Lícia Manzo é a autora por trás do sucesso de “A vida da gente”

O iG conversou com a escritora apontada como a versão feminina de Manoel Carlos, que é seu fã: “Ela faz cenas memoráveis”

Autora da novela das 18h da Rede Globo, Lícia Manzo diz ser interessada pelas relações humanas e pelo o que se passa no íntimo de cada um. “Tenho mais habilidade com o micro do que com o macro. Aquela relação dentro do caso, nos bastidores”, conta. Algumas vezes é apontada como a versão de saias de Manoel Carlos , o novelista responsável por sucessos como “Por Amor” e “Laços de Família”. “Fico lisonjeada com a comparação. Sempre gostei muito da obra dele”.

Foto: Alex Carvalho/TV Globo
'Não tenho a menor pretensão em me parecer com o Manoel Carlos. Ele é um mestre', diz Lícia

O elogio é recíproco. O criador das Helenas diz ser fã de “ A vida da gente ” e não perder um capítulo. “A Lícia tem talento e sabe o que quer. Tem feito cenas memoráveis, de grande força dramática e o público tem sabido admirar”, avalia o escritor.

No ar há quase quatro meses, o folhetim é sucesso de público e crítica. A história tem como trama central o drama da tenista Ana ( Fernanda Vasconcellos ), que retoma sua vida após ter ficado em coma por cinco anos depois de um acidente de carro, mas vai além.

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Com texto intimista, a novela é uma crônica familiar. Mas não aborda os modelos familiares tradicionais. Na tela são retratados, com a roupagem adequada ao horário, temas como segundos casamentos, enteados, meios-irmãos, homens domésticos, adoção, inseminação artificial e gravidez precoce.

“Quis fazer uma história cuja base é a família, mas trazendo o olhar para algo que estamos experimentando hoje. O conceito de família mudou muito em pouco tempo. Há 50 anos, era o pai, a mãe e os filhos. Era uma unidade praticamente indissolúvel. Hoje, a quantidade de possibilidades é infinita. Você tem crianças de diferentes sobrenomes convivendo sob o mesmo teto, reprodução assistida, união gay. Tem tudo”, opina Lícia.

Foi a opção por abordar dramas contemporâneos e as mudanças provocadas pelas relações familiares que deu origem às avaliações de que seria uma espécie de herdeira de Manoel Carlos. O veterano escritor também costuma optar por esses temas em suas histórias.

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“O que você assiste muito acaba te formando. Se tivesse que apontar afinidade com algum autor, seria com o Manoel Carlos. Acho que minha novela tem uma coisa similar com as dele que é um forte acontecimento dramático na trama principal e, em volta disso, você tem diversas crônicas de família. Mas não tenho a pretensão de me parecer com ele. O Manoel Carlos é um mestre. Eu sou aprendiz”, diz.

Ele devolve o reconhecimento. “Se eu, de alguma maneira, servi de modelo, isso me envaidece, mas ela não precisa de qualquer influência. Está trilhando muito bem o caminho do sucesso”, afirma o escritor.

Foto: João Miguel Júnior/TV Globo
Lícia Manzo ao lado do trio de protagonistas de 'A vida da gente' e do diretor da novela, Jayme Monjardim

Primeira novela

“A vida da gente” é a primeira novela de Lícia. Há 14 anos na TV Globo, ela já havia sido redatora de programas humorísticos da emissora, como “Sai de Baixo”, A Diarista” e “Retrato Falado”. O divisor de águas na carreira ocorreu em 2009, quando foi aprovado o projeto do seriado “Tudo Novo de Novo”. Escrita por ela, a série estrelada por Marco Ricca e Júlia Lemmertz mostrava o relacionamento entre um engenheiro e uma arquiteta. Divorciados e com filhos, os dois tentavam formar uma nova família.

“Estava há muito tempo na Rede Globo. Comecei a mandar projetos e mostrar que sabia fazer outras coisas. Fazer humor não é demérito e eu gosto. Mas tinha vontade de escrever outras coisas. A partir dali, foram me conhecendo”, relembra Lícia.

