Atraso e progresso se chocam no esteticamente arrojado "A Cidade do Futuro"
Longa premiado em festivais mundo afora estreia em circuito comercial nesta quinta-feira (26) e propõe experiência inusitada em matéria de cinema
Não é exatamente uma novidade a proposição de um híbrido entre ficção e documentário. O próprio cinema brasileiro já se experimentou nesse sentido em filmes como "Amor?" (2012), "Branco Sai, Preto Fica" (2014) e "Jogo de Cena" (2007), para ficar em exemplos mais famosos, mas o que "A Cidade do Futuro" propõe é mais vivo e inerente.
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O segundo longa-metragem de Marília Hughes e Cláudio Marques, do premiado “Depois da Chuva”, busca a verdade do local em que é gravado e a verdade daqueles que lá habitam, mas cria a partir dessa geografica cênica e emocional, uma ficção. "A Cidade do Futuro" é esteticamente arrojado, ainda que narrativamente deixe a desejar. O filme se valida pela proposta autêntica e problematizante, mas nunca alcança ressonância dramática justamente pelas escolhas estéticas que faz.
O filme se passa em Serra do Ramalho a tal "cidade do futuro" prometida pelos militares nos anos 70”. Localizado na região Oeste do Norte da Bahia , o município foi criado durante a Ditadura Militar para abrigar as cerca de 73 mil pessoas deslocadas dos seus lares, para dar lugar à represa de Sobradinho.
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A realização se dedica, com uma câmera que fica entre o antropológico e o voyeourismo, a descortinar vidas esquecidas, tomadas como desimportantes pelo tempo e pela História e revela o choque entre o progressismo e o conservadorismo enraigado nos grotões do Brasil. Algo que Gabriel Mascaro havia tateado com alguma assertividade e muita sensibilidade em "Boi Neon".
Assim como o filme de Mascaro, o longa de Hughes e Marques chega ao circuito comercial avalizado por uma consagradora carreira em festivais internacionais. Foi eleito o melhor filme latino-americano no festival BAFICI em Buenos Aires e laureado em festivais em Nova York e Curitiba.
O eixo central da trama acompanha um inusitado triangulo amoroso, que ora mais parece um quadrado. A relação de uma professora de teatro e de um professor de história vive uma entressafra à luz da gravidez dela. É a oportunidade para a realização elaborar a respeito de temas caros à sociedade atual como machismo, sexismo e homofobia.
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Há grandes momentos como nas cenas adornadas pela música Jeito Carinhoso . Hughes e Marques buscam certa sensorialidade na banalidade de uma rotina enclausurada. Seja nos costumes, nos limites geográficos ou restrições sociais. Nesses momentos de solitude, "A Cidade do Futuro" alcança dividendos poderosos.