Há mais de um mês, pipoca no ouvido dos brasileiros a mesma música: “As boiadeiras não dá pra encarar [...]/ Bota, fivela e chapéu karandá/Batom vermelho pros playba chorar.” Isso porque a parceria entre Ana Castela, DJ Chris no Beat e Melody, “Pipoco”, é a número um do Spotify Brasil desde 15 de julho. Com 51,6 milhões de plays até ontem, o hit apresentou a boiadeira Ana, de 18 anos, para todo o país — só nesta última semana, ela esteve no “Domingão com Huck”, no “Criança Esperança” e no “Faustão na Band”.
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A letra que exalta o agro, com elementos como chapéus, botas, fivelas e cavalos, e a melodia, que mistura o sertanejo a elementos de pop, funk e dance music, fazem de “Pipoco” algo diferente do usual e um chiclete daqueles. Combina com Ana Castela, menina extrovertida, brincalhona, que ama dançar e se dividia entre fazenda e cidade antes da fama. No estúdio da Hitmaker (produtora musical), onde preparava guias vocais de novos singles, Ana deu ao GLOBO sua primeira entrevista presencial.
Antes de estrear com “Boiadeira” (daí o apelido que a identifica), em 2021, Ana ajudava o avô e o primo Luís Gustavo a cuidar do gado da família na fazenda dos avós paternos, em Sete Quedas, cidade do Mato Grosso do Sul que faz fronteira com o Paraguai.
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— Foi na pandemia que eu realmente comecei a mexer com gado. Meu primo me ensinou tudo lá, ele é como meu irmão mais velho. Aprendi a dirigir trator, a gente vacinava o gado, pegava o cavalo e saía para ele laçar o boi, eu tirava toda a bicheira do boi... — conta Ana.
Choque cultural
Na fazenda, localizada no território paraguaio, Ana filmou um momento de cantoria enquanto andava a cavalo. Os 45 segundos de “Vaqueiro apaixonado”, de Loubet, foram suficientes para que a menina, então com 16 anos, viralizasse e recebesse um convite para gravar uma música. Coincidência ou não, naquele mesmo ano, Ana tinha escrito uma canção — que será lançada em breve — e demonstrou vontade de gravar, mas acabou não indo para a frente na ocasião.
— Cantar nunca foi um sonho. Quando escrevi uma música foi a única vez que surgiu a vontade — explica, acrescentando que cantava no Coração de Maria, coral de uma igreja católica local.
A carreira de pouco mais de um ano a forçou a sair do Mato Grosso do Sul e da faculdade de Odontologia. Mudou-se para Londrina, no Paraná, onde estão o empresário e músicos que a acompanham.
Morando hoje com a mãe, Michele, a irmã de 6 anos, Antonela, e os cachorros Joaninha e Joaquim da Pecuária (enquanto o pai se divide entre a cidade e Sete Quedas), a cantora diz que o choque cultural foi grande no início:
—Minha gente, na minha cidade só tinha um posto e no Paraguai! Todo dia tinha tiro. O negócio era feio. Engordei de tanto comer McDonald’s. Na minha cidade não tinha.
Cheia de responsabilidades, a artista sente falta de poder viver como uma garota de 18 anos. Conta que vê nas redes sociais os amigos saindo na noite e, às vezes, sente vontade de poder estar com eles. Com 25 shows por mês — antes eram 29, mas ela quis diminuir o ritmo porque estava ficando muito cansada —, o pouco tempo que sobra é para botar o sono em dia e jogar videogame com o pai.
— Meu pai sabe de tudo. Somos muito amigos, a ponto de eu falar “Pai, vou beijar aquele.” É tudo eu e meu pai — conta Ana, que agora tem até tatuagem combinando com o pai, Rodrigo: os dois fizeram #1 em comemoração ao primeiro topo de Ana Castela nas paradas.