Foto: TV Globo
Rafael Cardoso em 'A Vida da Gente': 'O texto da Lícia é muito fácil de ser dito. Cabe direitinho'

O seriado só teve 12 episódios, mas o estilo narrativo usado acabou chamando a atenção da emissora. Ela, que tinha o intuito de colaborar com novelas, acabou tendo o projeto de “A vida da gente” aprovado e assumindo a titularidade de uma trama. A missão não foi fácil. Havia a pressão após o sucesso de “ Cordel Encantado ” e, no início, Lícia Manzo sofreu até se adaptar ao ritmo para escrever um folhetim, segundo conta. Agora, entrando na reta final, ela diz estar mais segura.

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“A principal dificuldade é manter-se sensível em um ritmo que é industrial. Normalmente, a sensibilidade demanda tempo, até mesmo um certo ócio. É preciso se colocar num local de inspiração”. Para isso, ela caminha sempre que pode pelo Jardim Botânico do Rio, localizado perto de sua casa. “Nesses momentos, você é tocada por um ideia ou um sentimento. No silêncio vêm as melhores coisas”.

O desafio tem sido cumprido com louvor, segundo aponta o público – a novela tem registrado picos de 27 pontos de audiência –, a crítica e o próprio elenco. ”O texto da Lícia é muito fácil de ser dito, cabe certinho. A história é muito plausível. A maneira com que ela trata dos dramas de pessoas comuns e amarra tudo sem enrolação faz com que o público se identifique”, diz Rafael Cardoso , um dos protagonistas da trama das 18h.

Foto: Zé Paulo Cardeal/TV Globo
Lícia Manzo e o diretor da novela 'A vida da gente', Jayme Monjardim

Trajetória

Nascida em uma família de classe média da zona sul carioca, Lícia Manzo começou a fazer teatro aos 15 anos com o Grupo Além da Lua, voltado para o público infantil. Nele, ela atuava e escrevia roteiros. Depois de algum tempo, decidiu focar na carreira de atriz e chegou a trabalhar em montagens teatrais para adultos.

Anos depois, percebeu que algumas coisas decorrentes da profissão de atriz não combinavam com seu estilo. “É coletivo e instável demais. Fui percebendo que funcionava melhor recuada. Gosto de ficar quieta, sou muito caseira. Comecei a migrar para a escrita”, relembra a autora.

Foto: Zé Paulo Cardeal/TV Globo
Lícia Manzo: 'Meu interesse é contar boas histórias que emocionem o público e a mim'

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A investida valeu a pena. Seus textos chamaram a atenção de um diretor da Rede Globo, que a convidou para escrever roteiros de TV. A ida para a emissora, no entanto, não anulou seu trabalho nos palcos. Entre suas peças está “A História de Nós 2”, indicada ao prêmio Shell em 2009. Em cartaz há três anos, a comédia romântica foi vista por mais de 300 mil espectadores no Rio e atualmente é encenada em São Paulo.

Aos 46 anos, separada e mãe de uma menina de 12 anos, Lícia experimenta pela primeira vez o sucesso com o grande público que a televisão proporciona. Com a exibição de "A vida da gente", ela é considerada pela diretoria da Globo como uma das apostas entre novos autores, ao lado de João Emanuel Carneiro (A Favorita) e da dupla Thelma Guedes e Duca Rachid (Cordel Encantado).

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A responsabilidade, entretanto, não é encarada como um peso. Ser associada a um estilo, se diferenciar dos demais escritores ou chegar ao cobiçado horário nobre não estão entre seus objetivos. “Não busco nada em termos de carreira, em relação a horário, me diferenciar ou ser a número um. Também não quero ser lembrada como um tipo de autora. Não há um recorte que queira perseguir. Se me recorto previamente, fico engessada. Não são esses os meus interesses. O meu interesse é contar boas histórias. Que emocionem o público e a mim também”, conclui.

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