Já imaginou viver sem WhatsApp? E sem Facebook? Pois é, muitas coisas consideradas naturais e inofensivas no cotidiano ocidental são proibidas na China por conta da censura
praticada naquele país.
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Implantada pela República Popular, a censura proíbe vários temas, influencia nos meios de comunicação e no conteúdo que é distribuído ao público em geral na China
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Mídias como televisão, teatro, rádio, internet, literatura e até mensagens de textos são diretamente controladas pela censura, que é fiscalizada pelo "Escudo Dourado" - um software de alto refinamento que bloqueia palavras consideradas perigosas pelo governo.
Quando algo de extrema relevância acontece no mundo, o fato é noticiado através da Xinhua News Agency , o órgão de notícias oficial do governo que determina como deve ser feita a cobertura dos eventos mais “sensíveis”.
Muitas vezes, em um ato de autocensura, outros veículos acabam reprisando o material feito pela agência, afinal, lá o governo pode até prender jornalistas que desrespeitem suas ordens.
De qualquer maneira, o que torna-se extremamente notável na censura chinesa é a rigidez, já que muitas coisas que parecem tão inofensivas ao olhar ocidental são proibidas no país oriental.
Para quem não sabe, na China é proibido o uso do Facebook, a transmissão do desenho “Peppa Pig”, o uso do aplicativo WhatsApp, a circulação da “Bíblia Sagrada”, a utilização do Google e, mais recentemente o personagem Ursinho Pooh. Sentiu a pressão?
A Censura
Antes mesmo de falar de eu viés ideológico, é necessário entender os motivos que fomentam uma censura tão rígida. Pensando nisso, o iG Gente conversou com a historiadora e jornalista Luiza Duarte.
“O governo pretende através da censura controlar a opinião pública e evitar o
surgimento de movimentos sociais ou novas lideranças que possam desestabilizar o país, na visão do partido. Evitar movimentos como o de 1989 (Praça da Paz Celestial) ou ainda o Umbrella Movement, em Hong Kong. O governo não quer que haja qualquer interferência não controlada da sociedade civil na condução política ou econômica atual do país”.
Em continuidade, a historiadora complementa: “Vejo um endurecimento da censura nos últimos anos que está ligada ao governo de Xi Jinping e ao projeto do atual presidente de se tornar o grande homem forte do partido, como de fato aconteceu no último Congresso Nacional do PCC. Devido a isso, qualquer conteúdo ou atividade ‘sensível’ ou ‘subversiva’ é automaticamente bloqueada ou reprimida”.
Também em entrevista o historiador Icles Rodrigues, do canal Obrigahistória, disserta: “Censuras são relativamente normais em regimes autoritários, embora o grau de censura varie de um local para o outro. Assim como na nossa ditadura civil-militar certos conteúdos eram censurados por serem considerados subversivos, o mesmo acontece lá, a diferença é que, ideologicamente, são regimes opostos”.
Detalhando alguns pontos, Icles ressalta: “O que se considera perigoso aos ideais e interesses do governo é censurado, seguindo a premissa de que esses conteúdos possam encorajar indivíduos e grupos a se rebelar ou questionar as autoridades e os projetos de nação que cada ditadura empreende. A China não é exclusividade nesse caso”.
Estados Unidos e os Efeitos sobre a China
Questionado se uma das maiores potências mundiais tem algum efeito sobre a censura chinesa , Icles comentou: “Sim. Primeiro porque durante toda a Guerra Fria, a principal ameaça cultural era a influência dos Estados Unidos no leste asiático, medo esse agravado pela Guerra da Coreia e os investimentos maciços na economia japonesa com o intuito de manter sua zona de influência”.
Em seguida, citando um famoso filósofo, ele continuou: “Como afirma muito bem Noam Chomsky, regimes autoritários exercem o controle com o porrete, e os democráticos com a propaganda. Logo, no caso chinês, a força é usada para manter a propaganda externa fora do alcance de uma população passível de ser convencida de que projetos de nação, economia e cultura externos são melhores e, consequentemente, deveriam ser implantados”.
Onde o Facebook, a Peppa Pig e a Bíblia se encaixam nessa história?
De acordo com um balanço financeiro divulgado pelo Facebook, em 2017, a rede social de Mark Zuckerberg alcançou 2,13 bilhões de usuários ativos por mês, uma alta de 14% em relação a 2016.
Como podemos notar até aqui, a divulgação de propagandas e ideologias contrárias ao do governo chinês é um dos maiores motivos da censura e sua rigidez. Como sabemos, na rede social, propagamos opiniões, conhecemos pessoas que pensam da mesma maneira que nós e debatemos assuntos polêmicos. Sendo assim, fica claro por que o Facebook fica de fora das fronteiras da China.
Falando em cultura ocidental, temos a “inocente” Peppa Pig. Por mais que a personagem infantil faça sucesso com vendas estratosféricas de produtos licenciados, há muita discussão sobre a qualidade dos personagens para a formação do caráter das crianças.
Segundo uma análise feita por um psicólogo britânico ao Portal Dailymail , o desenho não é nada saudável para as crianças. Peppa estaria apresentando no decorrer de suas histórias síndrome de superioridade, comportamento inapropriado, imposição da sua vontade, grosseria, competitividade doentia, intolerância, falta de respeito, inveja, arrogância e orgulho - o que não soa nada bem para o regime chinês que visa manter seus cidadãos em completo controle.
Você viu?
