Apesar de polêmicas e controvérsias 2017 foi um bom ano para a produção cultural. No universo da literatura observamos novas tendências editoriais, como a ascensão vertiginosa de livros de youtubers, e a manutenção dos tradicionais títulos religiosos que sempre lideram a lista dos mais vendidos do Brasil. Debates sociais como feminismo e racismo também se destacaram e fomentaram grande parte das obras que chamaram a atenção esse ano. Relembre o ano literário em dez cenas.
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Ascensão na cultura pop
A intersecção entre produtos midiáticos da cultura pop – filmes e séries, principalmente – e literatura passou por um ponto alto em 2017. Com adaptações de destaque que conquistaram o público e agradaram a crítica, esse ano será lembrado pelo lançamento de produções como o reboot de “It – A Coisa”, adaptação do romance homônimo de Stephen King, “O Conto da Aia” e “Alias Grance”, ambos inspirados em livros da autora Margaret Atwood que em 2017 ganharam traduções brasileiras, e “Mindhunter”, série da Netflix baseada em “Mindhunter: O Primeiro Caçador de Serial Killers Americano” de John E. Douglas e Mark Olshaker. Além disso o roteirista Mark Frost teve seu título “A História Secreta de Twin Peaks” traduzido e lançado no Brasil falando sobre os bastidores da série "Twin Peaks" produzida pela Netflix.
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Voz das mulheres
Não é para menos que “ feminismo ” tenha sido eleita a palavra do ano em 2017 – e o eco dessa luta teve reflexo no universo literário. Além dos títulos já citados de Margaret Atwood que finalmente alcançaram o status de best-sellers depois de muitos anos de lançadas, houve outras autoras mulheres que se destacaram nesse nicho. “Outros Jeitos de Usar a Boca”, da poeta Rupi Kaur, foi publicado no início do ano por aqui, porém permaneceu na lista dos mais vendidos das livrarias nacionais até o final do dezembro. Seguindo a mesma linha poética sobre feminilidade e empoderamento “A Princesa Salva a Si Mesma”, de Amanda Lovelace, também se destaca. Duas grandes mulheres históricas ganharam novas edições esse ano: Hilda Hist em “Da Poesia”, coletânea inédita de obras, e Simone de Beauvoir em “Memórias de Uma Moça Bem Comportada”, autobiografia de uma das maiores pensadoras feministas que já existiram.
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Onda de youtubers
Novidade surpreendente no mercado editorial é o fenômeno dos livros escritos por youtubers que lotou as prateleiras das livrarias esse ano. Estrelas da internet são a nova aposta das editoras para conquistarem o público infanto-juvenil e, pelo visto, a empreitada tem mostrado resultado: “Felipe Neto: A trajetória de um dos maiores youtubers do Brasil” é o segundo livro infanto-juvenil mais vendido do país; a saga de Minecraft do canal AuthenticGames ocupa a quarta, quinta e sexta posição do ranking divulgado pela Revista Veja. Nada mal para o gênero estreante da literatura que já conseguiu bater títulos mais do que consagrados como “Harry Potter”, “O Pequeno Príncipe” e “As Crônicas de Nárnia”.
Menino do Acre
Esse ano a história do Menino do Acre teve seu início e seu desfecho (até que enfim). Depois de quatro meses desaparecido e alimentando incontáveis teorias da conspiração sobre seu paradeiro e o motivo da abdução, Bruno Borges voltou para casa em agosto e, coincidentemente, trouxe consigo o primeiro volume de seu livro “TAC: Teoria da Absorção do Conhecimento” que em pouco tempo entrou para a lista dos mais vendidos do Brasil. A “obra-prima” do estudante de psicologia não só não agradou muito, como também virou piada e seu sumiço rotulado como “jogada de marketing”, coisa que ele nega – mas, apesar disso, o episódio movimentou o ano literário.
Nobel de Literatura
Voltando ao tradicionalismo que fora quebrado em 2016 com a celebração de Bob Dylan como vencedor do Nobel de Literatura, o comitê da Academia Sueca elegeu o autor Kazuo Ishiguro para o título em 2017. Por causa das polêmicas do último ano o resultado dessa edição foi amplamente aguardado e as incertezas nas apostas geraram candidatos improváveis como Donald Trump e Kanye West – mesmo assim os reais favoritos eram o queniano Ngugi Wa Thiong’o , Haruki Murakami, como sempre, e Margaret Atwood (mais uma vez a autora se destacou no mundo literário em 2017).