O parceiro DJ Chris no Beat acredita que Ana vai ainda muito mais longe:
— Ela é fantástica e tem muito talento. Está sempre disposta a acreditar nas ideias mais inovadoras. Nossa relação vai além dos palcos. Conheço a família dela, e ela, a minha.
Do agronejo ao pop
Ana Castela canta um estilo diferente, segundo ela. É um “agro”, mas , aos poucos, pretende chegar ao pop:
— A Luisa Sonza tem sido uma referência para mim, e me imagino cantando pop. Mas, no meu pop, quero sempre levar o meu chapéu — brinca ela, que tem quase 30 chapéus no armário. — Futuramente acho que não vou ser cantora de agro, nem de sertanejo. A única coisa que eu já falei que não quero mais é usar palavras como “sentada” e “galopada” porque não é meu estilo. Envolvo muito o público infantil.
Justamente por causa desse público, ela revela que está planejando um desenho animado da boiadeira, além de matinês e shows em teatros para que os pequenos também possam aproveitar. Estão nos planos um DVD e, quem sabe, uma parceria com Luan Santana.
Tantas emoções
Para a jovem, está difícil assimilar o sucesso avassalador que a atingiu no último mês. Se é explosiva e extrovertida em suas falas e movimentações, quando se trata de entender e comemorar as conquistas, um “que legal” basta.
— Não imaginava isso nem a pau. Ainda não consegui enxergar a dimensão que tudo ganhou. Eu não demonstro tanto as coisas. Mas sempre digo que o que ninguém sabe ninguém estraga. Mas eu me emociono muito. Chorei no camarim do “Criança Esperança”, chorei quando entrei no estúdio do “TVZ” (programa do Multishow) também — revela Ana.
Uma das coisas que tenta fazer para manter a saúde mental é deixar de lado as redes sociais para não ver os comentários sobre ela. O aplicativo do Twitter, por exemplo, ela simplesmente apagou do celular. Do TikTok, no entanto, não consegue se livrar.
— Sou mais biscoiteira e gosto de mostrar minha beleza — confessa.
Análise: Convergência de Brasis e carisma de estrela
Silvio Essinger
Uma dessas canções das quais não deu para escapar em 2022, “Pipoco” ainda será lembrada por seu feito histórico: a de eliminar de vez a distância que porventura ainda existisse entre a música do Brasil rural e a das periferias das grandes cidades.
Ao lado do DJ Chris no Beat e da MC Melody, Ana Castela não chega nela como um acessório: com o seu discurso de boiadeira, ela reivindica o protagonismo num país pós-feminejo, que hoje se reconhece nas tramas de “Pantanal” e de “Rensga hits”.
Em sua brilhante fusão de funk, sertanejo e dance music, “Pipoco” foi a faixa que detonou a inevitável convergência entre os Brasis por meio da música popular da era digital. Mas não dá para dizer que tenha sido um golpe de sorte de Ana Castela — em seu pouco mais de um ano de carreira, já dá para dizer que ela sabia exatamente o que queria e aonde poderia chegar.
“Neon”, single do ano passado, entre o piseiro e os modões, apresentava uma bem construída narrativa: “Não é porque eu gosto de bota/ que eu não posso andar de salto/ gosto do cantar do galo/ mas prefiro som no talo.” Nos versos da “mulher bruta” que “também pode rebolar e ser bagaceira”, Ana Castela dava um passo adiante em relação a Marília Mendonça e se projetava como uma artista da pista de dança, além da sofrência passiva da mesa de bar.
Orgulhosa de suas referências country (que estigmatizaram gerações anteriores do sertanejo) e do discurso agro, Ana Castela segue agora nas TVs o processo de se apresentar ao Brasil — carisma e personalidade não lhe faltam para ser estrela.
+ O "AUÊ" é o programa de entretenimento do iG Gente. Com apresentação de Kadu Brandão e comentários da equipe de redação, o programa vai ao ar toda sexta-feira, às 12h, no YouTube, com retransmissão nas redes sociais do portal.