
O insone conde russo Hermann Karl von Keyserling passava por Leipzig, na Alemanha, quando resolveu encomendar a Johann Sebastian Bach uma obra que pudesse ser executada ao longo de suas noites em claro. O compositor achou que o melhor remédio para a insônia do nobre era criar um conjunto de variações cuja escrita era considerada “ingrata” por causa dos fundamentos harmônicos repetidamente semelhantes, segundo menciona Johann Nikolaus Forkel , biógrafo de Bach.

O pupilo escolhido para preencher os períodos de falta de sono de Keyserling foi o cravista Johann Gottlieb Goldberg , de 15 anos, cujas mãos ágeis deveriam receber orientações musicais de Bach. Hospedado na casa do conde, durante a madrugada Goldberg passava horas executando o ciclo de exercícios para o nobre. Por conta dessa composição “terapêutica” , Bach foi presenteado com um cálice com 100 luíses (moedas) de ouro.
Ao que tudo indica, as mãos de Goldberg eram maiores e mais espaçadas que o normal. Devido a essa facilidade física, o garoto obstinado parecia escolher propositadamente as peças de mais difícil execução. Ele foi apresentado a Bach por Johann Friedrich Reichardt e tornou-se intérprete virtuoso, profundo admirador da obra do compositor alemão.
Por esse motivo, o quarto volume dos Clavierübungen (Exercícios para Instrumentos de Teclado) de Bach recebeu o sugestivo nome de Variações Goldberg. Bach foi o criador da maior quantidade de obras para instrumentos de teclado em toda a história da música ocidental.
As Variações Goldberg são um conjunto de uma ária — executada no começo e repetida ao fim do ciclo — e 30 variações oriundas da estrutura de baixo existente na ária inicial. Embora hoje em dia se coloque em dúvida a veracidade da anedota sobre a peça ter sido escrita para curar a insônia de Keyserling, o conjunto de exercícios, considerado o ápice da arte da variação, foi efetivamente composto em 1741 e marca o momento de transição para as obras da última fase de composição de Bach, nos derradeiros dez anos de sua vida.
A variação é a forma musical em que um tema é exposto sucessivamente em contextos alterados. Nas Variações Goldberg, parece haver uma chave matemática: cada uma das variações que representam números múltiplos de três são cânones a intervalos progressivamente maiores — ou seja, a sexta variação é um cânone com intervalo de segunda; a nona variação, com intervalos de terça; e assim por diante. As Goldberg apontam para um rigor formal ao mesmo tempo em que permitem liberdade de interpretação.

O pianista canadense Glenn Gould (1932-1982) consagrou-se ao gravá-las em 1955, aos 23 anos. Sua interpretação é uma das mais famosas e rápidas — por exemplo, a variação no 5 foi executada em apenas 35 segundos. Amadurecido, Gould regravou a obra em 1981, um ano antes de sua morte. Parte de sua interpretação pode ser ouvida nos filmes O Silêncio dos Inocentes (1991) e Hannibal (2001). Os cadernos com os exercícios de Bach foram impressos em 1741. As Variações foram utilizadas por vários anos apenas com finalidade didática, até que em 1914 o pianista italiano Ferrucio Busoni resolveu recuperar a obra para as salas de concerto. Das impressões originais, restam 19 cópias. A mais importante delas, com anotações e correções feitas pelo próprio compositor, está na Biblioteca Nacional da França, em Paris.