Paixão entre mulheres em comunidade judaica detona conflitos em "Desobediência"

Assim como "Me Chame pelo Seu Nome", "Desobediência" expande o escopo do chamado cinema LGBT e apresenta uma trama forte e cheia de reminiscências. Longa estreia no Brasil nesta quinta-feira (21)

O cinema de vertente LGBT nunca viveu fase tão prolífera quanto a atual. No ano em que ganhou o Oscar de filme estrangeiro pelo excepcional “Uma Mulher Fantástica”, que discorre sobre as agressões e preconceitos que sofre uma transmulher, o cineasta chileno Sebastián Lelio lançou seu primeiro filme em língua inglesa, o impactante e muitíssimo bem desenvolvido “Desobediência”.

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Rachel Weisz e Rachel McAdams em cena de Desobediência, que estreia no Brasil nesta quinta-feira (21)
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Rachel Weisz e Rachel McAdams em cena de Desobediência, que estreia no Brasil nesta quinta-feira (21)

Ronit (Rachel Weisz) é uma bem sucedida fotógrafa inglesa que mora em Nova York. Ela retorna à pequena e fechada comunidade anglo-judaica a qual deixou para trás após a morte de seu pai, um rabino fervoroso e influente. “Desobediência” começa com a cena da morte do rabino após um sermão sobre a liberdade de escolha e suas consequências. É um início forte e que sela a dramaturgia que virá a seguir de maneira irrevogável.

É perceptível a tensão no ar. Ronit não sabe exatamente como lidar com tios e primos que parecem ressentidos de sua presença. Não sabe também como lidar exatamente com o luto. O jornal da comunidade diz que o rabino não deixa filhos. “É um caso de jornalismo preguiçoso”, argumenta o primo Dovid (Alessandro Nivola) na tentativa de tampar o sol com a peneira.

Dovid está casado com Esti (Rachel McAdams), que era muito próxima de Ronit. Esti decidiu casar com Dovid aconselhada pelo pai de Ronit.

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Cena de Desobediência: reféns dos costumes e tradições

À medida que as costuras nada sutis nesse emaranhado de relacionamentos vão sendo expostas o espectador vai percebendo o peso dos costumes religiosos e familiares naquela comunidade e a coragem de Ronit de ter virado aquela página. Mas os impulsos de Esti podem precipitar um cataclisma tanto de foro íntimo como comunitário.

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Esti e Ronit foram flagradas pelo pai de Ronit juntas quando jovens e foi esse momento em particular que forçou a ruptura. É Esti quem tem desejo única e exclusivamente por mulheres, ainda que esteja casada com um homem e tenha como recomendação deitar-se com ele às sextas-feiras. Mas Ronit não se esqueceu de Esti. Daquele descobrimento e de todas as suas reminiscências.

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Antes de ser uma história de amor – e há uma história de amor cheia de planícies – “Desobediência” é um filme feminista. É, também, um filme sobre assumir a própria identidade - e a questão de gênero aí importa, mas não é decisiva - em um contexto amorfo e intransigente.

Trunfos

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Rachel Weisz é um dos pontos altos de Desobediência

Lelio, que é um cineasta vigoroso e sutil na melhor combinação possível dessas duas características, desenvolve sua trama com um misto de rigor e candura. Os planos são frios, mas a emoção das atuações, acalentadoras. Rachel Weisz é filmada com um interesse quase antropológico. O diretor compreende suas protagonistas – já era assim em filmes como “Gloria” (2013”) e “La Sagrada Familia” (2005) – em um sentido quase metafísico.

A força dos conflitos norteia o longa e, em um dado momento, a agrura de Ronit já não é mais o eixo central de “Desobediência”, mas a inquietação cada vez mais forte de Esti ou a hesitação alucinante de Dovid que vê na esposa que deseja a melhor amiga de infância um chamamento à reflexão sobre o caminho que está seguindo em sua vida.

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“Desobediência” é, em última análise, um filme que busca relativizar a dimensão de certo e errado com delicadeza e propositura. Nada mais insurgente do que fazê-lo pelo choque entre sexo e religião.