Quase sempre são os grandes artistas que ganham manchetes e holofotes. Mas antes de qualquer produção ficar pronta para ser exibida nos palcos ou nas telas, existem muitas pessoas por trás garantindo o sucesso desses projetos.
Neste Dia do Trabalho , celebrado nesta quarta-feira (01), destacamos cinco artistas que trabalham dos bastidores das artes, fundamentais para toda a cadeia criativa.
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Leila Melo, chefe de camarim do Teatro Municipal
“Ô, nega, cadê meu buraco?”, pergunta Zeca Pagodinho a Leila Melo toda vez que chega aos bastidores do Teatro Municipal, na Cinelândia. Dá gosto de ver a cumplicidade entre o sambista e a coordenadora-chefe de camarins do teatro (“eu amo o Zeca, e ele me ama”, diz ela), que faz questão de acolher bem o amigo quando ele se apresenta por lá. “Leila é minha comadre. Sempre bota minha cervejinha no lugar e é sorridente”.
Nana Caymmi é outra fã. “Tenho muito carinho pela Leila”, afirma. “Ela sempre separa o melhor camarim para mim, tanto que o Emílio Santiago sempre saía do dele para ir para o meu. Dizia: ‘Vou ficar com você, Caymmi’”, lembra ela, imitando a voz grave do cantor, morto em 2013.
Nascida em Copacabana, Leila está no posto há 23 anos, mas sua relação com aquele espaço é bem mais antiga. Ela cresceu nas coxias do teatro, onde a mãe exerceu o mesmo ofício durante 40 anos. Foi com ela que a camareira de 62 anos, fluente em inglês, alemão, italiano e francês, aprendeu os segredos da profissão. “Tem que ter muito amor, carisma e paciência”, define ela. “É preciso saber quais artistas se pode juntar no mesmo camarim para evitar atrito e entender que, às vezes, eles precisam só de carinho”.
Para Leila, discrição também é a alma do negócio. “A camareira sabe tudo e ao mesmo tempo não sabe de nada”. Guardar segredo é com ela mesma: repórteres que já cobriram os bastidores do Prêmio da Música, evento que espalha um enorme número de artistas pelas salinhas reservadas do Municipal, sabem como é difícil arrancar da camareira informações sobre manias ou pedidos inusitados das estrelas. Por ali passaram ainda nomes como o Barack Obama (“simpático”), Dione Warrick (“sempre me abraça e beija”), Will Smith, o Papa Francisco, entre muitos outros: “Isso aqui é um mundo”.
Rubinei Filho, técnico de som na área de audiovisual
A proeza de conseguir fazer silêncio absoluto enquanto capta o som de uma cena rendeu a Rubinei Filho o apelido de “ninja do som”. “Não dá nem para ouvir os passos dele quando está filmando”, diz Beto Moreira, diretor do Vídeo Fundição, onde Rubinei se formou com Márcio Câmara, nome de referência no som direto do cinema brasileiro.
Depois de servir o exército, Rubinei, que nasceu em São João de Meriti (RJ), foi trabalhar carregando caixas numa empresa de locação de equipamentos de iluminação. Aos poucos, começou a conhecer profissionais do audiovisual, interessou-se pelo assunto, até que resolveu se aprofundar. Ainda no curso na Fundição, recebeu o convite para trabalhar em “Cara Metade”, série de Júlia Rezende, e não parou mais.
“O que mais me interessa nesse trabalho é a gente não precisar enxergar para ver”, filosofa. “É uma função solitária, só você sabe se está dando certo ou não. Depois do ‘roda’ e do ‘corta’, a responsabilidade é só sua, porque imagem, todo mundo vê e dá pitaco, né?”.
Mas é da imagem que ele parte. “A gente faz o som para ela, é preciso se adequar”, diz o profissional, que criou a Associação dos Microfonistas e Assistentes de Som Direto do Rio. “A ideia é captar o som sem que os outros percebam, se tornar a solução e não o problema”, explica.
Esse entendimento é outra qualidade de Rubinei, segundo o cineasta Vicente Amorim, que trabalhou com ele na série “Espinosa” e nos longas “Irmã Dulce”, e “Motorrad”. “Rubinei se envolve com os filmes que faz”, destaca. “Ele não só faz a função dele muito bem como se preocupa em entender a dificuldade e as motivações daquele trabalho. E não há como ajudar contar uma história sem saber do que se trata”. Hoje, Rubinei integra a equipe da série “Me chama de Bruna”, da TVZero.
Gilvete Santos, caracterizadora da TV Globo
Olhos borrados de cajal, pele curtida, unhas sujas e mãos calejadas de trabalho. Os detalhes que dão mais realismo aos refugiados da novela “Órfãos da terra” foram sugestões de Gilvete Santos, a Gil.
Caracterizadora da TV Globo há 18 anos, Gil, de 53, estudou imagens da guerra da Síria para construir o visual dos atores. Mas também colocou pitadas pop em personagens mais modernos — o caso da sombra colorida usada por Alice Wegmann.
