O maestro e pianista João Carlos Martins, 82 anos, já venceu inúmeras batalhas na vida: ele enfrenta dores diárias por conta da distonia focal, doença rara que afeta os movimentos das mãos desde os seus 18 anos; já passou por mais de 25 cirurgias, três embolias pulmonares, um acidente que resultou em atrofia de dedos na mão; e uma concussão cerebral após um assalto.
Conhecido por ajudar milhares de pessoas a superarem seus desafios físicos e mentais e incentivá-las a não desistir da música, o paulistano decidiu abraçar mais uma causa: o combate ao desmatamento na Amazônia. Depois de lotar o Carnegie Hall, localizado em Midtown Manhattan, Nova York (NY), o músico decidiu fazer um concerto totalmente focado no Brasil.
“Faço cerca de 140 concertos por ano. A partir de maio de 2025, vou fazer uma turnê americana para lutar contra o desmatamento da Amazônia. Meus projetos continuam. Depois de tantas coisas que passei, tenho certeza que a única coisa importante na vida é a gente jamais perder a esperança”, disse com exclusividade ao iG, logo após apresentar-se em NY.
A ideia de montar um show diferente pensando em uma das principais questões ambientais do Brasil surgiu nesta viagem aos Estados Unidos (EUA), quando o músico estava no saguão do hotel, pouco antes de arrancar lágrimas do público na lendária sala de concertos e espetáculos onde estreou há pouco mais de 60 anos.
Noite histórica
A apresentação do último sábado (16) marcou uma grande celebração da sua carreira e também foi uma prévia do que o público poderá conferir nos próximos shows do maestro em prol do país. Pela primeira vez, Martins regeu nos EUA usando as mágicas “luvas biônicas”, criadas para ele há três anos pelo designer industrial paulista Ubiratan Bizarro Costa. As peças, que também o auxiliaram na regência, o possibilitaram tocar no teclado com os dez dedos após décadas. Essas luvas especiais estabilizam os pulsos e previnem espasmos nos braços.
“A minha luta na vida é procurar levar emoção e perfeccionismo para o público. Eu tenho certeza de que o concerto chegou pertíssimo do perfeccionismo e totalmente com a emoção”, resumiu ele, que regeu a NOVUS NY, orquestra de música contemporânea da Trinity Wall Street.
Além de interpretações do compositor alemão Johann Sebastian Bach, o repertório contou ainda com “Bacanas Brasileiras”, de Heitor Villa-Lobos, e a obra “Portais Brasileiros nº 2 (Cirandas)”, encomendada ao pianista e compositor André Mehmari - descrito por Martins como “o próximo Villa-Lobos”. Neste momento, um dos auges da noite, o público cantarolou tradicionais cantigas infantis brasileiras - como “Cai Cai, Balão”, “Boi da Cara Preta” e “Escravos de Jó”.
“Foi um momento inesquecível para mim por vários motivos. Estou muito grato por ouvir meu arranjo sendo tocada em uma sala legendária, com tanta história, como o Carnegie Hall. E também por ter sido regida pelo maestro João Carlos Martins, em um programa que tinha Villa-Lobos e Bach”, disse Mehmari após o concerto.
“Portais Brasileiros 2" foi a segunda encomenda de Martins ao músico. “Inicialmente, ele tinha me pedido para fazer um arranjo das cantigas infantis de Villa-Lobos. Depois, ele voltou atrás e me deixou livre para escolher as canções e fazer essa ‘brincadeira’. Escolhi 11 cantigas bem conhecidas e interpolei os temas, fiz inversões e criei uma composição única. Tivemos muita troca. Foi um processo bem próximo”, contou o músico, que se apaixonou pelo trabalho do maestro ainda na infância.
Assim como Mehmari, a enfermeira brasileira Salut Castro, 39, conheceu o trabalho de Martins quando começou a tocar piano, aos 5 anos, e desde então acompanha tudo o que ele faz. “Eu acho ele maravilhoso e sempre escutei o que ele tocava. Tinha o sonho de vê-lo tocar de perto. Me emocionei demais”, contou.
Salut passou sua paixão pela música e pela obra de Martins para a filha, Nicole Castro, 18, que também aprendeu a tocar o instrumento quando era pequenininha. Elas sentaram na primeira fileira do Carnegie Hall e não desgrudaram os olhos - e os ouvidos - do brasileiro. “Tudo que ele faz, seja como pianista ou como maestro, é primoroso. A gente consegue ‘ver’ a música através dos movimentos das mãos dele. É algo inexplicável”, disse.
João Carlos Martins foi ovacionado após terminar sua apresentação tocando três músicas no piano, incluindo uma que tinha executado em março de 1962, aos 21 anos, quando estreou no próprio Carnegie Hall. "Temos imenso respeito e orgulho pela trajetória do maestro, que sempre demonstrou ser uma pessoa determinada, resiliente e que não desistiu de redirecionar a carreira para continuar trabalhando com sua paixão, a música erudita", afirmou Danillo Barbizan, gerente de Vendas Brasil da Delta Air Lines, patrocinadora do evento.
A empresa viabilizou a ida de jornalistas, cientistas e parceiros ao espetáculo em NY e demonstra interesse na próxima série de concertos de Martins dedicada à preservação da Amazônia. "Ficamos muito felizes com o novo projeto. Pelo vínculo que criamos com ele e pela importância que a Delta dedica ao assunto, podemos conversar melhor sobre os novos concertos pretendidos e quiçá avançarmos juntos nisso", antecipou Barbizan ao iG.
Segundo o executivo, sustentabilidade há algum tempo é um dos focos da companhia aérea, que tem uma diretora-executiva para cuidar do tema, além de iniciativas já em vigor – como aquisição e uso de combustível de aviação sustentável nas aeronaves em quantidade crescente e modernização da frota, que despende menos CO2 – e outras de implantação a médio e longo prazos, para poder cumprir o compromisso de um futuro com uma aviação de impacto zero ao meio ambiente até 2050.
Muita emoção
Quem também assistiu de camarote esse momento histórico foi a ativista brasileira Maria Cristina Mendes, 56, amiga do maestro, que viajou para NY só para ver o show. “Ele representa o melhor do Brasil no mundo. O país passou quase 3 anos ‘enterrado’, por conta da pandemia, e agora está florescendo de novo. É o momento de ver a cultura e a arte brasileira brilhando. Além disso, ele tem uma história de superação maravilhosa. Ele é símbolo disso tudo”, afirmou.
Maria Cristina o conhece desde os 10 anos de idade, e lembra de ver Martins tocando piano em casa nas confraternizações de família. “Ele sempre tocou lindamente Bath, mas as músicas que faziam mais sucesso eram as brasileiras”. A ativista ainda levou para a apresentação do amigo em NY a cadela, Fé: “Ela adora música clássica”.
Diferente de Maria Cristina, Salut e Nicole, o consultor de investimentos americano Henry de Vismes, 75 anos, estava na terceira fileira do Carnegie Hall a convite de um amigo. Ele conheceu o maestro João Carlos Martins poucos dias antes do concerto e ficou impressionado com sua história. “Comecei a pesquisar mais sobre ele e fiquei muito interessado. Ele tem uma história muito bonita. Parece coisa de filme. Além disso, eu amo as músicas de Villa-Lobos e, na minha opinião, essa foi a melhor parte do espetáculo. A primeira vez que ouvi algo dele foi cortejando minha esposa, e ela amou. Faz pelo menos 25 anos que ouvimos a obra dele”.
Obs.: A jornalista viajou para Nova York (EUA) a convite da Delta Air Lines, patrocinadora do evento.