A obra mais célebre do arquiteto Antoni Gaudí é, sem dúvida, a Sagrada Família. Uma basílica em construção há mais de 130 anos, posicionada bem no centro da cidade, entre o mar e as montanhas. No seu entorno, turistas de todo o mundo se empenham na tarefa de fotografá-la.
Ao se aproximar da fachada, é possível acompanhar, em estátuas de pedra, passagens da vida de Jesus Cristo e sua família. Cenas que retratam desde o nascimento e a chegada dos reis magos até a formação de seus discípulos Marcos, João, Lucas e Mateus, homenageados nas quatro torres principais.
Aspectos de tirar o fôlego
A expectativa na cidade era de que o ambicioso projeto fosse concluído em 2026, centenário de morte de Gaudí. Porém, a data prevista foi adiada. Quando terminada, espera-se que a Sagrada Família se torne a basílica mais alta do mundo, com 172 metros. E não por acaso, esta altura foi planejada para não ultrapassar a montanha de Montjuïc, que emoldura a cidade.
Segundo o arquiteto, esta seria uma forma de simbolizar que a obra do homem nunca poderá superar a obra de Deus. Enquanto do lado de fora da igreja reina o barulho dos carros e das conversas em distintos idiomas, a primeira impressão ao entrar na nave principal é de amplitude e paz.
Do lado direito, os vitrais de cores frias pintam o chão de verde e azul. E, ao lado esquerdo do altar, as cores quentes brilham ainda mais com o sol, invadindo o salão de laranjas e vermelhos. Colunas de diferentes materiais sustentam as altas torres da igreja.
Ao olharem para cima, no lugar de encontrar um afresco de Michelangelo, como no teto da Capela Sistina, os visitantes se deparam com estruturas que lembram as copas de altas árvores. Assim, Gaudí conseguiu criar uma sensação profunda de se estar mergulhado em um bosque, mesmo entre tanto concreto.
O Parque Güell e a conexão entre natureza e espiritualidade
Após conhecer o coração de Barcelona e a obra que resume a conexão que Gaudí faz entre espiritualidade e natureza, chega o momento de apreciar a cidade desde cima, como pensou Gaudí ao criar um condomínio de casas nas montanhas da cidade, que, depois de alguns anos, foi convertido no irreverente Parque Güell.
Para os moradores de Barcelona com o benefício GaudirMés, o Parque Güell tem entrada gratuita. Por isso, pessoas com roupas esportivas passeiam com seus cachorros entre os turistas, que chegam por vezes bem arrumados, para uma sessão de fotos nos diferentes cenários criados por Gaudí.
O parque tem uma rota circular que começa por uma passarela, sustentada por colunas com personalidade própria. O vão formado agracia os músicos com uma acústica perfeita e, a cada dia, violeiros, tecladistas e cantores utilizam este pequeno anfiteatro como posto de trabalho.
As melodias, quase sempre tranquilas, se mesclam perfeitamente com o canto dos pássaros (que também só têm elogios ao arquiteto, por não poupar esforços em manter o ambiente arborizado ). Já desde cima da passarela, é possível ter uma das melhores vistas panorâmicas da cidade. Com pouco esforço, a retina alcança o mar e o porto.
Aproveitando a vida fora de casa
Nesta trajetória, se encontram as famosas “manzanas”, que se tratam de quarteirões de prédios com um pátio interno em comum. Uma avenida diagonal corta o geométrico bairro do Eixample e, dessa maneira, a cidade foi planejada pensando nos pedestres antes que nos carros.
De fato, os catalães têm uma cultura de aproveitar a vida fora de casa. Seja tomando um café com leite, o “cortado”, em uma mesa de bar, ou em qualquer um dos bancos posicionados muito amavelmente pelas praças e avenidas de calçadas largas.
Praça da Natureza
O caminho pelo Güell continua até o grande cartão postal do parque, a Praça da Natureza, uma ampla área elevada por colunas e coberta de areia branca. A circunferência desta sacada é bordeada por bancos ondulados de mosaico colorido com a técnica “trencadís”, de azulejos partidos, muito utilizada em outras obras do arquiteto. O resultado é um painel que se mistura perfeitamente com a natureza que o rodeia.
Ao descer as escadas laterais, o visitante se depara com uma imensa galeria e, mais uma vez, com a enorme atenção aos detalhes de Gaudí. O teto é completamente revestido de mosaicos que variam entre peças de azulejos e outras cerâmicas recicladas, como xícaras e pratos. Uma salamandra, também do mesmo estilo, é responsável pela despedida dos visitantes ao final do parque. Mais conhecida como “El Dragón”, a escultura que cospe água é um dos símbolos do parque, da cidade e, por que não, da Espanha?
