Além de Juntos e Shallow Now: mulheres que fazem poesia na música
Mulheres assumem posição de destaque no cenário musical em diversos ritmos e marcam nova fase com o poder de suas composições
Por Gabriela Mendonça | , iG Gente |
Quando “Nasce Uma Estrela” foi lançado no final de 2018, o filme foi considerado um sucesso, e Lady Gaga o destaque na pele de Ally. A cantora, que já tem uma longa carreira, escreveu as próprias faixas, incluindo o sucesso Shallow , que acabou ganhando todos os prêmios possíveis, como o Oscar. Meses depois, Paula Fernandes não teve o mesmo êxito, e acabou estragando uma bela composição com a versão em português que traz o preguiçoso trecho “ juntos e shallow now ”.
Como esse verso foi aprovado e incluso na música é difícil de entender, mas a faixa virou motivo de meme. Pior, não soube adaptar o significado da original de Lady Gaga , que fala sobre duas pessoas tentando se encontrar, enquanto o sentimento de vazio os domina. Apesar do fiasco na versão, Paula Fernandes tem um longo histórico como compositora, escrevendo suas próprias faixas desde seu disco de estreia em 1993.
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Ela escrevia poesias que, acreditando não serem boas o suficiente, guardava para si. Quando finalmente as transformou em música, sua carreira saiu do papel. E para a nossa sorte, “ juntos e shallow now ” é uma exceção, e tanto Fernandes, como Gaga e outras cantoras têm esbanjado talento em suas composições.
Recomeço
Depois de cinco anos, um filho, um lugar fixo num programa na TV fechada e um projeto paralelo com outra proposta, Pitty retornou ao rock em 2019. Mas, ao invés de tentar emular “Admirável Chip Novo”, ela decidiu recomeçar com “Matriz”, álbum lançado em abril. Todas essas transformações são analisadas pela cantora nas faixas
“Nunca é tarde demais para voltar, pro azul que só tem lá”, recita antes de Bahia Blues, faixa onde relembra sua formação em Salvador. Nostálgica, como é em boa parte do novo álbum, ela relata sua experiência: “ Carrica na cara, coturno no pé / Agreste feito mandacaru / E o rio vermelho me carregou / Cada viela cada, beco me levou ”. Desde seu primeiro single, Máscara , Pitty mostrou que suas músicas eram reflexos de suas críticas e sua composição só ficou mais sofisticada ao longo dos anos.
Não é só sobre si e para si que ela escreve. Na Pele
, música escrita para “Setevidas”, mas que acabou não entrando no álbum, se tornou um hino de Elza Soares. Ela desenterrou a faixa para a cantora, e elas acabaram se unido para interpretar a faixa. “ Olhe bem pra essa curva /
Do meu riso raso e roto / Veja essa boca muda / Disfarçando o desgosto
”, escreve para si e também para Elza.
Jogando a real
Seja como instrumento de crítica social ou para abrir o coração, composições podem imprimir diversos sentimentos. Mas é o fator identificação que mais aproxima artistas e fãs. Duda Beat, por exemplo, estourou em 2018 com “Sinto Muito”, disco de estreia que a colocou no circuito de música pop brasileira. “ E eu vivia à flor da pele nem percebia / Que das vezes que eu ria era vontade de chorar ”, canta em Bédi Beat . A identificação é um dos atrativos para a música da cantora, e ela sabe disso: “todo mundo sofre, todo mundo gosta de alguém e não é correspondido”, chegou a comentar .
Amores, sejam eles do passado ou presente, que abalaram e quebraram corações, são grandes inspirações musicais, desde que a música existe. E se tem alguém que sabe falar de amores em sua música, essa pessoa é Taylor Swift. Ao longo dos 13 anos de carreira, ela fez suas confissões, declarações, desabafos e críticas por meio de canções. Ela ganhou uma crescente fama de falar sobre os ex-namorados, mas ela também já escreveu sobre amor próprio, ser você mesmo, homofobia e ainda discorreu um álbum inteiro sobre como se transformou no que seus “inimigos” (leia-se Kanye West e Kim Kardashian) fizeram dela.
