As ofensas direcionadas a Titi e Bless, filhos de Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, neste fim de semana, quando foram chamados de "pretos imundos" por uma mulher num restaurante, poderiam ser enquadradas como injúria racial, conforme as especificidades da legislação brasileira, se tivessem ocorrido em território nacional. No entanto, o caso ocorreu em Portugal, devendo se adequar, portanto, ao código penal português que, diferentemente do brasileiro, não tipifica este crime. Apenas em setembro de 2021 que foi criado um projeto de lei visando a aprimorar as penas para situações como essa.
A mulher acusada de racista chegou a ser retirada do restaurante onde chamou as crianças de "pretos imundos", assim como proferiu xingamentos a uma família de turistas angolanos. Após ser conduzida a uma delegacia, contudo, ela foi liberada, conforme noticiou a imprensa local.
De acordo com a Ordem dos Advogados portuguesa, o texto da deputada Joacine Katar Moreira busca reforçar "o combate à discriminação e aos crimes de ódio", pois a qualificação do crime por motivação de "ódio racial" ou "gerado pela cor, origem étnica ou nacional", está prevista somente para os crimes de homicídio e ofensa à integridade física.
Um vídeo publicado em dezembro nas redes sociais da deputada, apresentado por Miriam Sabjaly, explica as lacunas existentes no Código Penal português referentes aos crimes discriminatórios.
— Os crimes de difamação e injúria não preveem qualquer agravante por ódio racial. O crime de injúria racial não existe no ordenamento jurídico português, ao contrário do que acontece, por exemplo, no Código Penal Brasileiro. Ou seja, para que a injúria racial seja enquadrada no Código Penal podemos olhar ao artigo 240º do Código Penal (...) que se refere à discriminação e ao incitamento ao ódio e à violência — afirma Miriam num episódio do programa LEIturas. — No entanto, para que a injúria racial seja crime com brase neste artigo do Código Penal, é necessário que a conduta tenha sido tomada publicamente, através de um meio apto à divulgação. Assim se exclui desta norma qualquer conduta que tenha ocorrido entre agressor e vítima, mesmo publicamente, mas que não tenha ocorrido no meio destinado à divulgação, por exemplo à comunicação social. O que significa que a injúria racial só pode ser considerada no Código Penal português em termos muito limitados.
No mesmo episódio, Miriam cita que a primeira condenação por discriminação racial em Portugal data de 2002, quando um presidente de uma Junta de Freguesia (órgão executivo colegial de uma divisão administrativa) foi condenado por "difamar um determinado grupo de pessoas em reunião pública, através de meios destinados à divulgação, ou seja, através da comunicação social". Desde então, ela ressalta que condenações por discriminação racial foram praticamente inexistentes no país nos últimos 20 anos.
Segundo Joacine Katar Moreira, ainda que "os comportamentos motivados pelo ódio e pela discriminação" não sejam legalmente tipificados como "condutas criminosas no ordenamento jurídico português", eles são uma "realidade frequente na nossa sociedade contemporânea". Como evidência, a deputada cita dados da European Social Survey, segundo a qual 52,9% dos portugueses, em comparação com a média europeia de 29,2%, consideram que há raças ou grupo étnicos que nasceram menos inteligentes e/ou menos trabalhadores que outros. Além disso, 54,1% mantém a crença de que há culturas melhores que outras, e cerca de 62% dos portugueses manifestam alguma forma de racismo.
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Uma análise de políticas públicas e da legislação feita pelo projeto COMBAT em Portugal, que luta contra o racismo no país, mostra que a qualificação do crime por motivação de "ódio racial" ou "gerado pela cor, origem étnica ou nacional" está prevista apenas para os crimes de homicídio e ofensa à integridade física.
Numa postagem em rede social sobre o projeto de lei 922/XIV/2ª, a deputada destaca novamente o Código Penal brasileiro quando critica a falta de qualificação por motivo de ódio racial nos crimes de difamação e injúria.
"Assim, este projeto pressupõe, adicionalmente, a transformação dos crimes de injúria e difamação em crimes semipúblicos, quando os factos que se reconduzem ao ilícito criminal tiverem sido praticados com uma motivação discriminatória, uma vez que, nestas situações, o desvalor das condutas é particularmente indiscutível, e, estando em causa não apenas um bem jurídico — a honra da vítima, — mas também a vida, a dignidade, a integridade pessoal (física e moral) e a Igualdade entre todas as cidadãos e todos os cidadãos, independentemente da sua raça, etnia, nacionalidade, cor, religião, sexo, orientação sexual, identidade de gênero, deficiência física ou psíquica, entre outras características diferenciadoras", acrescenta.
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O crime de injúria, em Portugal, é descrito apenas como "quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração", com pena de prisão de "até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias".
Já o crime de discriminação racial é aplicado a quem:
- Fundar ou constituir organização ou desenvolver atividades de propaganda organizada que incitem à discriminação, ao ódio ou à violência raciais ou religiosas, ou que a encorajem; ou
- Participar na organização ou nas atividades referidas na alínea anterior ou lhes prestar assistência, incluindo o seu financiamento; é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
E ainda, em reunião pública, por escrito destinado a divulgação ou através de qualquer meio de comunicação social, a quem:
- Provocar atos de violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor ou origem étnica ou nacional ou religião; ou
- Difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor ou origem étnica ou nacional ou religião, nomeadamente através da negação de crimes de guerra ou contra a paz e a humanidade; com a intenção de incitar à discriminação racial ou religiosa ou de a encorajar, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
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