Encaçapar foi o verbo usado pelo diretor Andrucha Waddington, que assina o misto de documentário/reality show ‘‘Em casa com os Gil”, na resposta à pergunta: “E como foi editar Gilberto Gil?”
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Gil, misto de cantor, compositor e quase um Gandhi, é conhecido por ricas frases, com sentidos que se desdobram em outros e só deságuam lá no ponto final. Essas muitas esquinas de seu discurso já renderam até curta-metragem com uma única declaração do começo até os créditos.
Mas esse Gil, que já foi ministro da Cultura, não é o que se vê em casa, cenário da série exibida na plataforma de streaming da Amazon. Aos 80 recém-completados, ele se mostra o suprassumo de seu sumo. Ou, como diz Andrucha:
— Em todas as frases, ele encaçapa, é assertivo, nunca precisamos interromper.
Quando Gil fala na série, cuja segunda temporada já está em produção, acompanhando a turnê com todos da família pela Europa, é impossível interromper a escuta. A partir daí, a emoção de cada um fala por si. Choro, riso, reflexão. Cabe tudo na caixa de Pandora aberta na sala da bela residência de Araras, onde os capítulos foram filmados, no ano passado, ainda auge da pandemia.
Andrucha conta que, ao fim de três semanas, a equipe tinha 200 horas de filmagens:
— Existia uma pauta de assuntos que eram jogados na mesa. Mas a ideia era ter o previsto e o imprevisto, fazer o documentarista desaparecer na cena.
Câmeras discretas
Pouco se percebe a “intromissão” das três câmeras em ação das 8h até perto da meia-noite, diariamente. Depois de editados, os cinco episódios somam duas horas e meia. Nesse tempo, há registros da chegada de cada integrante à casa, do preparo de um almoço de domingo, de problemas banais como uma privada entupida, de saias-justas como uma discussão em torno da mesa, de momentos de terapia de grupo com muitas lágrimas.
Numa lógica em que o documentário devora o reality, e vice-versa, é como se “Em casa com os Gil” fosse um grande Natal orquestrado pela batuta de Gilberto Gil. Ou seja: no segundo episódio, no mínimo, você já quer ser convidado pela família para algum feriado na serra. De preferência com feijoada vegana e longos papos na varanda ouvindo as histórias de Gil no exílio em Londres. Como a em que ele lembra que Caetano sofreu mais do que ele a distância por não fumar maconha ou ser aberto a experiências de “expansão de consciência’’.
São afetivos e muitas vezes reveladores os fios das meadas puxados pelas memórias dele, do acordeom presenteado pela mãe aos 10 anos à toalha quase jogada no tratamento da Doença Renal Crônica (DRC) diagnosticada em 2016.
— Você ameaçou parar o tratamento... E não era mais sobre você. Era sobre todos nós — revela a filha Maria, aos prantos, na varanda, num papo com o pai e a irmã Preta Gil.
O doc-reality é ambientado em vários cômodos: sala, cozinha, varanda, piscina, jardins. O mote do roteiro de Hermano Vianna, a escolha do repertório da turnê, se dá basicamente na sala, com cada familiar defendendo a música que escolheu e passando a bola para o seguinte, como num amigo-secreto em que se descreve a pessoa por algumas de suas características. Gil é o grande oráculo que ouve tudo, pondera e depois decide. A mulher, Flora, uma das idealizadoras do projeto junto com Preta, é presença firme, porém discreta em cena.
— Cada um escolheu cinco músicas, e o Hermano passou três meses conversando com todos para selecionar uma de cada, sem repetir — conta Andrucha, que conhece a família Gil desde pequeno, já trabalhou com o músico em vários projetos (“Eu, tu, eles”, “Viva São João”…) e pelejou para eleger seu top five: — “Lamento sertanejo”, “Refavela”, “Domingo no parque”, “Viramundo” e “Preciso saber”.
Não é fácil escolher uma entre tantas composições, ainda mais dentro de uma família tão musical, e sendo inspiração para muitas delas. Flora enumera algumas. E descobre, pelo marido, que “Deixar você”, ao contrário do que ele mesmo dizia, não foi feita para ela.
— Não foi para você, não... Eu gostei de uma baladinha que o Herbert Vianna fez e quis imitar — diz Gil, em volta da fogueira, com uma leveza que faz rir.
Gil sustenta a leveza do ser como poucos. Usa dela para falar de morte, política, racismo, diversidade, inclusão e Brasil, temas em que esteve nas entranhas e que, até por isso, sempre abordou na rua e em casa. Segundo Andrucha, essa intimidade familiar ajudou a impulsionar o projeto.
— Vejo a família como uma colcha de retalhos e, ao mesmo tempo, um grande cobertor de afeto — encaçapa Gil, no último episódio.
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