De passagem pelo Festival de Cinema do Rio de Janeiro , o ator italiano Filippo Scotti viveu uma experiência que o deixou encantado: após a exibição do filme “A Hora do Orvalho”, de Marco Risi , ele notou o deslumbramento do público e sentiu em si a mesma emoção. Foi uma situação catártica, que renovou sua paixão pela sétima arte. O ator ganhou projeção internacional com o filme “A Mão de Deus”, obra autobiográfica de Paolo Sorrentino indicada ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2022. A produção acompanha a história de Fabietto, um jovem de Nápoles nos anos 1980, cuja vida muda drasticamente após uma tragédia familiar, enquanto ele descobre seu amor pelo cinema e enfrenta o luto e a busca por um propósito.
Na época, ele tinha apenas 21 anos. Hoje, aos 24, ele apresenta seu mais novo trabalho, “O Quintal Americano” (L’orto Americano), dirigido por Pupi Avati , conhecido por filmes como “A Casa com Janelas Sorridentes” (1976) e “Um Coração para Sonhar” (2003), além de sua colaboração no roteiro de “120 Dias de Sodoma”, com Pier Paolo Pasolini. O longa fez sua estreia na edição do Festival de Veneza deste ano.
No longa, Filippo interpreta um jovem italiano que, em plena Segunda Guerra Mundial, se apaixona por uma enfermeira norte-americana. Um ano depois, o protagonista se encontra no meio-oeste dos Estados Unidos, junto a um quintal cheio de mistérios. Ali, convive com a mãe da amada, uma senhora atormentada pela ausência de notícias da filha, desaparecida desde o fim do conflito. Em busca de respostas, ele se lança em uma investigação tensa que o leva a revelações surpreendentes e a um retorno inesperado à Itália.
Em entrevista à Bravo, ele conta que o papel chegou de forma inusitada: “eu já estava na Itália quando minha agente me ligou, dizendo: ‘Na segunda-feira, você deve se encontrar com Pupi Avati. Na semana seguinte, se gostar do projeto, já estará dentro.’”
Para um profissional em ascensão, mas ainda no início de sua carreira, aquele parecia um desafio que não podia ser ignorado. “Fiquei sem entender direito, foi muita informação. Geralmente, gosto de me preparar muito. Mas era como se a vida estivesse me dizendo: ‘Agora é a sua vez.’ Mesmo que eu tivesse apenas três dias para me preparar, precisava encarar o desafio e aprender durante o processo. Isso foi interessante, pois me permitiu enxergar o trabalho de uma perspectiva diferente”, conta.
O longa chama a atenção pela escolha estética do diretor de filmá-lo em preto e branco, o que aprofunda a imersão na narrativa histórica e remete a clássicos dos anos 1940. Além disso, o filme se insere no gênero de horror gótico, que traz elementos narrativos inspirados na literatura gótica dos séculos XVIII e XIX. Há a mistura do sobrenatural, do sombrio e do romântico a fim de criar uma atmosfera de mistério e tensão. Acrescenta-se ao suspense a confusão mental do protagonista.
Embora cativante, o papel vivido por Filippo lida com transtornos mentais e, por vezes, sua percepção da realidade confunde o espectador. “A história é sobre um homem que, supostamente, é considerado louco. Mas essa ‘loucura’ está cheia de bondade. Ele confia nos outros, mesmo que não fique claro se essas pessoas são reais ou projeções dele”, resume.
Boa parte da trama acompanha o julgamento de um homem acusado de assassinar três mulheres. O interesse do jovem na arbitragem surge, especialmente, pela suspeita de que o acusado talvez seja responsável pelo desaparecimento da enfermeira por quem se apaixonou.
A relação entre o ator e o diretor foi essencial para a construção do papel, que o ator descreve como um “grande ponto de interrogação”. Apesar do desafio de viver alguém em um contexto histórico e cultural tão distinto, ele sentiu-se acolhido por Avati, que o tranquilizou desde o início: “Não se preocupe. Vamos construir isso juntos”, relembra o ator. A parceria fez com que ele conseguisse encontrar a essência do papel e dar vida à trama.
“Essa foi a primeira vez que atuei em inglês, mesmo com o sotaque. Isso me deu a chance de não me julgar, o que é muito importante para atores e atrizes, pois, geralmente, nos julgamos demais. Acabamos ouvindo mais a nós mesmos do que aos outros. Mas, para atuar, é preciso se concentrar no que os outros dizem, não em si mesmo. Caso contrário, você não está realmente vivendo a cena.”
Nascido em Gravedona (na região da Lombárdia), o artista iniciou sua trajetória aos 11 anos. Seu objetivo inicial era estudar dança, mas foi reprovado em uma seleção para uma importante escola em Nápoles. “Foi o primeiro grande ‘não’ da minha vida. A partir daquele momento, minha mãe sugeriu que eu tentasse fazer teatro. E eu fiz. Com o tempo, percebi que estava fazendo algo por diversão, mas que também era muito desafiador e interessante.”
Aos poucos, foi se aprofundando cada vez mais no ofício, transformando-o em carreira. Agora, Filippo vive um momento importante em que consolida suas impressões sobre a profissão e busca se adaptar para tirar o melhor dela.
“Percebi que esse trabalho não tem a ver com todos os sonhos que imaginamos antes. Esperava que fosse o trabalho dos sonhos, mas descobri que muitas coisas que eu pensava que estariam lá não estavam. E é bonito. No começo, há sempre um fogo, uma motivação, mas em algum ponto da carreira, há uma tentação de achar que já se alcançou tudo. Não, nunca se chega totalmente lá. Se você quer fazer algo para sempre, precisa estar disposto a mudar, a redefinir seu ponto de vista, a ouvir. Só assim é possível superar os próprios limites e manter a chama acesa”, ele conta.
Nesta sua primeira visita à América do Sul, ele compartilha seu encantamento pelo Rio de Janeiro e a expectativa em relação ao seu lançamento. “Estou realmente impressionado [com o Rio] e tenho certeza de que eles vão encontrar algo novo no filme.”