Dinheiro, vítimas e impunidade: o esquema de golpe dos influenciadores
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Dinheiro, vítimas e impunidade: o esquema de golpe dos influenciadores

Desde a ascensão das redes sociais e o acumulo de influência na mão de alguns usuários, as celebridades da web estão sendo contratadas para divulgar produtos de determinadas empresas. A famosa "publi" virou a fonte de renda desses usuários que chegam a colecionar milhares de fãs nas redes sociais.


No rádio, na TV e no jornal impresso, a existência de publicidades em meio ao conteúdo é algo comum. No Brasil, o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) também legitima publicidade nas redes sociais, desde que elas sigam as devidas regras de sinalização de conteúdo pago. Entretanto, influenciadores estão utilizando o poder da influência para divulgar sites fraudulentos aos seguidores.

A fome do dinheiro

Em 2022, o Brasil registrou 8,6 milhões de desempregados segundo o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estudo também apontou que 62,5 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, número que corresponde a 29,4% da população total.

Em 2021, o Banco Mundial considerava linha da pobreza pessoas que ganhavam até R$ 486 por mês. Nesse cenário, não há dúvidas de que parte da população brasileira se desdobra na tentativa de ganhar dinheiro.

E quem não quer uma renda extra?! É com essa narrativa que esses influenciadores indicam aos seguidores sites que prometem, apenas com o uso do celular, que eles conseguirão ganhar um complemento para a renda.

'Caí no golpe'

Seguidor de Emily Garcia, Davi Matheus e Bia Miranda, o usuário Junior, de 27 anos, decidiu testar o site de renda extra, afinal, confiava nos famosos e seguia a influência deles.

Para Júnior e outros usuários, não haveria motivo pelo qual um influenciador seria capaz de divulgar um produto fraudulento para os próprios fãs. 

O site indicado pedia um pagamento prévio pelo uso da plataforma: R$ 97 via pix e R$ 117 via cartão de crédito. Caso se arrependesse, haveria o reembolso. No site MoneyLooks, divulgado pelos influenciadores, o usuário seria pago para avaliar virtualmente produtos de grandes marcas, como a da chinesa SHEIN. 

"Passei o cartão e comprei. Logo após começar a usar o aplicativo, notei que não tinha suporte e que não teria a opção de reembolso. Após avaliar todos os looks, não ganhei nem metade do saldo que prometeram, que era de 300 a 500 reais", explica.

Mesmo tendo cumprido a missão de avaliação, Junior notou que havia algo errado. Ele tentou sacar o saldo de R$ 100 na conta da plataforma e foi surepeendido. "Todos os influenciadores falaram que dava para sacar após avaliar, só que o aplicativo só permite sacar saldo acima de R$ 2 mil".

Ele tentou falar com a plataforma de pagamento para reembolso, mas não foi atendido. Sem ter resposta, Junior decidiu questionar quem ele confiava, o influenciador que indicou. 

"Fui atrás da indicação do Davi Matheus... mandei direct, reclamei nas publicações do Instagram, falei que caí no golpe que ele divulgou e ele me bloqueou".

"Nunca mais entrei no aplicativo. Vi que eu tinha caído no golpe e que não receberia mais meu dinheiro", lamentou.

O caso de Junior não é exceção. No fórum de reclamações ReclameAqui é possível encontrar relatos de diversas pessoas que foram lesadas pelo mesmo esquema.

O site promete garantia de reembolso por 7 dias, no entanto, após internautas pedirem o dinheiro de volta, a empresa não retorna o pedido.  A empresa Braip Tecnologia e Perfect Pay, responsável pela transação do pagamento do site divulgado pelos influenciadores, possuí mais de 10 mil reclamações por não estorno de dinheiro.

Os influenciadores e versões do golpe

Avaliar roupas da SHEIN é apenas um dos golpes divulgados por influenciadores. No mesmo esquema, eles promovem sites que garantem renda extra para curtir fotos no Instagram, avaliar produtos de varejistas brasileiras, assistir novelas e vídeos no TikTok.

