Ministério da Justiça muda classificação de filme de Porchat e Gentili

Alvo de censura pelo governo Bolsonaro, longa metragem 'Como se tornar o pior aluno da escola', de 2017, passou a ser recomendado para maiores de 18 anos

Danilo Gentili e Fábio Porchat no filme 'Como se tornar o pior aluno da escola'
Foto: Dilvulgação
Danilo Gentili e Fábio Porchat no filme 'Como se tornar o pior aluno da escola'

O Ministério da Justiça mudou a classificação indicativa do filme "Como se tornar o pior aluno da escola" (2017), com Danilo Gentili e Fábio Porchat no elenco. Em despacho publicado nesta quarta-feira (16) no Diário Oficial da União, a pasta afirma que "tendências de indicação como coação sexual; estupro, ato de pedofilia e situação sexual complexa" determinaram a mudança de recomendação etária para 18 anos — há cinco anos, à época da estreia do longa-metragem nos cinemas, o próprio ministério havia classificado a produção como recomendada para maiores de 14 anos.

O documento assinado pelo secretário José Vicente Santini também sugere que o filme seja exibido após as 23h em televisão aberta. "A nova classificação etária, com os devidos descritores de conteúdo, deve ser utilizada em qualquer plataforma ou canal de exibição de conteúdo classificável em até cinco dias corridos", diz o texto.


Ato de censura

A decisão foi publicada um dia depois de o Ministério da Justiça censurar a exibição da comédia em plataformas de streaming após a obra de ficção ser atacada por bolsonaristas devido a uma cena em que crianças sofrem assédio sexual de um personagem adulto, interpretado por Porchat.

O órgão comandado pelo ministro Anderson Torres estabeleceu, em caráter cautelar, que todas as plataformas de streaming suspendam a exibição da produção — se a ordem não for cumprida em cinco dias, uma multa diária de R$ 50 mil será aplicada às empresas.

Ao Globo, Porchat lamentou que o governo não consiga distinguir os limites entre ficção e realidade e explicou que a existência de personagens perversos não significa aprovação.

"O Marlon Brando interpretou o papel de um mafioso italiano que mandava assassinar pessoas. A Renata Sorah roubou uma criança da maternidade e empurrava pessoas da escada. A Regiane Alves maltratava idosos. Mas era tudo mentira, tá gente? Essas pessoas na vida real não são assim", ressalta Porchat. "Quando o vilão faz coisas horríveis no filme, isso não é apologia ou incentivo àquilo que ele pratica, isso é o mundo perverso daquele personagem sendo revelado. Às vezes é duro de assistir, verdade".

Segundo juristas, a decisão do governo é arbitrária e se configura como cerceamento da liberdade de expressão artística. Globoplay e Telecine anunciaram, por meio de nota, que "não podem" cumprir a medida justamente porque ela ofende um princípio constitucional.

"O Globoplay e o Telecine estão atentos às críticas de indivíduos e famílias que consideraram inadequados ou de mau gosto trechos do filme, mas entendem que a decisão administrativa do Ministério da Justiça de mandar suspender a sua disponibilização é censura. A decisão ofende o princípio da liberdade de expressão, é inconstitucional e, portanto, não pode ser cumprida", explicam as empresas.

Canetada arbitrária

A classificação indicativa de um filme é definida pelo próprio Ministério da Justiça, com base em normas técnicas. No parecer de 2017, o órgão observou que "a obra é atenuada por contexto cômico/caricato" e determinou que a comédia embalada por humor rasgado não fosse recomendada para menores de 14 anos.

"Naturalmente, pode-se discutir se a classificação etária está errada. O Ministério da Justiça pode, inclusive, recomendar e dizer que determinada classificação não atende mais. O que não pode é impedir a circulação da obra. Não há prerrogativa constitucional para isso", explica Sydney Sanches, presidente da comissão nacional de direitos autorais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Especialistas ouvidos pelo GLOBO alegam que o sistema de classificação etária no Brasil enfrenta dificuldades, embora tenha sido oficialmente reforçado por meio de uma portaria na lei publicada em 2021. A atual metodologia foi implementada em 2006, servindo de inspiração para outros países da América Latina. O modelo original já nasceu menos robusto do que se pretendia, no entanto. É que os conselhos regulatórios com entidades da sociedade civil nunca se consolidaram da forma como deveriam. Em funcionamento desde 2012, o Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa não foi convocado em nenhuma reunião da atual gestão federal, por exemplo.

"Infelizmente, temos esses mecanismos fragilizados. A política precisa ser fortalecida para que absurdos como estes não aconteçam", diz Veet Vivarta, consultor da organização não governamental Andi Comunicação e Direitos. "A atitude do ministro é antidemocrática. O filme pode ser questionado? A classificação deve ser alterada? Tudo isso precisa ser respondido por uma instância técnica. Não é alguém na cadeira do Ministério que vai dizer se pode ou não ou se tem que proibir".

'Cortina de fumaça', diz Gentili

A presidente da Comissão de Cultura da Câmara, deputada Alice Portugal (PCdoB/BA), classificou como um "expediente de censura" a decisão do Ministério da Justiça.

"Não tem respaldo na Constituição e provavelmente será derrubado pelo Judiciário", disse ela ao Globo.

Autor do livro homônimo que inspirou o filme "Como se tornar o pior aluno da escola", o comediante Danilo Gentili, também presente no elenco do longa, acredita que a medida tem por objetivo estabelecer o que ele chama de "cortina de fumaça", para que um assunto irrelevante se sobreponha a problemas de interesse coletivo.

"As pessoas não estão contentes com os preços e o andamento das coisas, então é sempre interessante criarem um espantalho pra desviarem o foco", diz o comediante. "O que mais explicaria todo esse esforço do gabinete do ódio pra fazer um filme de cinco anos atrás virar pauta em plena semana de aumento de combustível?".