Se o papa Francisco segue firme e forte durante a pandemia de coronavírus, Bento XV, seu antecessor de um século atrás, não sobreviveu a uma gripe fatal, possivelmente a espanhola, que foi de longe muito pior que a Covid-19 em número de mortes e contágios. Ele morreu no início da década de 1920, cerca de oito anos após ser eleito e enquanto o mundo se recuperava lentamente da passagem devastadora de um subtipo do vírus influenza.
Mas Bento XV não foi o único papa vítima de uma doença com potencial pandêmico. O 63º papa, Pelágio II, morreu com a bactéria da peste negra, que ceifou entre 75 e 200 milhões de vidas no século XIV. Já pontífices como Clemente VI e Gregório I enfrentaram pandemias e sobreviveram. Para isso, eles testaram de tudo, desde purificar o ar a isolamento com fogo.
Papa da gripe espanhola
Bento XV, que teve seu nome adotado pelo atual papa emérito Bento XVI (também em pandemia), assumiu o trono da Igreja em 1914, no ano em que a Primeira Guerra estourou. Antes de contrair o vírus mortal e encontrar São Pedro, ele ainda teve tempo de canonizar a guerreira injustiçada Joana D’Arc, que virou padroeira da França, e se posicionar contra a guerra, que chamou de “uma matança inútil”. Entrou para a história como o “papa da paz”.
Quanto à gripe espanhola, que teve início em 1918 e durou cerca de dois anos, para somar esforços ao seu combate, colocou o clero católico para prestar assistência aos enfermos e torrou as receitas da Igreja para alimentar órfãos e necessitados, em miséria com a guerra. Como resultado, a instituição religiosa entrou na década de 1920 praticamente zerada.
Em 5 de janeiro de 1922, após ter celebrado uma missa num dia chuvoso, o papa relatou se sentir gripado e passados sete dias caiu de cama com broncopneumonia, febre alta e tosse. Nos dias que se seguiram, apresentou delírios, a ponto de não reconhecer pessoas próximas, e com o coração fraco, entrou em coma e morreu. Pertencia ao grupo de risco. Tinha 67 anos.
Levado pela ira de Deus
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Se hoje o papa Francisco afirma que a pandemia é uma “resposta” da natureza às ações do homem, no passado, quando nem a medicina moderna existia, o posicionamento da Igreja era outro, de serem “vinganças divinas”. E eram os mais pobres que principalmente acreditavam.
De uma dessas “vinganças” nem o conservador papa Pelágio II escapou. Ele, que trabalhou para promover o celibatarismo do clero e tornar obrigatória a cobrança do dízimo em todos os países-estados católicos, morreu em 590 d.C em meio a um surto de peste bubônica que ficou conhecido como a “praga romana”. O pontífice teria sido a primeira vítima dessa doença, interpretada como punição aos governantes corruptos e iniciada no território bizantino.
Menos de 50 anos antes, durante o império de Justiniano, uma pandemia de peste afetou Europa, norte da África e Ásia e estima-se que tenha exterminado entre 25 e 100 milhões de pessoas e 40% da população mediterrânica. Conhecida como a “praga de Justiniano”, ela é considerada a primeira de todas as pandemias e não só pode ter originado a continuação epidêmica que matou o papa Pelágio II, como também durado até mais de dois séculos.
Capricharam na proteção
Com a morte de Pelágio II, foi eleito o papa Gregório I, que reviu as regras de seu antecessor e, para abrandar os céus e tentar “eliminar” a peste do ar, organizou uma série de procissões pelas ruas de Roma que culminaram em infecções e mortes aos montes. A ameaça invisível causava tanto medo, que nessa época também foram “vistos” anjos, serpentes e dragões.
Na baixa Idade Média, no século XIV, a peste voltou a dar as caras novamente – e para valer. Como não existia vacina, a Igreja prescrevia mais procissões. A população não satisfeita também partiu para tudo o que lhe dava na cabeça, como apostar em autoflagelos e punir judeus, ciganos, leprosos e quem mais pudesse servir de bode expiatório e pagar pelo mal.
O número de adeptos dessas práticas aumentou tanto que Clemente VI, papa entre 1342 e 1352, precisou intervir para contê-los e evitar ainda que se rebelassem contra as doutrinas santas. Quando a peste bateu à sua porta, o pontífice temendo pela própria vida, aceitou um conselho médico e se trancou em seus aposentos. Se rodeou com piras e bacias de óleo ardendo em chamas e depois se retirou para o campo, na região francesa de Avignon.
Fontes: Livros “L’influenza spagnola: La dimensione globale, il quadro nazionale e un caso locale”, de Francesco Cutolo; “Roman Plague of AD 590”, de George C. Kohn; “1348 - A Peste Negra”, de José Martino; “Saints & Sinners: A History of the Papas”, de Eamon Duffy; e documentário “A Peste Negra na Idade Média”, do History Channel.