As ex-participantes de "A Fazenda" Bia Miranda, Pétala Berreiros, e a irmã de Pétala, Yanka Barreiros, são algumas das famosas que já promoveram o site fraudulento. O nome de Bia Miranda aparece em mais de 100 acusações no fórum de reclamações. 

Outras famosas que também participaram do esquema foram Emily Garcia, que também é popular no fórum, Babal Guimarães, o irmão Lucas Guimarães, a influenciadora Mariana Menezes, as ex-BBBs Gabi Martins, Kerline e Key Alves.

Além de aplicativos de renda extra, influenciadores também promovem produtos duvidosos e que nunca chegaram na casa dos consumidores. A influenciadora Virginia Fonseca aparece em mais de 200 reclamações vinculadas às vendas de óculos divulgados por ela. A maioria alega não ter recebido o produto comprado. 

Exposição e revolta

O influenciador Guga Figueiredo virou uma referência anti-fraude para os internautas. Ligado ao nicho de bodybuilding, Guga iniciou as investigações expondo as musas fitness que enganavam os seguidores dizendo não tomar anabolizantes para vender produtos "emagrecedores".

O resultado foi tamanho, que internautas passaram a pedir a análise do influenciador para outros produtos fora do mundo da musculação. Com o sucesso, ele decidiu investir nesse tipo de conteúdo.

@gugafigueired0 Compartilhem para que mais pessoas não caiam nesse tipo de golpe e vamos marcar a @Gabi Martins ♬ som original - Guga Figueiredo

Atualmente, Guga atinge mais de 6 milhões de curtidas no TikTok, plataforma em que ele mais produz conteúdo relacionado a anti-golpe.

Caso do 'Rosa Sacanagem' 

Guga Figueiredo está sendo processado judicialmente por expôr a suposta desonestidade de uma marca vinculada a diversas blogueiras. O produto divulgado pelas famosas promete o desaparecimento de manchas de pele e melhora na aparência de estrias, com o custo de R$ 150.

Entretanto, a empresa utilizava fotos de banco de imagens para ilustrar o funcionamento do produto. A marca também foi acusada de pegar registros indevidos de uma médica para passar mais confiança aos consumidores.

Famosas como Mirella, Gracyanne Barbosa, Aline Mineiro, Deolane Bezerra, Flavia Pavanelli e Sheila Mello periodicamente indicaram o produto aos milhares de seguidores. O contrato anual para as blogueiras promoverem o item pode chegar a R$ 840 mil. No fórum de reclamações, há mais de 100 denúncias por propaganda enganosa.

"Comprei depois de ver muitos influenciadores divulgando, decidi dar um voto de confiança! Usei como o recomendado, não obtive resultado nenhum, só gastei dinheiro mesmo, deixei um comentário no Instagram, onde pediram para eu entrar em contato no WhatsApp, desde então fiquei no vácuo, eles não estão nem aí para vocês. É só para gastar dinheiro mesmo", acusou uma compradora.

Com Guga expondo a falta de transparência da marca, eles entraram em contato com o influenciador para ele apagar os vídeos e em recompensa receberia o valor de R$ 10 mil. O dinheiro não foi aceito e a empresa entrou com uma ação judicial.

Até a resolução do processo, ele não pode citar o nome da marca, mas nos comentários os seguidores tentaram ajudar com o apelido "Rosa Sacanagem".

@gugafigueired0 Resumo: eu provei que eles estavam fazendo propaganda enganosa com falsa médica e falsa cliente / eles mudaram o site todo / eu provei que o site era deles e descobri que os “antes x depois” também eram fakes / eles usaram uma médica que não sabia de nada / Agora estão dizendo que foram VÍTIMAS DE FAKE NEWS 🤡 #blogueira #famosos #celebridades ♬ som original - Guga Figueiredo


A certeza da impunidade

E qual o grau de responsabilidade desses influenciadores? Para Guga, eles são cúmplices de um esquema de fraudes. "Eles fazem principalmente por saber que não vai dar em nada", aponta, citando como exemplo a influenciadora Bia Miranda.

