Cineasta que costuma emular grandes mestres do cinema e mudar radicalmente de tema e gênero de um filme para o outro, François Ozon está de volta com “Graças a Deus”, uma espécie de versão francesa e mais dantesca do vencedor do Oscar “Spotlight – Segredos revelados” .
Nos dois filmes casos de pedofilia envolvendo padres e o acobertamento institucionalizado da igreja católica estão no centro da ação. Em “Graças a Deus” , no entanto, o foco está mais nas vítimas e no esforço por elas impetrado para que possam se sentir vítimas e para chamar a igreja à responsabilidade, enquanto que no filme americano o interesse se debruçava mais sobre o procedural jornalístico.
O longa de François Ozon retrata as histórias de Alexandre Guérin, François Debord e Emmanuel Thomassin, que foram vítimas do padre Bernard Preynat, da arquidiocese de Lyon, na França. Os três denunciaram os abusos sofridos entre 1986 e 1991, quando eram menores de idade, apenas em 2015.
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Por meio da criação da associação La Parole Liberée mais de 70 vítimas denunciaram os abusos sofridos. Em março de 2018, o cardeal francês Phillipe Barbian, arcebispo de Lyon, foi condenado a seis meses de prisão por não denunciar as agressões sexuais cometidas por Preynat.
Ozon recria todos esses eventos, mas seu interesse está menos na reconstituição histórica dos fatos e mais nas tensões, de foro íntimo e social, escancaradas por esse movimento. Sua direção, como de hábito rigorosa e vistosa, pontua logo de partida a enrolação do cardeal Barbian para com o empenho de uma das vítimas em obter algum tipo de reparação fática por parte da igreja. No fim, esse mesmo personagem tem um diálogo com seu filho, uma cena aparentemente banal, em que pontua sobre a personalidade do ano na cidade que dá a exata dimensão do comentário de Ozon.
Este não é um filme anticatólico, como muitos podem intuir precocemente, mas que tenta com bastante desprendimento se aprofundar em um debate ainda muito resguardado nos dias atuais. Que busca ângulos variados e necessários para tangencia-lo da maneira mais produtiva possível.
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“Graças a Deus” é, por fim, um elogio da mobilização humana para atualização de legislações e o nome do filme está diretamente vinculada a uma frase do cardeal sobre a questão da prescrição dos crimes cometidos pelo padre. Mais uma sutileza cheia de (boa) malícia de Ozon.
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Ficha técnica
Nome original: Grâce à Dieu
Gênero: Drama
País: França
Duração: 133 minutos
Classificação etária: 14 anos
Direção: François Ozon
Roteiro: François Ozon
Elenco: Melvil Poupaud , Denis Ménochet e Swann Arlaud
Estreia: 20/06/2019