A ideia da volatilidade das relações amorosas, bem como o ideário de que certos laços afetivos representam âncoras, ou boias salva-vidas, na estória de um indivíduo move “Intimidade Entre Estranhos”, segundo filme de José Alvarenga Jr. lançado em 2018, o primeiro foi “10 Segundo para Vencer”, cinebiografia do pugilista Eder Jofre.
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Maria ( Rafaela Mandelli ) se muda provisoriamente para o Rio de Janeiro para acompanhar o namorado Pedro (Milhem Cortaz), que tenta acontecer como ator em uma minissérie bíblica. Eles alugam um apartamento em um prédio velho que tem como dono Horácio (Gabriel Contente), que herdou a maioria dos apartamentos do prédio e é síndico do condomínio. Esses são os três personagens que oxigenam “Intimidade Entre Estranhos” .
Horácio não faz a menor questão de ser agradável. Pelo contrário. Ele parece ter algum prazer em deixar o outro desconfortável. “Você foi arranjar treta com o sujeito mais coitadista do Rio de Janeiro. Eu te amo, mas tô torcendo pelo garoto”, diz Pedro a Maria em um dado momento. Assim como Horácio, Maria não sai das dependências do prédio. Os dois se ressentem do convívio social por razões diferentes, mas que se equacionam.
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A turbulência do começo dessa convivência vai dando vazão a uma afinidade estranha, hermética que não parece natural, mas subiste como a coisa mais natural do mundo naquele contexto e sob aquelas circunstâncias.
O roteiro de Alvarenga que ganhou tratamento de Matheus Souza , cineasta responsável por obras jovens como “Ana e Vitória” (2018), “Tamo Junto” (2008) e “Apenas o Fim” (2008) se excede nos diálogos expositivos, mas constrói personagens complexos – especialmente Pedro e Maria -, e conflitos imbricados que favorecem soluções pouco afeitas ao cinema comercial.
A depressão e o luto são matérias-primas aqui e o filme, com a direção sensível e calma de Alvarenga Jr., aborda essas questões com parcimônia e método. É raro, por exemplo, uma cena externa. Além da piscina em que Maria passa boa parte de seu dia e que serve ao voyeurismo de Horácio, há uma ou outra cena em um bar e no aeroporto. Nos textos de Souza, é comum uma mulher ser catalisadora do processo de amadurecimento de um homem jovem e isso acontece em “Intimidade Entre Estranhos”, mas de uma maneira mais arejada e que remete mais à realidade da personagem feminina do que ao momento do personagem masculino. É uma troca emocional e afetiva interessante a que o longa propicia a sua trinca de personagens centrais.
Rafaela Mandelli, pouco experimentada no cinema, prova mais uma vez a grande atriz que é. Ela domina todas as camadas – e são muitas – de Maria. Uma personagem que não se revela inteira para o espectador, mas se revela mais fascinante a cada espiada, a cada sorriso incontido, a cada lágrima roubada. Milhem Cortaz, um dos melhores atores em atividade no audiovisual brasileiro atual, dá a seu Pedro a complexidade necessária para a tentação de vilaniza-lo seja companheira, mas não senhora do espectador.
“Intimidade Entre Estranhos” é um filme sobre esforços íntimos amparados por terceiros e materializa no cinema nacional aquela verve argentina que tanto ambicionamos.