Suely Franco não tem medo de altura. No momento em que for decretado o fim da pandemia — e a maior parte da população estiver imunizada —, a atriz de 81 anos quer saltar num voo de asa-delta da rampa da Pedra Bonita, em São Conrado, na Zona Sul do Rio de Janeiro, como fez quando comemorou sete décadas de vida.
— Mas, antes disso, o que mais gostaria mesmo é receber um convite para algum trabalho na TV — ela pondera. — Daí não precisaria nem de asa-delta, pois eu sairia naturalmente voando de alegria.
Trabalhos na internet
Distante das novelas desde 2019, quando participou de “A dona do pedaço” , a artista dribla a estranheza com a qual lida com as novas tecnologias e a internet para seguir ativa profissionalmente e manter as contas em dia — no último ano, já durante a quarentena, ela integrou o elenco da montagem virtual “Novo & normal”.
Nesta quinta-feira (22/4), às 20h, Suely estreia o primeiro monólogo de sua carreira, também em versão on-line. Livremente inspirada num conto homônimo da escritora Lúcia Benedetti (1914-1988), a peça “Ela e eu — Vesperal com chuva”, com direção de Rogéria Gomes, se concentra nas memórias de uma senhora octogenária sobre fatos corriqueiros da infância, amores do passado, decepções pessoais e sonhos que ficaram para trás. A produção, que pode ser vista em qualquer horário até julho, tem ingressos a partir de R$ 20 no site Sympla.
— Preciso e quero trabalhar, por uma necessidade financeira, mas tudo o que faço, na TV e no teatro, é com gosto — ressalta a atriz, atualmente sem vínculo contratual com emissoras. — Uma vez, uma garotada de atores veio falar comigo. E eu disse: “Vocês têm que ter paciência, estudar e arranjar maneiras de ganhar dinheiro fora da TV”. E um rapaz questionou: “Meu Deus, é verdade?”. Os jovens estavam por fora de tudo, pensando que ao chegar na TV já seria tudo garantido.
'Minhas economias ainda não chegaram ao fim'
Apesar dos pesares, ela avisa, com uma risada, que ainda não faliu. Explica-se: como noticiado no último sábado pelo colunista Ancelmo Gois, Suely precisou deixar o apartamento onde vivia no Catete , na Zona Sul do Rio, por não conseguir pagar o valor do aluguel e do condomínio. Agora, a atriz está de volta ao imóvel próprio que mantém na Urca, também na Zona Sul do Rio (e com taxa condominial de “apenas R$ 300”, celebra), apesar de um médico ter recomendado que ela se mudasse para um local sem escadas desde que colocou uma prótese nos joelhos.
— Na minha situação, é melhor subir escada do que acumular dívidas, né? — diz, espantada com a repercussão da notícia entre fãs e colegas. — Recebi muitas mensagens e ligações de gente querendo me ajudar. Minhas economias estão realmente acabando, mas ainda não chegaram ao fim.
Dona de um riso contagiante, que distribui com frequência, Suely costuma afirmar que já nasceu bem-humorada. É uma coisa natural mesmo, ela reforça. Triste com a morte recente de colegas como Nicette Bruno, vítima do coronavírus, ela faz o possível para manter o foco em “coisas boas”, apesar “desse governo que a gente quer matar”, como diz.
'Sou da idade da pedra'
Nos últimos meses, a atriz tem acordado e dormido “na hora que bem deseja” e devorado romances com histórias de amor — “o que eu gosto é disso”, justifica — assinadas por autoras como Julia Quinn e Rosamunde Pilcher. Por insistência de uma amiga, ela criou uma conta no Instagram onde publica vídeos em que conta piadas, uma paixão antiga.
— É claro que a minha amiga faz tudo por mim. Não sei mexer nesses aplicativos. Nem o WhatsApp eu tenho! Ary Fontoura, que é meu amigo, dá um baile em todo mundo — frisa, refrindo-se ao colega de 88 anos que arrebanha mais de 2,5 milhões de seguidores no Instagram. — Vou contar uma coisa em que você é capaz de não acreditar: até hoje não consegui acertar o jeito de colocar as séries (plataformas de streaming) na TV. Mas eu prefiro mesmo ler meus livros. Sou da idade da pedra, apesar de ter 16 anos (ela gargalha).
Está aí mais uma prova da tranquilidade com que Suely toca os dias. "O bom vem sempre na frente, e tem que ser assim", a atriz repete, ao explicar que não cultiva o sentimento de medo: nem da vida, nem da morte, nem de altura.
— Tenho muito confiança com quem está la em cima (nos céus). Se eu tiver que passar por algum infortúnio, que seja assim. Mas só deixo para me preocupar com as coisas ruins quando ela acontecem — afirma, destacando o prazer que sentiu ao voar de asa-delta quando completou 70 anos. — Tem gente que morre de medo de altura, mas eu sempre gostei disso. E quero repetir a dose. Até os 19 anos, morei em Olaria (bairro na Zona Norte do Rio). Sempre que saía da escola, juntava-me com alguns amigos para subir a Igreja da Penha pela pedra, e não pela escada (risos). Eu vivia pendurada em árvores.