Milhem Cortaz expôs detalhes de sua vida. Consagrado nos filmes Carandiru e Tropa de Elite, o ator revelou que sofreu durante 28 anos com crises de pânico e, em meio às recomendações de seu médico para tomar 10 miligramas de Pondera, na pandemia buscou relaxar fazendo pão na padaria que abriu na garagem de casa. "Entro na minha padaria e é igual às três horas que antecedem o espetáculo no camarim", contou.
Diante disso, Milhem marca seu retorno ao teatro após uma década em seu primeiro monólogo: Diário de um Louco, texto do russo Nikolai Gogol, que estreia dia 10, no CCBB do Rio e é dirigido por Bruce Gomlevsky.
"Sou uma pessoa louca, cheia de lugares que habitei sendo artista. Não é fácil fazer essa peça, falar sobre isso. Tinha altos pânicos no meio dos ensaios. Nem falei para o Bruce... Ficaram impressionados com o tremor da minha mão. Na verdade, estava tendo uma ansiedade do tamanho do mundo, mas protegido pelos deuses do teatro", revelou em entrevista ao jornal O Globo.
Questionado sobre quando se sentiu mais próximo da loucura, o ator de 50 anos expõe: "Cheguei perto no sentido de impotência, de não saber mais o que fazer. Até que a sobrevivência te faz entender. Está vivendo aquilo, precisando resolver, se esforçando, dando tudo. Quando está no limite, vive o vazio. Esse vazio que deprime. A arte me deu força para vencer isso. Você vai para um ensaio sem saber o que está fazendo, fica desesperado porque não está fluindo, até que uma hora flui", disse.
Na TV, o telespectador pode vê-lo na série do Globoplay Os Outros, de Lucas Paraízo, com direção de Luisa Lima. O projeto devolveu ao ator o prazer do ofício após um período de crise, que o fez questionar a vocação.
"Sou casado há 23 anos (com a artista circense Ziza Brisola), tenho uma filha (Helena, de 15 anos). Mas de onde vêm essas doenças da depressão? De uma solidão que, no mundo de hoje, não tem como não ter. Esse vazio que tem do meu sentimento até chegar no outro. Um vazio que nos deixa perdido. É um vácuo."
E conta como se identifica com o personagem em Diário de um Louco: "Para chegar no personagem, passo por um papo comigo mesmo, minhas inseguranças, da falta de as pessoas te compreenderem, te acharem louco. Acho que sou confundido com essa loucura. Se o personagem, que é lá de 1800, tivesse (Síndrome de) Tourette, ninguém saberia. Taxariam de louco e pronto. E ele é tão inteligente, as coisas que fala são de uma sanidade... Essa clareza o deixa completamente sozinho no mundo.", contou.
"Fui para o inferno muito cedo"
Aos 15 anos, Milhem sofreu um acidente em que foi parar embaixo de um caminhão, após noitada regada a cocaína. Momento em que sua mãe o mandou para a Itália e lá teve um "encontro com Deus".
"Só pode ter sido um encontro com Deus. Um rapaz que estava saindo do Brasil quase expulso pela família de forma amorosa... Me mandaram para a casa da minha tia por causa de drogas. Usei dos 11 aos 15. Fui para o inferno muito cedo, o que me amadureceu muito rápido. Um dia antes da viagem, tinha feito loucuras. Chegar na Itália e nunca mais usar, canalizar minha loucura para um caminho produtivo, é meu encontro com Deus. Porque, juro, saí do Brasil viciado e entrei na Itália uma pessoa normal. Nunca mais cheirei. Eu não bebo. O teatro organizou toda a minha loucura. Virei ator na Itália", contou.
Sobre ter sofrido abuso sexual, o ator impõe condição: "Depois que minha mãe se for, eu falarei. Tenho toda a liberdade em relação à minha companheira e à minha filha, sei que não vou envergonhar ninguém. Tenho muita vontade de falar, mas pela minha mãe, prefiro não falar agora", disse.
* Texto de Lívia Carvalho
Lívia Carvalho é estudante de Jornalismo e apaixonada por cultura pop. Antes de entrar no time da coluna, foi produtora, apresentadora e repórter no programa Edição Extra, da TV Gazeta. Siga Lívia Carvalho no Instagram: @liviasccarvalho