Nos últimos anos, uma série de programas de TV têm levantado a questão dos relacionamentos abusivos - e como as mulheres demoram a perceber que estão vivendo situações de violência mascaradas por supostos atos de romantismo. O tema é um dos principais motes da novela " O Outro Lado do Paraíso ".
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A personagem Clara, vivida por Bianca Bin, tem mostrado com clareza do que se tratam os relacionamentos abusivos . Na trama, ela foi estuprada e sucessivas vezes espancada pelo marido Gael (Sérgio Guizé), e sempre após esses atos, ele se converte em um marido preocupado, que a ama e se arrepende de suas ações - e essa mudança brusca no modo de agir faz com que a vítima demore a perceber que está vivendo um tipo de violência, pois o agressor não é agressivo o tempo inteiro. Além disso, a principal justificativa para o comportamento é o ciúme. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), três em cada cinco mulheres são vítimas de relacionamento abusivo ao redor do mundo - dado que só reforça a importância de trazer esse assunto para as telinhas no horário nobre.
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O papel da ficção é funcionar como instrumento pedagógico, levando essas situações para as discussões nos círculos sociais, além de deixar o alerta para o público que situações como estupro marital e violência doméstica não são incomuns. O exemplo de Clara e Gael não é pioneiro na TV - já houve outros casais da teledramartugia cujos relacionamentos se enquadravam nesse panorama -, mas a forma como essa relação é explorada por Walcyr Carrasco, sim.
Se antes as atitudes machistas ganhavam uma redenção no final, com um marido se descobrindo apaixonado pela mulher quando a perdia, parece que essa lógica não irá funcionar com Gael. Apesar de ainda ter muita história pela frente, "O Outro Lado do Paraíso" não deverá mostrar uma redenção tão tranquila assim para o personagem - que chegou a internar a mulher em um hospício.
Mais casais
Na teledramaturgia, há vários casais como Clara e Gael. Há nomes como Raquel (Helena Ranaldi), que apanhava de raquete do marido Marcos (Dan Stulbach); Sônia (Paola Oliveira), que passou poucas e boas nas mãos de Clóvis (Dalton Vigh); Catarina (Lilia Cabral), que foi vítima das agressões de Leonardo (Jackson Antunes) durante muitos anos; Celeste (Dira Paes), que sofreu um bocado para se livrar de Baltazar (Alexandre Nero); e tantas outras mulheres da ficção.
Você viu?
Marcos, de "Mulheres Apaixonadas", por exemplo, agredia a professora Raquel com uma raquete de tênis, quando sentia ciúmes e achava que a esposa merecia ser punida por suas desconfianças. Ou então, Baltazar, de "Fina Estampa", que chegava a arrombar portas e proibir que Celeste e Solange (Carol Macedo) saíssem à rua. E, depois, insistia para que a mulher o perdoasse e a presenteava com uma noite de sexo. A diferença destes casais é que, agora, o autor se comprometeu a debater o tema de forma séria - ao invés de matar o personagem ou simplesmente torná-lo bonzinho ao ficar sem a companhia da esposa, escancarando a verdade nua e crua na cara na cara da audiência.
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Embora muito mais frequentes na emissora global, os abusos nas novelas não se restringem à Rede Globo. Na emissora do bispo, a Record TV, a novela "Vidas em Jogo" trouxe Zizi (Lucinha Lins), uma mulher que chegou a tentar tirar a própria vida, de tanto que apanhava do marido Adalberto (Luiz Guilherme). E, diferentemente da concorrente, não apostou em uma redenção fácil para o abusador, abordando a violência doméstica de forma mais séria e mostrando os verdadeiros impactos que esse tipo de situação tem sobre a vida das pessoas.
Críticas?
Apesar de seus esforços para tentar abordar o tema de uma forma inovadora e séria, o autor está enfrentando uma série de críticas sobre a forma como está abordando o assunto - com cenas fortes, como o estupro de Clara e os seguidos espancamentos que a personagem sofreu na primeira fase da novela, além de sua internação forçada em uma clínica psiquiátrica. A maior crítica vem do fato de que, apesar de todos os abusos, a protagonista sempre perdoava o marido, acreditando na promessa de que ele iria mudar seu comportamento.
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Além das cenas de violência explícita, a emissora tem apostado em mensagens com o número do Disque-Denúncia (180) depois dos capítulos em que as cenas desse tipo são exibidas, incluindo mensagens dando conta de que as situações ali retratadas não são normais do cotidiano na vida de marido e mulher. Essa tática da Rede Globo está rendendo muitos debates nas redes sociais, e os internautas sempre compartilham a imagem oficial exibida pela emissora - exatamente o ponto que Walcyr Carrasco queria atingir com a temática.
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Não há sombra de dúvidas de que Walcyr Carrasco esteja mexendo em um vespeiro ao abordar dessa forma os relacionamentos abusivos. A questão da violência doméstica ainda esbarra na ideia de que "em briga de marido e mulher não se mete a colher". A postura da personagem de Bianca Bin também levantou questionamentos sobre o porquê a mulher sempre aceitou o marido de volta - e isso esbarra em mais um conceito da sociedade patriarcal: "ela gosta de apanhar". Há ainda o estupro marital, um dos maiores tabus da atualidade, que bate de frente com a alegação de que "o marido tem seus direitos", e que coloca o sexo como obrigação do casamento.