A Casavicens, a primeira grande obra de Gaudí
Basta descer algumas ruas pelo tradicional bairro de Gràcia para encontrar a próxima parada, desta vez uma casa, que passa desapercebida por muitos roteiros de viagem. Trata-se da Casavicens, a primeira grande obra de Gaudí.
Inspirado pela arquitetura árabe, com elementos de Art Noveau, o edifício é completamente coberto por azulejos de delicadas flores. Mas bastam alguns passos para trás para ver que, com um pouco de distância, os seus detalhes formam um grande xadrez verde e vermelho.
Estas características únicas criadas por Antoni Gaudí se converteram em um movimento arquitetônico, o Modernismo Catalão, que envolveu também a produção de esculturas e pinturas em Barcelona.
Casa Batlló e o Modernismo
Um dos principais exemplos do Modernismo é a Casa Batlló, na larga avenida Passeig de Gràcia. Existe um paralelo possível entre a avenida catalã e a Champs-Élysées de Paris. Ambas estão em zonas centrais da cidade, eram o palco das novidades vindas de fora e também ponto de encontro da alta sociedade. E no caso das duas avenidas, até hoje, é possível encontrar lojas de artigo de luxo e filas formando-se nas portas.
A fachada da Casa Batlló, no número 43 da avenida, não se assemelha a nenhum conceito de casa tradicional. Suas grandes janelas são emolduradas por grades que lembram ossos, e suas paredes parecem estar em constante movimento. Este fenômeno, que reúne turistas desde as oito da manhã, se trata de um jogo de mosaicos em azul que guarda grande simbologia.
O telhado da casa é, provavelmente, a característica mais surpreendente do edifício. Ele foi construído com azulejos em forma de escama e, mesmo para quem se considera pouco imaginativo, é fácil reconhecer ali o corpo de um dragão. Mas não se trata de uma fera qualquer.
Quem cobre a Casa Batlló é o dragão de São Jorge, padroeiro da cidade de Barcelona. E, para completar a homenagem, a casa conta também com uma torre de quatro pontas que representa a espada do santo atravessando o corpo do animal.
Disputa de casa mais bonita
O edifício foi originalmente encomendado por Josep Batlló, e o rico empresário viveu na casa com sua família até a década de 50. Em uma visita audioguiada, é possível reconhecer o escritório de Batlló, o andar dos criados e a cobertura, com uma visão perfeita para o vai e vem das carruagens e da vida na época.
Neste ritmo de ostentação, uma competição velada entre qual família teria a casa mais bonita foi criada, na qual, em um mesmo quarteirão, nomeado “Quarteirão da Discórdia”, foram construídas a Casa Batlló, de Gaudí, a Casa Amatler, de Josep Puig i Cadafalch, e a Casa Lleó Morera, de Lluís Domènech i Montaner. Simplesmente os maiores nomes do modernismo na Catalunha.
La Pedrera
Mas se não bastasse, por senso comum, ter ganhado esta competição, Gaudí ainda chamou a atenção da alta sociedade com mais uma casa. Se trata da Casa Milà, apelidada de La Pedrera, por sua enorme fachada de pedra. Só mesmo um arquiteto como ele para transformar elementos rígidos da natureza em formas de ondas do mar. E até o ferro foi retorcido em formas orgânicas para finalizar as sacadas do prédio.
O salão principal é conhecido por sua claraboia, um gigante pedaço de céu que recebe os visitantes na casa. Escadas adornadas também por mosaicos levam até o sótão, revestido por arcos de tijolo que dão uma sensação de caverna ao espaço. Lá estão expostas maquetes do arquiteto e elementos naturais como o desenho de folhas e conchas do mar, utilizados de fonte para inspiração.
Porém, o grande espetáculo da casa ainda está por chegar. Refere-se a um verdadeiro jardim de esculturas no topo do edifício. São as chaminés de Gaudí, que vão além da sua função de ventilar ambientes. As figuras são interpretadas como os guardiões da casa e, a depender do ponto de vista, tomam forma de seres fantásticos com olhos e expressões faciais.
O melhor horário para visitar a cobertura é durante o entardecer, quando as pedras assumem uma coloração alaranjada. É também um dos melhores pontos para despedir-se da cidade. Desde lá, é possível admirar a Sagrada Família, ponto de partida desta viagem, assim como as montanhas que acolhem o Parque Güell e a avenida Passeig de Gràcia, que leva milhares de turistas e suas câmeras até a entrada da Casa Batlló.
Por Raquel Cintra Pryzan – revista Qual Viagem
Jornalista de viagem e autora do projeto @solanomundo