A terceira turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão unânime, entendeu que dentro dos moldes da Ingresso Rápido, a cobrança da taxa de conveniência vê-se ilegal já que a mesma se mostra uma venda casada, ou seja, quando se compra um produto e automática-e-obrigatoriamente leva outro - o que é proibido em território nacional.

Leia também: Fim da taxa de conveniência na compra de ingresso? Saiba o que muda após decisão

Taxa de conveniência provoca momentos nebulosos na indústria de ticketing nacional
Divulgação
Taxa de conveniência provoca momentos nebulosos na indústria de ticketing nacional

Mesmo que a decisão do STJ afete apenas a Ingresso Rápido, pois foi a única acionada por ajuizamento civil até o momento, a repercussão aqueceu um debate sobre como isso pode afetar a indústria de ticketing  caso comece a se espalhar para mais produtoras, promotoras e empresas que cobram taxa de conveniência .

Leia também: STJ considera ilegal taxa de conveniência para ingressos vendidos online

A Time For Fun, por exemplo, maior produtora de eventos e revendedora de ingressos no Brasil, emitiu uma nota defendendo que a decisão do STJ é equivocada, porque entende que não há prática de venda casada e que a taxa de conveniência é uma prática mundial na indústria de ticketing.

“A  referida cobrança é uma prática mundial do setor de entretenimento  e uma opção para o consumidor adquirir  seu ticket com antecedência e sem precisar se deslocar até a bilheteria oficial.  Trata-se de uma prestação de serviço legal, facultativa e não representa venda casada porque o consumidor  não é obrigado a comprar mais de um bilhete ou outro serviço", disse.

Afinal, como as ticketeiras funcionam? No Brasil, no caso a Ingresso Rápido, disponibiliza os ingressos para venda e inclui uma taxa de conveniência, que pode oscilar entre 15% e 20%, que ela retém para seu lucro. Além disso, ela se firma uma ponte entre a produtora de eventos e o consumidor. Sem a cobrança da taxa, a empresa sofreria um impacto na margem de lucro.

Na quinta (21) a reportagem do iG Gente fez uma simulação para compra de ingresso para o show de Sandy & Junior em Brasília e, no site da Ingresso Rápido, encontrou a cobrança da taxa de 18% para cada entrada, sinalizando que a empresa ainda não acatou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. O índice é o mesmo para inteira ou meia entrada.

De acordo com o advogado Bruno Marques Bensal Roma, como o STJ declarou a taxa ilegal, o que é diferente de suspender, que pode dar a entender que um dia retornará, a cobrança de conveniência pela empresa Ingresso Rápido não tem validade jurídica, mas pode seguir até o trânsito em julgado da ação.

Ou seja, essa decisão pode ser atacada por recurso que suspenda seus efeitos. Segundo o especialista no direitos do consumidor, Bruno Marques,  apenas "se não houver recurso, ou se o recurso que a impugnar não pleitear a suspensão de seus efeitos poder-se-á dar a ela cumprimento provisório".

Você viu?

Como funciona a indústria de ticketing?

Taxa de conveniência provoca tempos nebulosos na indústria de ticketing nacional
Divulgação
Taxa de conveniência provoca tempos nebulosos na indústria de ticketing nacional

Enquanto no solo tupiniquim, o encargo oscila na margem dos 20%, nos Estados Unidos a porcentagem varia de estado para estado. Já Festivais como Rock in Rio e Lollapalooza mudam a tarifa para cada país em que se hospedam. Por outro lado, festivais menores como Sziget, na Hungria, e o Greenville Music, na Alemanha, cobram uma quantia em euro única independente da região.

Na Espanha, a cultura da indústria de ticketing é mais semelhante com a do Brasil. Todavia, lá as intermediadoras argumentam que a quantia elevada da taxa de conveniência é justificada para arcar com custos operacionais e pela segurança extra, tanto do produtor como do consumidor.

Em entrevista ao Pulso Social , Ander Michelana, CEO da Ticketbis, explicou a importância da segurança nesta troca: "Nós [ticketeiras] somos intermediárias, mas assumimos a responsabilidade de ambos os lados, em face do comprador, garantimos que o bilhete que comprou é verdadeiro, e do vendedor, que alguém vai comprar. Isso tem um alto custo operacional e cobramos comissões porque damos essa garantia extra sem margem de erro".

Marta Bernasconi, responsável pela comunicação da Ticketbis, ainda falou sobre como a medida vem sendo implantada na América Latina: “Esse movimento é natural e não demorará para chegar na Argentina. Começamos este ano lá, mas também estamos trabalhando no México e na Colômbia com festivais de música”.

Como as empresas de ticketing serão impactadas?

Taxa de conveniência deixa indústria do ticketing em maus bocados
Divulgação
Taxa de conveniência deixa indústria do ticketing em maus bocados

Segundo hipótese levantada pelo advogado Bruno Marques, a discussão ainda pode enveredar por uma lado, semelhante ao da Espanha aqui no Brasil, desde que as empresas sejam mais transparentes - provando que existe um intermediador na venda.

“É possível que haja discussão a respeito – neste ou noutros processos -, podendo as empresas do ramo comprovar que (I) há sim intermediador na venda, o que justificaria a cobrança, e que (II) houve sim prévia e adequada informação a seu respeito”.

A partir da decisão do STJ, o Procon-SP notificou outras 16 empresas de eventos do Estado de São Paulo. Sobre como a indústria do entretenimento será impactada, Bruno Marques disserta: "A atividade empresarial é muito dinâmica e é da sua essência a busca de respostas e inovações, inclusive mediante tentativa e erro. O próprio acórdão do Superior Tribunal sugere que se os consumidores tivessem tido a informação de modo mais claro e que se houvesse uma pluralidade de intermediadores, talvez a conclusão fosse diferente”.

Já o advogado Daniel Alves, do escritório Denise Rocha, acredita que as empresas podem acabar se apoiando em outras tarifas para suprir o desfalque na caixa registradora.

“As empresas de venda de ingressos costumam cobrar outras além da tarifa de conveniência. Tais cobranças, até o momento, permanecem validadas. Ainda poderão embutir tais custos operacionais no valor dos ingressos, recebendo o valor diretamente dos organizadores”.

Leia também: Taxa de conveniência por ingressos online é ilegal; dinheiro pode ser recuperado

Com um futuro incerto, a indústria de ticketing no Brasil passa por tempos nebulosos, mas que buscam transparência entre consumidor e vendedor na taxa de conveniência . Em uma corda bamba entre o mais caro e o correto, consumidores e empresas, com a arbitragem da Justiça, ainda vão demorar para enxergar algo definitivo no horizonte. De qualquer modo, essa discussão ainda promete render muito. 

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!