
O intervalo entre a saída de Cazuza do Barão Vermelho e o lançamento de seu primeiro disco-solo durou menos de cinco meses. Após três LPs, duas apresentações no Rock in Rio e vários shows pelo Brasil ao lado de Frejat , Maurício , Dé e Guto , era hora de o cantor e compositor seguir o próprio caminho e mostrar ao público suas influências e aspirações para além do rock.
O álbum de estréia, Exagerado , produzido por Ezequiel Neves e Nico Rezende, chegou às lojas pela gravadora Som Livre no dia 18 de novembro de 1985. Com grandes sucessos, como “Codinome Beija-Flor” e “Mal Nenhum”, o début “mais autoral” — como ele mesmo dizia — de Cazuza foi encabeçado pelo hit que dava nome ao disco. A letra de “Exagerado” foi composta pelo cantor e pelo produtor musical Ezequiel Neves, conhecido como Zeca Jagger devido à devoção aos Rolling Stones.
O desafio musical ficou a cargo de Leoni, guitarrista do Kid Abelha, que recebeu dos dois letristas, Cazuza e Zeca, um grande poema, sem indicações de refrão, de parte A, B ou C. A única recomendação feita por Cazuza era que a música tivesse um ar meio latino, como um bolero: lancinante e rasgado para combinar com os arroubos de uma letra que brinca com a caricatura em versos como “destinos traçados na maternidade” e “te trago mil rosas roubadas” e, ao mesmo tempo, se afasta do romantismo ingênuo e esbanja auto-ironia e dubiedade ao declarar “adoro um amor inventado” .
Leoni não conseguiu atender ao pedido do amigo, pois sua escola era mesmo o rock’n’roll e o aprendizado se dava com os discos dos “professores” gringos, como The Who , e com os colegas de bandas parceiras que faziam a lição de casa e a história do gênero no Brasil da década de 1980. Na época, o país era tomado por uma onda pós-punk e new wave .
A receita misturava um estilo de rock cru com letras politizadas ou declarações de amor explícitas. As principais frentes do rock formaram-se em Brasília, com Legião Urbana e Capital Inicial, e no Rio de Janeiro, com Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Blitz, Kid Abelha e Lulu Santos. Mais isoladas, bandas como Ira!, em São Paulo, e Engenheiros do Hawaii, no Rio Grande do Sul, também eram formadas por garotos que ajudaram a moldar e a disseminar um estilo inspirado no som e na atitude de ídolos internacionais, mas em versão tropicalizada.
Foi no estúdio da gravadora Som Livre que Cazuza e Ezequiel ouviram pela primeira vez o resultado do trabalho, sem grandes invenções nem firulas, do parceiro Leoni. A melodia era simples e marcante, e a harmonia, toda construída com acordes maiores, menores e poucas dissonâncias mais tensas. Estava decidido que aquela seria a música de trabalho do disco.
A canção e o LP marcam uma fase de transição de um Cazuza que aos poucos foi mudando de temática e de estilo. O rock mais cru não saiu de cena em definitivo, mas passou a dividir espaço com baladas mais elaboradas e até mesmo com uma bossa nova , “Faz Parte do Meu Show”. Em nove anos de carreira e 11 discos — incluindo os gravados com o Barão —, Cazuza gravou 126 músicas, mas não há outra que represente um auto-retrato tão perfeito como “Exagerado”.
*Este texto faz parte do especial “100 canções essenciais” e foi originalmente publicado na Revista Bravo! em 2008