Quando Paula Cohen entrou em contato pela primeira vez com o “Monólogo da prostituta no Manicômio”, uma peça escrita em 1977 pelos italianos Dario Fo e Franca Rame, a atriz se encantou com o texto, mas não sabia que duas décadas depois ele seria o combustível de mais uma de suas encenações no palco. Agora com “Carne de Mulher”, peça inspirada no monólogo anterior e com muito feminismo, Cohen traz à tona o tema da violência contra a mulher e do feminícidio a partir do depoimento de uma mulher que está sendo interrogada por uma equipe médica depois de um ato brutal.
Leia também: Dez documentários da Netflix que vão te fazer aprender sobre o mundo e a vida
“Esse espetáculo é, na verdade, o meu gesto politico. Quando eu li esse texto há 20 anos atrás eu não tinha essa compreensão, mas eu sabia da potência dramática dele”, contou Paula Cohen ao iG Gente . “Na releitura dessa peça veio para mim essa ideia de um grande manifesto dentro do feminismo e então eu pensei em montar esse texto. Nós temos que falar nesses assuntos, colocar o nosso bloco na rua, trazer as mulheres cada vez mais para isso, para o despertar e eu acho que é esse o momento”, completou a atriz.
Leia também: O corpo da mulher na música: empoderamento ou objetificação?
A peça reconta a história de uma prostituta que está presa em um manicômio depois de um ato de vingança contra seus adversários. Entre um depoimento e outro, o espectador vai descobrindo o que estava por trás de sua violência há outras tantas, como uma iniciação sexual forçada ou até mesmo relacionamentos abusivos, situações que, segundo Cohen, fazem parte da vida de muitas mulheres. “Eu costumo dizer as pessoas saem meio passada do teatro com a vivacidade do texto, como se estivesse sido escrito ontem, mas nós estamos vivendo isso agora, o que mudou é o nosso olhar para isso”, comenta a atriz.
Você viu?
Sob a direção de Georgette Fadel, a artista revela que trazer esta história para o palco não foi apenas um gesto político, mas também uma forma de autoconhecimento. “Foi muito interessante revistar lugares meus que eu não tinha consciência sei lá da minha própria vida. Começamos a ter a consciência de que as coisas parecem normais dentro desse patriarcado, mas nós somos criadas cheia de limites. Tem coisas que não temos entendimento, mas percebemos que desde sempre já vão nos cerceando”, conta.
“A peça foi uma forma de me libertar e uma forma de chamar de me armar com outras mulheres, de estarmos juntas tanto que a peça eu peço para as mulheres escreverem o nome delas no meu corpo e quando eu começo a encenação eu faço essa mulher que une todas”, completa a atriz. A produção, por sua vez, também não deixou de ser uma construção feminina: todas as personagens que estão fazendo a peça acontecer são mulheres – exigência de Cohen desde que comprou os direitos do texto. “A gente tem que se libertar e cada vez mais e revelando a nossa história”, opina.
Leia também: Com timing certeiro, "Mexeu com Uma, Mexeu com Todas" avança agenda feminista
No palco da resistência
Depois das polêmicas envolvendo as exposições do MAM em São Paulo e do QueerMuseu em Porto Alegre, a artista diagnostica o momento como delicado para a manifestação cultural no País. “A arte sempre foi um meio de se expressar e trazer essas bandeiras e trazer as questões humanas. Ela é um meio de expressão forte e poderoso e eu acho que fazer isso reverberar o tempo todo”, opina. “Atualmente vivemos um momento muito difícil, em um País extremamente destruído e sucateado onde inclusive há uma intenção de criminilizar a arte. Então temos que lutar por ela e pela nossa liberdade de expressão, se não viramos massa de manobra. A arte é necessária nesse momento e nós artistas temos responsabilidade muito grande frente a este cenário”, completa a atriz que afirma querer tirar as pessoas da zona de conforto com a sua montagem.
O feminismo de “Carne de Mulher” sobe no palco do Itaú Cultural em São Paulo nesta terça-feira (31) às 21h e tem entrada gratuita com distribuição de ingressos uma hora antes do espetáculo para o público geral e duas horas para o público preferencial.