Taylor pode ser meio óbvia em suas letras, mas quando está inspirada, sempre tem muito a dizer e é mais sincera em suas músicas do que jamais se permitiu ser como figura pública, o que só engrandece suas canções. “ Tenho uma longa lista de ex-amantes / Eles te dirão que eu sou louca / Porque você sabe que eu gosto dos jogadores / E você ama o jogo ”, ela explica em Blank Space .
Você viu?
A música de Taylor tem características que dão cor e tom para as faixas. De forma similar, Lorde canta amores e lembra constantemente sobre as alegrias de ser jovem e irresponsável: “ Nossas regras, nossos sonhos / Estamos cegos /Explodindo essa merda com dinamite caseira ”. “Melodrama” foi um marco da música pop, e já fez admiradores, como Billie Eilish, que bebeu de fontes similares com sua estreia, “When We All Fall Asleep, Where do We Go?”, lançado em março.
Ao contrário de Lorde, porém, Eilish caminha por águas mais escuras e turvas, exibindo seus problemas com depressão, sua baixa-estima, relação com a fama e coisas do gênero. Ela também fala de amor não correspondido e não se faz de rogada sobre o que pensa: “ Eu queria que você fosse gay ”, deseja a um amor platônico.
Poesia
Não tem como falar sobre mulheres que fazem poesia na música sem citar Patti Smith, a poeta do punk. A artista, que vem ao Brasil este ano no Popload, tem uma carreira iniciada em 1975 que se espalha por discos, livros, fotografias, e neste ano lançou sua segunda parceria com o Soundwalk Collective no disco “The Peyote Dance”. Nele, ela recita os poemas do francês Antonin Artaud.
Patti inspirou uma geração de roqueiras que seguiram seus passos como Cat Power, Sharon Van Etten, Florence Welch e Courtney Barnett. Todas compõe e lançaram novos trabalhos nos últimos anos.
Caminhando por uma estrada distinta, mas também com uma poderosa mensagem, Lizzo é o nome do momento. A cantora americana de 31 anos está em seu terceiro disco, mas foi justamente a força de sua composição que lhe rendeu, em 2019, o status de “revelação”. “ Eu acabei de fazer um teste de DNA / Parece que eu sou 100% aquela piranha ”, ela revela no começo de Thuth Hurts . Seu humor ácido e palavras fortes servem como base para transmitir mensagens poderosas, mais uma vez, sobre amor próprio.
Mulheres, mulheres, mulheres....
O ano de 2019 tem sido especialmente produtivo para as cantoras e compositoras. Além das citadas, outras mulheres lançaram novidades este ano, a começar por Madonna, que retornou em boa forma com “Madame X”, mais uma vez mostrando quem é sem pedir desculpas. Roberta Sá, Anitta, Alice Caymmi, Ariana Grande, Miley Cyrus, Marina lançaram novos discos este ano, e novos nomes como Rosalía, surgiram na cena.
A cantora espanhola lançou seu segundo disco, “El Mal Querer” em 2018. Sem buscar caminhos fáceis, ela fala sobre relacionamentos no disco, mas o faz por meio do livro “Flamenca”. A publicação, cujo autor é anônimo, é dividida em capítulos, cada um deles transformados em uma faixa de seu disco. Com 25 anos, Rosalía usou referências pessoais e regionais para expandir sua música, e se tornou um dos maiores nomes do momento no mundo todo.
As mulheres, claro, nunca tiveram medo de ousar, quebrar barreiras e se expressar das mais diversas formas. Mas nos últimos anos a produção feminina tem sido a mais impressionante e abundante da música.
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Adele, Beyoncé, Lady Gaga , Cardi B e Kacey Musgraves dominaram o Grammy nos últimos anos, enquanto novos nomes continuam a surgir no rock, no pop e no rap. Independente do estilo, as artistas fazem poesia de suas dores e alegrias, e vivem um dos momentos mais relevantes para a música feminina.