“A escolha do tipo de cabelo e da maquiagem é fundamental para a construção do personagem. Mas é preciso estar atento para que essas escolhas não façam com que o ator se sinta desconfortável com sua aparência”, observa Gustavo Fernández, diretor de “Órfãos”. “Que seja um elemento que o ajude a entender a pessoa que está interpretando. Todas as vezes em que trabalhei com Gilvete percebi como ela sabe equilibrar esse processo”.
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Alice Wegmann atesta. “A Gil está sempre atenta e disponível, tem um cuidado grande com a gente”, elogia. A aparência deteriorada do personagem de Carmo Dalla Vecchia na série “A Cura” (2010) também foi obra de Gil. Doente, ele definhava: começava cego, os dentes apodreciam e pústulas iam se espalhando pelo corpo. Já em “Deus salve o rei”, novela medieval, ela buscou inspiração em “Game of Thrones”.
“Virei fã dos vikings”, conta Gil, paraibana que mora no Rio há 35 anos. “Mas antes, fui entender cenário, arte e figurino da novela. Procuro estudar, ver filmes e me manter antenada. Tenho que inovar, não posso deixar o trabalho cair na mesmice, deixar todo mundo com a mesma cara”.
O também ator Sérgio Mamberti destaca o “talento e sensibilidade” de Gil: “Ela faz composições potentes, autênticas e geniais. Dando muita credibilidade e legitimidade aos personagens que caracteriza”.
Leonardo Marona, livreiro da Travessa
A frente do caixa de uma livraria costuma ser reservada a best sellers e souvenires literários. Na Travessa de Botafogo, porém, há uma mesa dedicada a poetas iniciantes, publicados por selos independentes.
O autor da “instalação” é Leonardo Marona, livreiro do setor de poesia da loja desde a sua inauguração, em 2014, e maior responsável pelo seu sucesso: editoras do gênero, como a 7Letras, têm suas melhores vendas naquele endereço.
“Tudo começou quando bolei um evento de poesia e convenci a loja a comprar livros de cada poeta que era convidado”, diz Marona. “Aos poucos, construímos uma estante que fugia do óbvio e transbordou para a mesa. Graças ao boca a boca, viramos referência”.
Ex-jornalista e ex-tradutor, em 2007 Marona entrou na Travessa do Shopping Leblon, onde logo virou ex-caixa. Abraçou então sua última chance: virar livreiro, lidando direto com o consumidor. Se encontrou.
“Não é sabonete, é livro, tento abrir um pouco a cabeça das pessoas, dar referências”, diz Marona, que já publicou oito livros de poemas e prepara um romance. — O cara pode chegar querendo Rupi Kaur e levar Natasha Felix, garota de 20 anos que em uma década vai ser enorme.
Berg Silva, roadie de astros da MPB
Quando ia aos bailes em sua Recife natal, o moleque Eysemberg Silva tinha um foco de atenção especial. Além da música, ficava fascinado com a estrutura do palco, a montagem dos instrumentos. Na adolescência, foi natural que se infiltrasse nesse universo — trabalhando com bandas de baile como as que o encantavam quando criança.
Começou assim uma carreira de roadie que já conta 30 anos. Hoje fiel escudeiro de Lenine, Berg, como é conhecido, já trabalhou com artistas como Alceu Valença, Roberta Sá, Hebe Camargo e Nelson Gonçalves— ainda que no início, em Pernambuco, ele não soubesse exatamente como se chamava aquela profissão: “Não tinha nome de roadie, né? Chamavam de ‘carregador’, ‘a pessoa que faz a montagem’, coisas assim”. Berg trabalha com Lenine há 22 anos, desde o lançamento do álbum “O Dia em Que Faremos Contato”.
“São muitos anos juntos”, diz Lenine. “Rodamos o mundo algumas vezes, e Berg é nosso HD externo. Lembra de cada uma das turnês e suas histórias. Hoje é quem pilota meus pedais e é minha total segurança no palco”.
A segurança de Lenine tem motivos. Berg já o salvou algumas vezes. Numa delas, no Texas, nos EUA, teve 40 minutos antes do show para reconstruir a parte elétrica de um instrumento do compositor danificado numa inspeção da alfândega.
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“O público não se dá conta, mas do cara que descarrega o caminhão até o artista, todo mundo é responsável por aquele espetáculo. É uma satisfação saber disso”. O caminho do roadie passa por desafios técnicos (“O mapa de palco de Arthur Verocai era complicadíssimo”) e jocosos (“Nelson Gonçalves tinha uma prótese peniana e adorava fazer a piada de ‘vamos no camarim pra eu mostrar’). No meio disso, interlúdios filosófico-gaiatos sobre o sentido da arte e da vida: “Lembro de Alceu me ver no fundo do palco, olhar pra mim e perguntar: “ Berga , o que eu tô fazendo aqui?”, comenta sobre o artista.