Desde que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood achatou o calendário para a escolha de seus indicados, promovendo mudanças organizacionais em todas as premiações que a antecedem, a categoria de melhor filme no Oscar ficou mais disputada. A influência dos sindicatos diminuiu e filmes com perfil diferente daqueles tradicionalmente classificados como “filmes de Oscar”. Um exemplo claro é o vencedor do ano passado. “Moonlight – Sob a Luz do Luar” não havia vencido nenhuma premiação prévia, com exceção do Globo de Ouro dramático e faturou a estatueta mais cobiçada do cinema naquela histórica e inesquecível gafe no palco do Dolby Theatre, em Los Angeles.
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Nesse contexto, a disputa pelo Oscar de melhor filme em 2018 está mais aberta do que muitos pensam. A fábula fantástica “A Forma da Água” vem avalizada pelos triunfos no Critic´s Choice Awards e nos sindicatos dos produtores e diretores, enquanto que “Três Anúncios para um Crime” prevaleceu no Globo de Ouro, no SAG e no Bafta. A polarização está posta entre os dois principais pleiteantes na categoria.
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A favor de “A Forma da Água” seu caráter lúdico em um ano que a Academia se abriu para o cinema de gênero. O filme prega tolerância e afeto em uma época em que os EUA de Trump convulsionam em meio à desconfiança e raiva. Nesse sentido, “Três Anúncios para um Crime” parece ser o candidato perfeito. O filme de Martin McDonagh, que tem sete indicações ao prêmio, captura essa América embrutecida, mas também fala de perdão e compreensão.
McDonagh não está entre os diretores indicados e esse fato não é desimportante. Apenas três filmes em 89 anos de Oscar venceram o principal prêmio sem seu diretor indicado. Já “A Forma da Água” não foi lembrado na categoria de elenco no Sindicato dos Atores e apenas uma vez em 23 anos dessa premiação, um filme foi eleito o melhor no Oscar nessas condições. Para um dos dois se sagrar vencedor, uma dessas insistentes marcas precisará ser superada.
As potenciais surpresas
Há ainda nessa intrincada equação “Trama Fantasma” , filme que conquistou seis indicações e surpreendeu muita gentepelo espaço obtido na premiação, dado que o cinema de Paul Thomas Anderson não é considerado palatável para o mainstream. O filme, elegantérrimo, pode contabilizar votos de eleitores descontentes com toda a modernidade desses novos tempos da Academia. Não que seja um filme antiquado, o longa protagonizado por Daniel Day Lewis é original, oxigenado, belíssimo e fruto de rara inteligência emocional e intelectual.
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“Corra!” e “Lady Bird”, dois filmes muito festejados pela crítica, ganharam tração nas últimas semanas. Com quatro e cinco indicações respectivamente, as produções marcam as primeiras incursões de Jordan Peele e Greta Gerwig como cineastas e ambos estão indicados nas categorias de direção e roteiro. Esse amplo reconhecimento demonstra que os filmes têm apoio e podem se beneficiar, ainda, de elementos externos.
“Corra!” , por exemplo, é uma sátira social inteligente e inusitada que mira no racismo velado e é um sucesso de bilheteria e crítica. Seria o segundo ano consecutivo em que um filme protagonizado por um negro triunfaria no Oscar. Feito igualmente irresistível, ainda mais em tempos de Times Up e Mee Too seria premiar o filme sobre o amadurecimento de uma adolescente escrito e dirigido por uma mulher ("Lady Bird").
Outros indicados
Pesa contra “Me Chame Pelo Seu Nome” , que ostenta quatro indicações, o fato de “Moonlight” ter ganho no ano passado. Apesar da beleza e da sutileza com que a história é desenvolvida por Luca Guadagnino, falta ao filme aquele aspecto potencializador que acadêmicos buscam em um vencedor de melhor filme.
Isso sobra em “The Post: Guerra Secreta” e “O Destino de uma Nação” , dois dos candidatos considerados ‘Oscar baits’ já que reúnem estrutura e predicados de filmes que tradicionalmente são lembrados pela premiação. Ambos, porém, parecem coadjuvantes na disputa deste ano.
Resta “Dunkirk” , o espetáculo de caos ordenado e sensorialidade cinematográfica de Christopher Nolan, um deleite de som e imagem com poucos diálogos e muita tensão. “Dunkirk” pode ser à opção que eleitores mais à esquerda e eleitores mais à direita surpreendentemente se encontrem. O fato do filme ser o único entre os indicados na categoria a não ostentar sequer uma indicação em categorias de atuação pesa contra suas chances. Apenas “O Senhor Dos Anéis: O Retorno do Rei” e “Quem Quer Ser um Milionário?” triunfaram nessas circunstâncias.
A desconcentração da disputa por melhor filme no Oscar é uma boa notícia, assim como o fim da influência irrestrita dos sindicatos na escolha. Mais do que premiar um bom filme, a Academia se volta para temas, status quo e o quanto esses filmes são queridos pela indústria. Na noite deste domingo, um deles ascenderá à eternidade.