"Berenice Procura" flagra ruína emocional de personagens marginais
Filme, que estreia nesta quinta-feira (28), parte do assassinato de uma transmulher para demolir fachadas em uma família de classe média carioca
Adaptado do romance homônimo de Luiz Alfredo Garcia-Roza, “Berenice Procura” é tanto um thriller urbano como um noir sofisticado, mas é também um drama de beleza fulminante e impacto emocional incisivo. Mérito da direção de Allan Fiterman , que tem uma bagagem consolidada na TV e que no cinema já dirigiu Marília Pêra na comédia “Embarque Imediato”.
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As obras de Garcia-Roza flagram um Rio de Janeiro sujo, corrupto, desesperançoso e sexual e em “Berenice Procura” essa tônica está presente e pulsante, mas Fiterman é hábil e subversivo na maneira de apresenta-la ao público.
O mistério que move a trama - quem matou a transexual Isabelle (Valentina Sampaio)? - não é a única fonte de oxigênio do filme que investe suas personagens de tridimensionalidade e contradições. A morte de Isabelle suscita interesse em níveis bem particulares dos membros de uma família de classe média carioca e o longa-metragem extrai sua força dramática a partir dos arranjos e choques que esses interesses fomentam.
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Berenice (Claudia Abreu) é uma mulher que tenta de todo modo se sentir menos fraturada pela rotina. Começou a trabalhar como taxista à revelia do marido Domingos (Eduardo Moscovis), um tipo que parece mais à vontade em destilar misoginia e rancor a cada dia que passa. Ela está frustrada, ainda, em virtude da completa falta de comunicação com seu filho Thiago (Caio Manhente).
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O menino frequenta a boate de Greta (Vera Holtz), uma cafetina truculenta que topa qualquer negócio na noite do Rio de Janeiro. Ele frequenta o lugar em virtude de Isabelle, uma das estrelas da casa, com quem estabelece uma doce e delicada relação de amizade e identificação. Isabelle resiste ao assédio de Greta para voltar a se prostituir muito em parte pelo fato de estar vivendo um novo amor e ansiar que a luz do sol possa encontra-lo.
O crime funciona narrativamente em um contexto de apresentar esses personagens cheios de dores e angústias e, nesse sentido, o filme de Fiterman se avoluma dramaturgicamente no mesmo compasso que adentra de maneira mais carnal a mise- en-scène de Garcia-Roza.
A figura de Valentina Sampaio , modelo em seu primeiro momento como atriz, é tão redentora como tumultuosa. A beleza da atriz e sua vertente hipnótica de mulher construída ajudam a dimensionar a convulsão que se dá em torno de sua personagem.
Quando Valentina canta Amor Marginal de Johnny Hooker uma intensidade crepuscular toma conta da audiência, tornado tudo que o até então era contemplativo, em algo carnal e intrínseco. A atriz, em sua delicadeza e convicção cênica, é o principal motor de tudo o que o filme suscita. Nos personagens, mas principalmente na audiência.
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Na superfície, “Berenice Procura” é um thriller policial com pano de fundo LGBT, mas um olhar mais apurado revela um filme sensível, senhor de personagens vivos e complexos e conflitos tão lacerantes quanto críveis. É um filme com alma, característica que brilha na face mesmerizante de Isabelle.