A dura realidade da pessoa transexual no Brasil é complicada ainda mais com a falta de informação. Frases feitas como “homem é homem e mulher é mulher” costumam ficar na boca das pessoas que não conseguem, de fato, compreender o complexo processo psicológico que enfrenta uma pessoa que não consegue se identificar com seu gênero. Desde negação até atitudes drásticas, são muitos os dramas enfrentados por essas pessoas que, na maioria das vezes, nem com a família podem contar. Glória Perez mergulhou nesses conflitos para apresentar Ivana/Ivan.
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Pela primeira vez na televisão aberta brasileira houve, em 2017, uma abordagem desse complexo tema. Quem decidiu falar sobre o assunto foi Glória Perez em “A Força do Querer”. Perez não tem medo de tocar em temas polêmicos mas, seja por pressão da emissora, rejeição do público o que for, alguns temas podem acabar em uma abordagem superficial ou pouco realista (como o tráfico de mulheres em “ Salve Jorge ”). Ainda assim, Perez fez a lição de casa e realizou uma extensa pesquisa em relação ao tema para criar a personagem Ivana, interpretada pela talentosa atriz revelação, Carol Duarte . A autora conheceu a história de transexuais e manteve contato com alguns que ajudaram a esclarecer não só aspectos psicológicos e físicos da transformação, mas também sociais.
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E assim nasceu a filha de Joyce (Maria Fernanda Cândido) e Eugênio (Dan Stulbach). Criada pela vaidosa mãe para ser um reflexo seu, a menina sofre quando chega na fase adulta cercada por conflitos que ela não compreende imediatamente. A primeira metade na novela foca, principalmente, na ideia de que Ivana não gosta de vestir como meninas costumam e, mesmo gostando de um rapaz, não consegue se relacionar com ele. O período chega a ser meio repetitivo, com muitas cenas em que a jovem se encara no banheiro, refletindo sobre “essa não ser ela de verdade”. Nesse sentido, a novela se difere mais da vida real. Normalmente as pessoas compreendem mais cedo essa não identificação. Além disso, o conflito vai além de simplesmente não querer usar roupas “de mulher”. Mas é aí que é importante analisar o porquê de Glória insistir nesse tipo de cena e demorar a engatar a “transformação” em si. O público de novelas, em geral, não está acostumado a ter esse debate, e a maneira “didática” com que Glória o trata faz com que seja mais fácil e em “doses homeopáticas” a compreensão.
Parte II
Depois de estabelecer um claro conflito de identidade, Glória começa a desenvolver, de fato, a história de Ivana. Depois de muitas consultas frustradas com uma psicóloga, ela finalmente começa a ter uma claridade de quem é. Mas não é até conhecer Tê e ouvir sua história que ela finalmente compreende: é um homem, e não uma mulher. A essa altura o público já está mais apto a acompanhar sua mudança.
A decisão de Glória em manter esse ritmo foi acertada, ainda mais considerando como é conservador o público de novela. Vale lembrar que o casal Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathalia Timberg) foi rejeitado logo no início de “Babilônia”.
Com a transformação, em andamento, Ivana começa a tomar hormônios e vive praticamente uma vida dupla: na família e com os amigos que a apoiam. Chega, então, o momento da verdade. Em uma das cenas mais marcantes de “A Força do Querer”, ela despeja todos os conflitos que viveu em sua família e tenta explicar quem é de verdade. Sem receber apoio, ela sai de casa. A transformação para Ivan, então, ganha uma nova etapa já que, enquanto começa a aparentar ser um homem, ele tenta, mais uma vez, entender seu lugar no mundo.
O clichê dos clichês
Se há uma crítica a ser feita ao personagem criado por Glória é o fato de que, não contente em contar uma história que já é cheia de complexidade, ela decidiu inserir um dos maiores clichês da teledramaturgia: a gravidez . Desnecessário e difícil de explicar, ela não tem o mesmo tempo que teve com a história de Ivana para explicar as inúmeras possibilidades que acompanham um transexual.
Mas, pelo menos o primeiro passo foi dado por Glória Perez . Ivan ganhou sua torcida na novela e, mesmo que ainda não tenha a aprovação da mãe, começa a trilhar seu caminho como homem e pode, pela primeira vez, compreender quem é. E o público pode fazer o mesmo, enquanto torce por seu final feliz.
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