A ex-peoa teria reagido a um vídeo em que ele exibe Bia divulgando o site de renda extra, acusada de golpe. "Sabe o que ela fez? Comentou, 'Ai ai ai, cada uma'", relembrou.

O deboche de Bia Miranda não só escâncara a ciência dos próprios atos de divulgação, como mostra que a influenciadora não se incomodou com a exposição. "Ela viu que a gente expôs que era um golpe, debochou e continua divulgando", alerta.

Nessas promoções, os influenciadores simulam estar recebendo depósitos de dinheiro via pix, quando, na verdade, a imagem que eles mostram é uma página genérica. 

Ao iG Gente, a equipe da empresa SHEIN, que está sendo utilizada no site fraudulento, emitiu uma nota repudiando o uso da imagem da empresa e explica que a marca não participa do esquema de renda extra.

Segundo a advogada criminalista Ana Oliveira, usuários que se sentirem lesados após a compra da plataforma devem se munir de provas, como capturas de telas, vídeos, e-mails e tentativa de contato.

"Em primeiro lugar, fazer as reclamações junto aos canais de suporte disponíveis, anotando protocolo, data e nome do atendente. Após, indico o site Reclame Aqui. Depois, procurar o site do PROCON. O consumidor pode também procurar um advogado e entrar com processo no juizado especial cível, conhecido como Pequenas Causas. Lá ele vai explicar com todas as provas, prints, vídeos e vai colocar todos os envolvidos, inclusive os influenciadores".

No caso da renda extra da SHEIN, a empresa também deve ser mencionada, embora alegue não fazer parte. Mas e os influenciadores? Eles têm responsabilidades com as divulgações? Sim!

"A Justiça entende que a responsabilidade seria objetiva, ou seja, por se tratar de responsabilidade civil de celebridades, a teoria da aparência se destaca, já que o princípio da boa-fé se concretiza nessas relações de consumo, já que as vendas são feitas pela confiança estabelecida nos influenciadores digitais" , indica a advogada.

Sendo assim, o influenciador deve ser adicionado ao processo em caso de golpe ou atitude fraudulenta. E a penalização? De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, no art. 7, parágrafo único, é possível a reparação dos danos causados.

Em 2020, a influenciadora Virginia Fonseca foi condenada a dar um IPhone 8 Plus, após, em uma publicidade, ter atestado a idoneidade de uma loja de celulares.

A ex-fã Carina Calvano Cirino decidiu confiar na loja e comprar o aparelho após ver a indicação da influenciadora. O modelo que custava em média R$ 3.400 na época nunca chegou na casa da consumidora.

E como evitar golpes?

Segundo o influenciador Guga Figueiredo, não existe "almoço grátis". Com a experiência de desvendar golpes, ele indica aos seguidores sempre desconfiar de dinheiro ganho de maneira fácil.

É necessário também tomar cuidado com os dados báncarios. Não passar os números de segurança do cartão de crédito para sites suspeitos. Fique atento aos comentários! Os esquemas já são conhecidos e provavelmente alguém já passou pela experiência daquele produto. Investigue e verifique o que os compradores estão sinalizando.

Em casos que envolvam outra marcas, sempre verifiquem com a empresa se a parceria é verídica. Dê preferência sempre aos sites e comunicados oficiais.

A advogada Ana Oliveira também indica a plataforma do CONAR, caso suspeite de alguma "publi" promovida por influenciadores. Lá, existe a opção de realizar uma denúncia, que será julgada pelas Câmaras do Conselho de Ética.

O iG Gente entrou em contato com as celebridades citadas para entender a sinalização das publicidades questionáveis. O espaço está aberto para quem quiser se manifestar.

