O horário Globo: televisão aberta pauta e influencia a vida do brasileiro
Dia a dia do brasileiro ainda é acompanhado pela programação da TV aberta e canais pagos ainda tem margem para crescer no Brasil
Muita coisa mudou na maneira como as pessoas consomem televisão desde a inauguração da primeira emissora de TV no Brasil, a Tupi, em 1950. De lá para cá, os televisores se tornaram parte integral de uma residência, muitos outros canais de TV aberta e fechada surgiram e um novo mundo se tornou disponível ao alcance das mãos com a chegada da internet.
O último dado divulgado pelo IBGE, de 2016, aponta que 2,8% da população não possui um televisor em casa. Sendo assim, a televisão ainda é, e provavelmente será por muitos anos, o produto mais consumido pelo brasileiro. E se ter TV a cabo ainda não é possível para todos, ao sinal aberto, principalmente a Rede Globo , pegam no Brasil inteiro.
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Ainda assim, vemos também um grande crescimento nos usuários de internet, que tem uma maneira diferente de consumir os produtos oferecidos pela TV. Mas, mesmo com acesso a internet maior e a TV a cabo também, por quê o brasileiro ainda assiste tanto a TV aberta? “A TV aberta possibilita que se reconheça os interlocutores. A telenovela, Fátima Bernardes, Ana Maria, eles são interlocutores que são a voz do público”, explica Claudino Mayer, doutor em ciências da comunicação.
E é justamente essa familiaridade um dos principais aspectos que mantém o público ligado no “Domingão do Faustão” ou no “Programa Silvio Santos”. Esses personagens já fazem parte da rotina do brasileiro, que os deixa “entrar” em sua casa no domingo, enquanto passam o dia com a família. “Para você se familiarizar com as pessoas e com a programação demora”, esclarece Claudino.
Ele compara a programação da TV fechada com uma visita desconhecida: “É como se você recebesse alguém na sua casa que você não tem muito o que falar”. Para ele, é justamente a relação com essas figuras que garantem a soberania da TV aberta.
A isso, soma-se o trabalho criado por Boni no fim dos anos 1960, e seguido até hoje pela Globo . Dificilmente batida no Ibope, a emissora transmite essa familiaridade em sua grade de programas. “A programação, desenhada pelo Boni cinco décadas atrás, é uma espinha dorsal. O público não usa relógio. Usa a programação da Globo para se guiar. Os horários variam, mas as ‘vértebras’ permanecem intactas”, comenta Leandro Sarubo, roteirista, jornalista e editor do site Teleguiado .
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TV fechada
Há, porém, muito espaço para mudanças. De acordo com o Mídia Fatos, ferramenta que mede dados relacionados à TV por assinatura, apenas 28% dos lares brasileiros possuem TV fechada. Nos EUA, por exemplo, essa porcentagem é de 90%. De 2010 para cá, a audiência da TV fechada quintuplicou – mostrando o potencial dos canais com programação mais variada e de nicho.
Mas, é também nesse aspecto que as programações de Globo , SBT e Record se superam. Além de falar com uma parcela maior da população, eles entregam uma grade variada, que inclui jornalísticos, programas de variedade e culinários, reality shows, esportivos, e ficcionais, tudo em um só lugar.
A Globo , inclusive, tem incorporado essa percepção em sua nova campanha publicitária, em continuidade ao slogan criado em 2017 dos “100 milhões de uns”. Nos vídeos que aparecem na programação, são mostrados exemplos de brasileiros diversos que, dentro da sua rotina, assistem a programas específicos da emissora.
Você viu?
Claro que, se uma pessoa gosta muito de séries, não vai encontrar na Globo todo o conteúdo que deseja, e aí entram canais como Sony , Warner e HBO . Ainda assim, esse conteúdo está presente na TV aberta, só não de maneira aprofundada.
E é a demanda que justifica a existência de um canal como Discovery Home & Health , dedicado ao lifestyle, ou do Canal Off , só com esportes radicais. Quem quer acompanhar os campeonatos de surf não vai se contentar com um quadro sobre o assunto do “Esporte Espetacular” e vai buscar algo focado nos seus gostos.
Transições e estratégias
Uma das estratégias mais ousadas de um canal de TV paga foi do Multishow em maio, quando anunciou a compra de “Chaves” e “Chapolin”, sucesso do SBT , e que pela primeira vez seriam exibidos na TV por assinatura. A estratégia deu certo e o canal do grupo Globo já viu aumento em sua audiência.
Embora aumente seu share, porém, o plano não chegou a afetar diretamente o SBT , que mantém a mesma média de audiência de antes com o seriado mexicano, exibido aos fins de semana.
Outro aspecto utilizado pelo mesmo canal é transitar artistas entre sua programação e a Rede Globo . Tatá Werneck e Fernanda Souza são dois exemplos que tem tido êxito nos dois: Tatá comanda o “Lady Night” no Multishow e acabou de encerrar sua participação na novela das 19h “Deus Salve o Rei”. Já Fernanda Souza concilia o “Vai, Fernandinha”, como o “Só Toca Top”.
O que a televisão aberta não mostra
O que diferencia a TV fechada, e deve impulsionar seu crescimento ao longo dos anos, é justamente a possibilidade de mostrar o que a TV aberta não pode ou quer. O GNT , por exemplo, dedica parte de sua grade a programas que busquem quebrar paradigmas e eliminar barreiras, como “Liberdade de Gênero” e “Quebrando o Tabu”.
Se o beijo entre um casal gay foi tão difícil de ser divulgado na Globo , e o tema ainda é considerado tabu nas novelas, as séries abordam a temática com muito mais fluidez há anos. Do mesmo modo, não é fácil imaginar uma produção como “Game of Thrones” passando na Globo ou, menos ainda, na Record .
Temáticas que são debatidas de maneira mais aprofundada na sociedade atual ainda não tem tanto espaço nesses canais: “o telespectador tem o controle na mão”, comenta Claudino. A frase parece óbvia, mas é justamente esse controle que pode equilibrar as contas entre TV aberta e fechada, se os principais canais não se adaptarem aos novos anseios do público.
Mudança da hábito
Esse controle a que Claudino se refere não é só o aparelho com botões que o espectador manuseia. É o controle das narrativas, dos debates e dos novos rumos tomados pela TV. Hoje é comum assistir a novela enquanto acompanha-se pelo Twitter. É possível ver uma reportagem que se perdeu na edição do “Jornal Hoje” no Globo Play. Essa interação, e o gradual aumento de pessoas com acesso a internet, deve transformar os rumos da televisão a longo prazo.
“A tendência, no entanto, é que esse domínio [da Globo ] diminua ano a ano”, comenta Leandro. Já vemos isso acontecer, aos poucos, conforme talentos da casa decidem não renovar com a emissora, buscando ampliar seu leque de opções. Antes, para ser um ator reconhecido no Brasil, era preciso estar na rede carioca. Agora, outras plataformas, especialmente a Netflix, dividem essa possibilidade.
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Com o tempo, o hábito de ver televisão do brasileiro vai mudar. Isso é inevitável. Mas, enquanto esse processo ocorre gradualmente, as TVs abertas reinam soberanas na programação nacional, e o brasileiro acompanha o “Jornal Nacional” jantando com a família, enquanto aguarda o começo da novela.