Progressivamente a televisão
vem falando de relacionamentos abusivos. Tanto, que se formos pesquisar novelas, séries
ou filmes
que retratem esse tipo de tema, temos muita facilidade de encontrar histórias em obras mais recentes, mas a dificuldade acaba aparecendo quando o foco dessa pesquisa vira tramas mais antigas, como por exemplo, na década de 80 ou 90.
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"O Outro Lado do Paraíso" , atual novela do horário nobre da Globo , é um recente e bom exemplo das novelas que falam sobre os relacionamentos abusivos . No início da trama, Clara, personagem de Bianca Bin , sofre nas mãos do marido, Gael ( Sérgio Guizé ), que tem um comportamento completamente machista ao ponto de estuprar a esposa na noite de núpcias.
A cena, que foi ao ar logo nos primeiros capítulos da novela, chocou. Chocou porque, como você verá a seguir, hoje em dia esse tipo de comportamento não é mais tolerado e, conforme a novela foi passando, as atitudes de Gael só causavam mais ódio nos telespectadores.
Eliane Mastrodomenico, de 24 anos, é um dos muitos exemplos das mulheres que sofreram com relacionamentos abusivos. A radialista namorou um rapaz que a agredia, era possessivo e tinha um ciúmes doentio. Para ela, as novelas, apesar de muito fantasiosas, podem ajudar aquelas que ainda sofrem com esse tipo de relação.
"Assim como mostrou uma cena da Clara com o celular, o Gael tendo ciúmes dela ter um celular, acontece com muitas mulheres que só tem acesso a TV e não a internet para estar por dentro dos assuntos. E a gente acaba se identificando com o exemplo da outra pessoa e cai na real", comentou ela.
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Década de 90
Se fizermos uma viagem no tempo para o ano de 1996, temos um dos poucos exemplos das novelas que falaram da violência doméstica. Em "O Rei do Gado" , Léia, personagem vivida por Sílvia Pfeifer , vivia um verdadeiro terror ao lado de Ralf, interpretado por Oscar Magrini , com quem ela era casada.
Na novela, os dois garantiam muitas cenas de sexo, mas também protagonizavam momentos de violência, já que com muita frequência, o rapaz agredia Léia. É importante frisar que Ralf era um cafetão, batia em mulher, tinha péssimas atitudes, mas todo mundo gostava dele.
As cenas eram tão fortes que, em uma delas, Sílvia Pfeifer se machucou de verdade e acabou voltando pra casa com alguns hematomas. Durantes as gravações, quem acompanhava tudo no estúdio se chocou e o assunto virou até mesmo reportagem do "Fantástico" na época.
No fim da novela, Ralf foi assassinado.
Será que seu personagem cairia nas graças do público hoje em dia? Certamente não e o primeiro motivo para nos fazer crer que Ralf seria odiado nos dias atuais é, sem dúvidas, a internet, que naquela época até existia, mas não causava as repercussões que causa hoje.
Relacionamentos abusivos na década de 90
Na década de 80, bem antes de "O Rei do Gado" ser exibida, foi criado o primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina e a primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher. Mesmo assim, não existia um movimento a favor das mulheres, muito menos uma conscientização a respeito da violência contra a mulher, ou seja, elas sofriam, mas nada acontecia e nem era noticiado como, infelizmente, acontece nos dias de hoje.
Só em 1998, dois anos depois da trama da Rede Globo ir ao ar, diversas propostas dos movimentos sociais, incluindo o tema violência, foram incorporados à legislação.
Século XXI
Passando para o século XXI, as novelas começaram a falar um pouco mais sobre o tema. Em 2003, Manoel Carlos chocou os telespectadores ao contar a história de Marcos ( Dan Stulbach ) e Raquel ( Helena Ranaldi ) em "Mulheres Apaixonadas" . Na trama, o rapaz era completamente agressivo com a esposa e lhe batia com uma raquete de tênis.
As cenas eram fortíssimas e chocavam quem assistia, mas em 2003, apesar da internet já ser muito mais forte do que era na década de 90, ela não tinha nenhum tipo de influência. Ao contrário de Ralf, Marcos era completamente odiado pelo público e até hoje Dan Sultbach é lembrado por seu personagem na trama de Manoel Carlos, o que caracteriza uma mudança nas perssoas em relação a violência contra a mulher.
2011
Em 2011 "Fina Estampa" contou a história de Baltazar. O personagem de Alexandre Nero era um homem completamente machista que, além de bater na mulher, Celeste (Dira Paes), também não admitia que a filha, Solange, interpretada por Carol Macedo, dançasse funk e usasse roupas curtas e decotadas para sair.
A novela ainda abordou um tema muito comum nos dias atuais: Celeste não largava do marido e tinha medo de denunciá-lo para a polícia. Mas, ao longo da trama, a personagem de Dira Paes passa a ser mais independente e segura por conta do sucesso do restaurante que inaugurou com a amiga Griselda (Lilia Cabral) e perde o medo de ficar sem o marido. Depois de tantas humilhações, ela passa a enfrentá-lo.
Já no final de "Fina Estampa", Celeste coloca Baltazar para fora de casa. A princípio, ela reluta em aceitá-lo de volta, mas pelo amor que ainda sente pelo marido, aceita ele de volta.
Os dias atuais
Comparando as novelas de 1996, 2003 e 2011, percebemos que a luta da mulher não é em vão. Enquanto antigamente um personagem agressor e machista era querido pelos telespectadores, mais tarde isso foi mudando e as pessoas passaram a ter raiva daqueles que agrediam suas mulheres, mesmo que na ficção.
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A repercussão também aumentou e tudo isso, é claro, porque hoje em dia as mulheres buscam seus direitos, não toleram mais nenhum tipo de machismo, e estão denunciando os homens.
Os relacionamentos abusivos sempre existiram e muitas vezes passam despercebidos na televisão. "O Rei do Gado" é uma prova disso. O público via uma mulher apanhando de um homem, mas não via a gravidade disso, o que ao longo dos anos foi mudando. Em 2003, 2011 e, principalmente em 2018, as coisas mudaram e agora o público se choca com o que vê na televisão, e muito disso é graças a internet.