Flip 2017
Evento já consolidado no calendário brasileiro e estrangeiro no circuito de feiras literárias, esse ano a Flip apresentou um conceito mais próximo de suas raízes e se focou em privilegiar a diversidade. Pela primeira vez com mais mulheres do que homens convidados para compor as mesas do evento, a curadora Joselia Aguiar, que assumiu o cargo esse ano, falou ao iG em julho que “a Flip é um lugar de debate, um lugar para as pessoas entenderem um ponto de vista que não conhecem”. A presença expressiva de autores e autoras negras e a homenagem à vida e a obra de Lima Barreto chamaram a atenção para a questão racial da feira, contudo o assunto não é ponto norteador, mas sim algo natural quando se aborda diversidade.
Debates sobre racismo
Por falar em Flip, ainda que não fosse o foco do evento, os debates e discursos sobre racismo tomaram conta do ano literário no Brasil. O livro “Na Minha Pele”, autobiografia de Lázaro Ramos sobre sua experiência racial no país, se tornou o título mais vendido do evento e mesmo depois da Flip continuo a ter ressonância e foi um dos pontos altos do mercado editorial do ano. Os livros "No Seu Pescoço" e "Para Educar Crianças Feministas", da autora negra Chimamanda Ngozi Adichie e, ainda que de forma mais sutil, o lançamento de “Lima Barreto – Triste Visionário”, escrito por Lilia Schwarcz, também fomentaram a discussão sobre raça dentro da literatura brasileira.
Questões políticas
Com o caos político instalado no Brasil, é natural que surjam títulos que debatam a situação da crise institucional e social que o país atravessa. Alguns dos destaques lançados esse ano que discutem esse cenário complexo são os livros do pensador Leandro Karnal, “Todos Contra Todos – O Ódio Nosso de Cada Dia”, que analisa relação entre preconceitos, discriminação e polarização política, e “A Elite do Atraso: da escravidão à lava-jato”, escrito por Jessé Souza, obra que trabalha a influência da desigualdade racial e seu impacto na construção política atual do Brasil, ambos entre os mais vendidos das lojas. O último volume das memórias de Fernando Henrique Cardoso “Diários da Presidência – Volume 3” também foi lançado em 2017 e se enquadra nos títulos que falam sobre a realidade brasileira no âmbito político.
Literatura religiosa e de autoajuda
A publicação de títulos ligados à figuras religiosas que envolvam esoterismo em alguma medida e livros de autoajuda continuam a se mostrar como uma das tendências mais fortes do mercado editorial brasileiro, com força própria independente de fatores externos – como no caso dos youtubers, por exemplo, que se apoia em estrelas da internet. De acordo com o site Publishnews três dos cinco livros mais vendidos de todo o país se encaixam nessa classificação: “Batalha Espiritual”, do Padre Reginaldo Manzotti, teve mais de 135 mil cópias compradas, seguido por “O Poder da Ação”, de Paulo Vieira, com mais de 125 mil tiragens.
Retorno do realismo
No que diz respeito à literatura em 2017 houve uma tendência a apostar na realidade como tema central de muitas obras. As biografias se destacam entre um dos gêneros que mais renderam e conquistaram leitores: além de “Na Minha Pele”, livro já citado de Lázaro Ramos, outros títulos que apontam essa tendência são “O Livro de Jô – Uma autobiografia desautorizada”, de Jô Soares, “Hebe – A biografia”, escrito por Artur Xexeo, “Rita Lee – uma autobiografia”, escrita pela própria cantora, e “Silvio Santos”, obra da dupla Marcia Batista e Anna Medeiros. Edições de obras que estão calcadas na realidade e na história também integram essa categoria: os jornalistas John Reed e Svetlana Alexijevich ganharam versões em português em 2017, e o médico Dráuzio Varella lançou “Prisioneiras”, última parte de sua saga sobre a população carcerária brasileira.