Sheila Mello

A equipe de Sheila Mello alega que a influenciadora não integra mais o quadro de divulgadores da marca Rosa Selvagem, o contrato teria finalizado em março de 2022. Entretanto, a imagem da blogueira segue sendo exibida no site oficial da marca.

"Temos uma rotina de pesquisa em várias frentes antes de aceitar uma campanha publicitária, e neste caso não foi diferente. A empresa passou pelo crivo jurídico e a Sheila recebeu todos os produtos antes de qualquer publicação, como fazemos com tudo que ela faz publicidade. Inclusive a Sheila não faz publicidade do que não faça sentido, verdadeiramente, em seu dia a dia, como é o caso de refrigerantes e chás emagrecedores, por exemplo.Também fomos pegos de surpresa com todas as informações sobre a índole da empresa e a quantidade de denúncias."

Gracyanne Barbosa

Ao iG Gente, a assessoria de Gracyanne Barbosa indicou que a influenciadora não pode se responsabilizar pela não entrega dos produtos, pois o caso depende do processo de logística da marca Rosa Selvagem, que pode ser afetado mediante a acasualidades. A equipe também se respalda no teste clínico de efícacia do produto ofertado pela marca.

Rosa Selvagem

Em nota, a empresa Rosa Selvagem, acusada de propaganda enganosa e uso indevido de fotos de banco de imagens, alega estar sendo vítima de um movimento de difamação promovido por um influenciador.

"A Rosa Selvagem é uma marca que sempre se preocupa com o bem-estar se (sic) seus clientes já tendo ajudado mais 400.000 (quatrocentas mil) pessoas ao redor do Brasil com seus produtos, atuando há anos no mercado com seriedade e transparência, razão pela qual imprescindível esclarecer que, recentemente, foi vítima de crime nos termos do artigo 195 da Lei nº 9.279/96, atualmente em julgamento pelo Tribunal de Justiça Estadual, o que ocasionou graves prejuízos à sua imagem.

O ato acima indicado foi um esforço coordenado pelo agente causador, resultando na brusca queda das avaliações relacionadas à Rosa Selvagem, demonstrando, consequentemente, um ataque gratuito à marca, sem qualquer embasamento lógico ou técnico.

Facilmente se observa que a maioria das avaliações negativas foi postada em um curto espaço de tempo, por outro lado, a linguagem das críticas e o fraseado são semelhantes, comprovando ainda mais que as notas são relacionadas à uma determinada pessoa imbuída em destruir a relevância da marca.

Portanto, as avaliações, nesse caso específico, não refletem o perfil da Rosa Selvagem que sempre teve um excelente desempenho entre os seus inúmeros clientes, com produtos de eficácia comprovada por testes laboratoriais.

A satisfação do cliente é nosso objetivo e estamos convictos que estamos fazendo a diferença no mercado com nossos produtos de alta gama."

Confira o comunicado da SHEIN na íntegra:

A SHEIN esclarece que não tem relação alguma com o site fraudulento denominado “Money Looks", que tem como domínio o endereço https://segredodinheiro.fun/ shein/ . Esse website está sendo enganosamente utilizado para propagar informações falsas sobre a companhia, com uso indevido do nome e imagem da empresa, com intenção de enganar usuários para que eles adquiram um aplicativo com falsa promessa de obtenção de uma renda extra por meio de avaliações de looks da marca. 

A companhia adotou as medidas legais cabíveis relativas ao uso indevido de seu nome e imagem e vem promovendo medidas para inibir a propagação de informações que possam expor a empresa e seus consumidores.  

A SHEIN recomenda ainda que nenhuma pessoa realize cadastros neste site, a fim de evitar o uso indevido de seus nomes, informações pessoais e dados bancários.

Adicionalmente, a empresa ressalta que informações sobre os produtos, ações e campanhas da marca podem ser encontrados e são sempre divulgados nos seus canais oficiais, nas redes sociais e no site. 



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