Como esperado, a temporada de premiações no cinema americano, época em que Hollywood anualmente vive um intenso clima de campanha eleitoral reacendeu a fogueira de vaidades que tem como mote circunstancial os escândalos de assédio sexual. Para além das campanhas Times´s up e #MeToo e o protesto que fez com que a ampla maioria dos presentes no Globo de Ouro realizado no último domingo (7) trajassem preto, o mal-estar generalizado em Hollwood chegou à França.
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Catherine Deneuve e outras 99 mulheres assinaram uma carta aberta no Le Monde criticando justamente esses movimentos surgidos na esteira dos escândalos de assédio sexual por criarem um ambiente de totalitarismo e repressão à liberdade sexual. A reação foi forte e ordenada . Na França, a ministra da igualdade de gênero Màrlene Schiappa criticou o gesto capitaneado por Deneuve e fez coro a feministas que repudiaram a iniciativa. Outras ativistas acusaram a veterana atriz de fazer apologia ao estupro.
A exaltação é flagrante. Na noite em que James Franco foi premiado com o Globo de Ouro de melhor ator em comédia ou musical pelo filme “O Artista do Desastre”, o Twitter viu frutificar uma onda de protestos e acusações taxando Franco de assediador e abusador. O clima pesou. O ator lançou-se em uma campanha de redenção para tentar evitar ver suas chances e de seu filme prejudicadas na temporada. Na terça-feira compareceu ao talk show de Stephen Colbert e disse que não errou, mas se o tiver feito, consertará. A agenda positiva se faz necessária porque a votação para escolher os indicados ao Oscar está aberta e vai até sexta-feira (12).
Gary Oldman , que também venceu o Globo de Ouro por “O Destino de uma Nação”, também colhe a fúria da internet. As redes sociais resgataram denúncias de que o intérprete de Winston Churchill agrediu a ex-mulher durante o processo de divórcio em 2001. “Churchill mostrou que palavras e atos podem mudar o mundo e, Deus sabe, ele precisa de mudanças”, discursou no palco ao receber o prêmio de ator dramático no domingo. Oldman é hoje um dos elementos de mudança que uma ala radical e pouco tolerante de um movimento pouco ordenado e muito barulhento busca promover.
Mudanças práticas
Tanto Gary Oldman como James franco foram aplaudidos no domingo. Ao longo da semana, é perceptível o crescimento da resistência aos seus nomes. A radicalização invisível das redes sociais parece pautar mais do que nunca o comportamento de uma Hollywood assustada e totalmente entregue à correção política. Nesse sentido, muita coisa pode mudar em relação aos indicados ao Oscar.
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Além de ter suas candidaturas em risco – especialmente Franco – atores e filmes com pouco favoritismo podem surpreender. Um exemplo é Daniel Kuluuya de “Corra!” que depois de amealhar indicações ao Globo de Ouro e ao SAG recebeu outra ao Bafta e deve entrar no Oscar. Assim como Denzel Washington por “Roman J. Israel, Esq.”, que já fora indicado ano passado por “Um Limite entre Nós”. O raciocínio é simples: Muito melhor contemplar dois atores negros – e o Oscar mal recuperou-se da polêmica do #Oscarssowhite e já se vê imerso em polêmicas de outra natureza – do que indicar atores com péssima imagem no momento.
Ano passado houve um lobby fortíssimo para minar as chances de Casey Affleck no Oscar. O ator defendia o melhor trabalho entre os indicados, mas havia um grande ranço sobre premiar alguém que alimentava tanta resistência por ter em seu passado denúncias de má conduta sexual. O lobby não adiantou e Affleck levou o Oscar para casa, mas o ambiente é muito mais hostil em 2018 e qualquer suspeita levantada nas redes sociais já é capaz de fazer estrago. A intolerância está disseminada e Hollywood vai celebrar a si mesma em um inusitado clima belicoso.