A música latina em 2017 pode ter começado Despacito , mas o seu destaque durante o ano veio como um furacão. Depois da ascensão no ano passado de canções como Ginza , de J Balvin com Anitta e Sim ou Não , parceria entre a funkeira e o cantor Maluma, parece que a explosão do som no ano seguinte já estava premeditada. A canção de Luis Fonsi com Daddy Yankee, por exemplo, foi a mais tocada na plataforma de streaming da Deezer, ficando atrás apenas de Shape Of You de Ed Sheeran. O reggaeton , que já era um grande fenômeno na América Latina, foi conquistando seu espaço e sendo executado cada vez mais ao redor do mundo no universo dos streamings.
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De acordo com levantamento feito pela Deezer, o reggaeton foi um gênero musical que teve um aumento significativo de consumo no último ano. A plataforma de streaming detectou que o gênero da música latina é apresentado como “pop of today”. Em apenas sete meses, os usuários ativos no Reggaeton Channel, seção dedicada ao gênero no Deezer, cresceram em 476% em apenas sete meses, enquanto no mundo todo o número foi de 47% no mesmo período de tempo, de abril, quando o remix de Despacito foi lançado, a novembro. O Spotify, por sua vez, também observou um comportamento semelhante no consumo da música. A empresa registrou um aumento de 119% desde maio de 2014 até Junho de 2017 no interesse pelo gênero musical, que se espalhou significativamente pelo continente americano e europeu, além de mostrar um tímido interesse dos países da Ásia e Oceania.
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Esse efeito foi percebido pelos próprios artistas mundo afora, como mencionou Yotuel Romero, integrante da banda cubana Orishas, ao iG Gente durante sua passagem pelo Brasil. “Muita coisa mudou na música em Cuba, mas o país não mudou muito. A juventude hoje em dia o que escuta é a música urbana da América, expoentes como J Balvin, Maluma, Daddy Yankee e outros artistas cubanos como El Chacal”, comentou, citando grandes ícones do reggaeton.
Despacito , por sua vez, pode ser considerado o grande marco dessa nova cena da música. A canção que antes era cantada toda em espanhol e tinha participação especial apenas de Daddy Yankee ganhou outro ingrediente mais tarde que fez com que a música virasse uma receita de sucesso. O remix com Justin Bieber – que chegou até mesmo a soltar umas palavrinhas em espanhol, algo inédito na sua carreira – foi o ápice que transformou a música em um verdadeiro fenômeno: o lançamento em abril fez com que os números registrados pelo Spotify de ouvintes da música praticamente dobrasse mundialmente.
Entretanto, esta não foi a primeira vez que artistas de reggaeton se uniram com artistas já consolidados no mercado mundial para lançar uma música. O próprio J Balvin já havia feito parceria com Pharrell Williams em Safari , Chris Brown e T-Pain se uniram a Wisin & Yandel para Algo Me Gusta de Ti e até mesmo no Brasil, depois de Anitta, Ludmilla fez uma parceria com a dupla Zion & Lennox em Otra Vez . Depois da música de Fonsi, o que já estava acontecendo mundo afora, parece ter se intensificado e as parcerias não acabaram mais. As mulheres do Little Mix se uniram com a banda CNCO na música Reggaetón Lento , J Balvin e Beyoncé fizeram uma colaboração inédita para o hit Mi Gente , em que a artista solta o verbo no espanhol, e Demi Lovato se uniu ao próprio Luis Fonsi em Échame La Culpa .
Apesar de o reggaeton ter dominado o mercado, a conexão entre latinos brasileiros e de outros países que o gênero provocou se fez mais presente durante o resto do ano. A cantora Paula Fernandes, quando estava prestes a lançar a música Dos Palabras com o cantor espanhol Pablo López, chegou a destacar que “a música não tem fronteira, com a globalização e a internet as pessoas estão se unindo, mostrando estilos consagrados em seu país a outros países”.
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A internet de fato teve um peso significante nesse cenário. Graças aos serviços de streaming de música que começaram a pipocar nos últimos anos, ficou mais fácil para quem curte música descobrir novos nomes e gêneros, independentemente das suas origens. As playlists, por exemplo, e a ascensão delas, como a “Baila Reggaetón” do Spotify, provam isso. A coletânea da empresa fez com que as reproduções de canções de outros artistas não tão consagrados mundialmente tivessem um aumento significativo, como foi o caso de Alex Veliz que viu sua música Dacing Kizomba ter um aumento de 1445% sete dias depois após a canção ser adicionada na playlist.
O mercado brasileiro
Apesar de ter conquistado significativo espaço no mercado brasileiro atualmente, alguns artistas reconhecem que a trajetória foi difícil. Em entrevista ao iG em outubro, Maluma, que já havia feito parceria com Anitta, tinha acabado de lançar a versão em espanhol de Você Partiu Meu Coração , com o cantor Nego do Borel e comentou sobre a sua estratégia de como mostrar o seu trabalho para o país. “A única formula é fazer música voltar e fazer shows e seguir trabalhando com outros artistas brasileiros”, contou, revelando que tem o intuito de convidar outros artistas brasileiros para colaboração.
O retorno do Orishas ao Brasil também revelou diversas mudanças regionais na América Latina. Yotuel Romero, um dos vocalistas da banda que está dentro da indústria há muito tempo, comentou sobre as diferenças de fazer shows anos atrás no País e hoje em dia. “Agora é mais fácil para o cubano, mas na época dos anos 2000 no Brasil era muito difícil para o artista cubano funcionar no Brasil. O País abriu a porta para a nossa carreira de uma forma muito grande”, contou o artista.
O crítico de música Marcelo Costa, dono do site de cultura pop Scream & Yell , também comentou ao iG Gente em janeiro sobre o processo de abertura brasileira ao mercado latino. “O Brasil como um todo, virou as costas para a América Latina e para toda a cultura da América Latina”, contou. “O mercado brasileiro é bastante representativo para o artista latino, mas ele não consegue entrar nesse mercado. Então uma das maneiras de tentar apresentar artistas para o público brasileiro e artistas para o público latino são essas parcerias, ainda que os artistas brasileiros sejam muito mais reconhecidos na América Latina como um todo”.
Vizinho limítrofe do Brasil, o vocalista Marcelo Blanco, conhecido como “Chema”, que já tem um público consolidado por aqui, tentou buscar respostas para essa dificuldade no mercado brasileiro que muitos latinos sofrem. “Para mim é um mistério. A verdade é que eu tenho essa ideia prévia de que é difícil entrar o mercado brasileiro. Parece que as pessoas que escutam música no Brasil se interessam por escutar apenas sua música”, contou. Entretanto, ele reconhece que o cenário para a música latina atualmente é outro. “É muito clara a participação latina hoje no mundo. Está muito claro que há uma moda que tende a abraçar esse condimento latino e espanhol”, opinou.
O furacão latino parece não ter previsão de cessar em 2018. As promessas dos artistas para o próximo ano tem sido cada vez mais apostar na música latina, fazendo, assim o espanhol efervescer nas rádios, na televisão e no streaming cada vez mais.