havia de disponível e pediu o apoio da população. 


Por muita sorte, algum planejamento e erros cometidos pelos adversários, a vitória carioca foi garantida dias depois. Os franceses, pegos pela inesperada reação dos habitantes, que os atacaram enquanto se deslocavam exaustos e perdidos pelas ruas da cidade, acabaram mortos ou rendidos. François Duclerc, que era o comandante, também não escapou e foi assassinado.  

Revanche pirata funcionou
Em 1711, porém, veio a retaliação. Em setembro, o corsário René Duguay-Trouin, bancado por nobres e incentivado pelo próprio rei Luís XIV da França, chegou ao Rio junto com quase seis mil homens distribuídos entre 15 a 18 navios carregados de canhões e armamentos. Com o mesmo objetivo de Duclerc, ele não queria apenas saquear as embarcações portuguesas, mas a cidade inteira. Sua porta de entrada acabou sendo a Ilha das Cobras, na Baía de Guanabara.

De lá, ocupou o restante do território sem dificuldades, afinal boa parte da população fugiu ao perceber que não havia como enfrentar tamanha ameaça. Nem mesmo as autoridades ficaram. Os piratas permaneceram na cidade por dois meses e, nesse tempo, causaram saques, homicídios, estupros e vandalismos diversos. Para não reduzir tudo a cinzas, Duguay-Trouin exigiu um abastado resgate em dinheiro, mas também escravos, cargas de açúcar, ouro e bois. 

Libertou o Rio de Janeiro após o pagamento e de lá partiu para seu país, que o presenteou com uma estátua de 4 metros no Palácio de Versalhes. Quanto ao povo brasileiro, foi quem pagou a conta. Perdeu tudo e ainda foi taxado de impostos pelo rei de Portugal, que não queria sair no prejuízo. Já o governador do Rio teria até participado de um esquema com os franceses para ajudá-los a revender para as vítimas o que tinha sido delas e não cabia nos navios já lotados.  

Fontes: Site do Ministério da Defesa, do Exército Brasileiro; e livros “Landolphe - Corsaire Suivi Du Clerc a Rio de Janeiro (1710)”, de Henri Malo; “O Porto e a Cidade: o Rio de Janeiro entre 1565 e 1910”, de Maria Isabel Lenzi, Núbia Santos e Cláudio Figueiredo; “Memoires de Monsieur du Guay-Trouin, Lieutenant Général des Armées de France, et Comandeur de l'Orde Militaire de Saint Louis”, de René Duguay-Trouin.

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