O governo Rio de Janeiro enfrenta uma de suas fases mais difíceis. Os cofres públicos estão vazios e o repasse para os servidores públicos é incerto. Com isso, é comum que reajustes sejam feito, para priorizar os pagamentos dos funcionários. Quem acaba sofrendo com isso são áreas tidas como menos essenciais, como a cultura. Une-se a isso mudanças culturais no aspecto federal, e o cenário cultural fluminense, assim como o resto do Brasil tem sofrido um baque.
Foi assim em maio, quando o governo do Rio de Janeiro bloqueou o repasse de quase 50% do orçamento do Theatro Municipal . A Comissão de Cultura da Alerj, chefiada pelo deputado Eliomar Coelho, calcula que o valor congelado corresponda a R$ 25 milhões. Na última quinta-feira (27) um possível primeiro reflexo deste corte aconteceu durante o concerto do pianista francês Alexandre Tharaud.
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O artista enfrentou problemas de iluminação ao longo de toda a apresentação, com as luzes apagando e acendendo fora de hora. Até mesmo o intervalor foi anunciado antes do tempo. O Tharaud foi bem avaliado pela crítica, mas a imagem do Municipal saiu arranhada. O vexame pode até ser consequência do corte de verbas, mas não é de maio, nem de 2019, a crise em um dos principais teatros do Brasil.
Em comunicado oficial, o presidente da Fundação Theatro Municipal, Aldo Mussi, o rack de dímeres apresentou um inesperado problema, causando oscilação da iluminação durante o recital. Por conta disso, uma substituição do rack durante o intervalo, sendo necessário um tempo ligeiramente maior. Para mudar o sistema de iluminação o intervalo teve que ser mais longo. “A produção do Theatro Municipal e o profissionalismo do pianista Alexandre Tharaud agiram com prontidão e deram sequência ao belíssimo recital. Sexta-feira (28/06), o reparo do rack já estava em curso", concluía sua mensagem.
“O Theatro tem um histórico de má gestão de décadas e isso trem um peso no dia a dia. Agora foi a luz que falhou, antes disso foi o ar-condicionado. Quando problemas pontuais começam a acontecer sempre, são provas de que a gestão está largada”, acredita o jornalista João Luiz Sampaio.
Além de colunista do Estadão ele é editor-executivo da Revista Concerto, e vê uma crise que reflete o descaso do poder público com o teatro. “Os cargos de gestão executiva do Theatro são políticos, a indicação é politica e acaba colocando a frente pessoas que não sabem como dirigir”. Para ele, a sucessão de gestores que não tem conhecimento na área afeta a administração geral do teatro, bem como sua percepção com o público.
Troca troca
Desde 2015 o Municipal teve seis presidentes, além do atual Aldo Mussi, apontado pelo novo governador do Rio de Janeiro , Wilson Witzel. Antes dele, porém, foi uma sucessão de nomes do mais alto nível, que mal “esquentou a cadeira” e já disse adeus. O maestro Isaac Karabtchevsky esteve na posição entre janeiro e junho de 2015, e participou da audiência pública que definiu o corte em maio deste ano. Ele deu lugar a João Guilherme Ripper assumiu em seguida e passou 18 meses no posto.
Ele foi retirado, porém, para a entrada do ator Milton Gonçalves. A decisão foi muito questionada, principalmente porque o ator não tinha afinidade com cargos administrativos, e acabou deixando o posto logo em seguida.
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Assim, assumiu André Lazaroni, que passou 10 meses na posição em 2017 e foi exonerado por questões políticas. Leandro Monteiro, que era Secretário de Cultura na época, ficou na presidência pelos três meses seguintes, até janeiro de 2018. No último ano o cargo foi ocupado por Fernando Bicudo, que também deixou o posto em novembro, para dar lugar a Ciro Pereira Silva. Ciro ficou até a troca de governo, quando Mussi assumiu.
Ao longo dos últimos cinco anos, nenhum presidente passou mais de 18 meses no cargo, e antes disso a cineasta Carla Camurati comandou a pasta por mais de sete anos, sob muitas críticas de que deixou as óperas de lado em sua gestão.
Essa instabilidade acumulada ao longo dos anos, somada com os problemas de verba do Rio de Janeiro, acarretaram em um 2019 sem grandes perspectivas. Após o congelamento no repasse, o maestro Luiz Fernando Malheiro pediu demissão e, em sua carta pontuou os problemas enfrentados pelo patrimônio cultural.
“Não posso permanecer sendo Regente Titular de uma orquestra que não existe mais, da maneira que consta em regulamento. Com o desproporcional e incompleto quadro atual de músicos nenhum repertório que não seja clássico, Mozart no máximo como exemplo, pode ser executado sem a contratação de um número significativo de músicos extras, onerando a verba de programação, que até agora não existe”, explicou Malheiro.
Solução artística
Para driblar essa situação, alguns novos esforços tem acontecido em 2019. Depois de um 2018 lamentável, com a exibição de apenas uma ópera e o cancelamento da programação de espetáculos para o ano inteiro, em 2019 a ideia é dar pequenos passos. Sob o comando artítico de André Heller, os espetáculos estão sendo anunciado aos poucos.
Para Sampaio, a solução não é ideal, mas é possível em vista a situação atual do Municipal: “o ideal seria poder contar com um apoio de fato do poder publico, até para poder contratar artistas e se programar. Se isso não é possível, mais responsável talvez seja, de fato, ir anunciando aos poucos”, acredita.
Sampaio vê com bons olhos a contratação de Heller, que ele crê ter um teor artístico sólido, mas para ele os problemas do Municipal são mais profundos: “Não falta no Brasil talento artístico. O problema é anterior, de gestão, que impede colocar no papel o projeto artístico”. Para ele, o grande problema para seguir em frnete é que, mesmo com as mudanças na presidência, não parece existir um interesse do governo do Rio de Janeiro: “(o governo) ainda esboçou nenhum tipo de solução”.
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No próximo dia 14 de julho o Theatro Municipal completa 110 anos de existência, sem nenhuma perspectiva de recuperar o prestígio que já teve um dia. “Para um teatro que já foi o maior da América Latina, chega aos 110 anos num momento muito ruim. Não há nenhum tipo de garantia ou compromisso do poder público de que o teatro é uma prioridade”, conclui o jornalista.