Por fim, mas nunca menos importante, temos a Bíblia. A obra milenar que carrega em sua hastes a base do cristianismo, traz consigo também uma ideologia. Segundo uma reportagem produzida pela BBC , em anúncio oficial o governo chinês teria afirmado que a Bíblia não vai de encontro com os “valores centrais do socialismo” e por isso são proibidas.
Pessoas Aceitam Isso Numa Boa?
Mesmo não danto acesso ilimitado à informação para a população em geral, a China possui grupos favoráveis ao governo e outros que são contra o regime estabelecido, sobre isso Icles Rodrigues ressaltou: “Há sempre aqueles que se incomodam, mas há sempre adesão. Sempre há uma parcela da população que acredita que seu modo de vida, seu governo, cultura e afins são bons e devem ser defendidos contra ideias que possam subverter o sistema”.
“Agora, sobre como vivem, temos que levar em conta que seres humanos são incrivelmente adaptáveis. A maioria esmagadora da população vive sua vida sem grandes transtornos justamente por não se engajar politicamente em nada considerado subversivo”, completou.
Chineses Falam da China
Ao 26 anos de idade, Jiang Pu deixou seu país antes mesmo do grande "boom" da internet, porém, as lembranças do governo presente continuam lúcidas como se tivessem acontecido ontem.
“Eu era muito feliz lá. Eu morava em uma vila operária, em uma pequena cidade. Tinha muito contato com a natureza, brincava pulando muro e tal. Eu peguei um tempo diferente do regime comunista”, comentou Jiang.
“Naquela época (1997) a China começou a abrir as portas para as coisas de fora. Começou a ter uma crise e diminuir os trabalhadores nas fábricas para incentivar aquele regime capitalista”.
Em seu depoimento, Jiang Pu relata o período de 1976 a 1997, onde o líder Deng Xiao Ping governou o país e direcionou seu planejamento para iniciar a recuperação tecnológica e econômica da China.
Seu governo conseguiu reorganizar a geografia do país em 21 anos com um regime também totalitário, porém, com fronteiras menos rígidas. Seu grande objetivo foi o de abrir a economia chinesa, mas controlando efetivamente as decisões por meio da forte intervenção do Estado, que obviamente não detinha democracia.
Perguntada se ela sentia a presença do governo em sua rotina, Jiang afirmou: “A todo momento. Na escola tínhamos aula sobre a teoria do regime socialista. Falávamos sobre sociedade igualitária e que o governo dava isso para nós. Era idealismo, filosofia comunista, né?”.
Falando de sua família que ainda vive na China e como eles encaram a censura e o atual regime, Jiang explica:“Bom, minhas tias já tem mais de 55 anos, são aposentadas, sempre trabalharam na fábrica, então elas são gratas pelo regime ceder isso a elas”.
“A geração que sofre mais é a dos meus primos. Eles já cresceram nesse tempo, né. Minha prima, por exemplo, é filha única e já tem uma filha para cuidar. Lá na China é difícil e temos o costume de cada um ter sua casa. Ela, como arquiteta, teve que fazer um empréstimo enorme no banco e vai devolver tudo isso em 20 anos! Mas aos poucos ela tá conseguindo viver lá”.
E a China, o que acha disso tudo?
Em comunicado oficial, o cônsul da China no Brasil, Li Jinzhang, falou sobre uma “maior abertura da China” e uma “globalização que beneficie a todos”.
Em abril deste ano o embaixador participou de um fórum na ilha chinesa de Hainan. Na ocasião, mais de 2000 convidados do mundo inteiro emitiram uma forte mensagem contra o protecionismo e defenderam a prosperidade compartilhada, validando que a abertura da China constitui uma tendência que corresponde à vontade de todos.
Nas palavras do embaixador: “No evento, a China reforçou o firme compromisso de expandir ainda mais sua abertura para o exterior. É necessário contar com um ambiente mais livre. Neste novo ponto de partida, a China persistirá no conceito de trazer benefício a seus parceiros, implementando políticas de alto nível para liberalizar e facilitar o comércio e o investimento”.
Segundo o comunicado divulgado pelo cônsul chinês, o presidente chinês, Xi Jinping, também presente no fórum aproveitou para anunciar medidas como ampliar significativamente o acesso ao mercado, criar condições mais atraentes para o investimento, reforçar a proteção dos direitos de propriedade intelectual e aumentar voluntariamente a importação de produtos estrangeiros.
No mesmo comunicado, o cônsul ainda ressalta que o presidente reforça que essas iniciativas serão colocadas em prática o quanto antes para beneficiar tanto a China como o mundo.
Em continuidade, Li Jinzhang afirma:“O mundo de hoje é uma aldeia global. A coordenação de políticas e a conexão de infraestrutura, comércio e financiamento são tidas como a opção mais perspicaz para promover a prosperidade e o progresso comuns. É aspiração compartilhada da comunidade internacional construir mais pontes de cooperação em vez de erguer muros de isolamento”.
Ainda em seu comunicado, o cônsul chinês explicou: “Como disse o presidente Xi Jinping, ‘adoptar o protecionismo é como se fechar em um quarto escuro: não ficam de fora só o vento e a chuva, mas também a luz e o ar’".
Um futuro melhor para os chineses?
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Podemos ver que a censura impede que os chineses tenham acesso a inúmeros aspectos da cultura ocidental, representada pelo cônsul Li Jinzhang, a China pretende se posicionar de forma mais simples sob o conteúdo que vem de fora: " é hora de construir uma globalização inclusiva que favoreça a todos, em vez de recorrer ao protecionismo em detrimento do bem maior”.